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ELENOR SCHNEIDER

Gente humilde

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, optei por prestar uma singela homenagem a mulheres humildes. As bem sucedidas, empresárias exitosas, professoras renomadas, atrizes, e tantas outras, já recebem destacada atenção em todas as mídias, merecedoras que são por ocuparem, por seu esforço e sua competência, espaços que antes constituíam redutos exclusivos do universo masculino.

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Normalmente, o título das minhas colunas é o último a chegar. Desta vez, veio primeiro e então se acendeu uma luz e me lembrei da canção “Gente humilde”, composta por Aníbal Augusto Saldanha, o Garoto, em meados do século vinte, e gravada, entre outros, por Chico Buarque. Trata-se de um imenso e singelo hino de dor e de amor. “E aí me dá/ Como uma inveja dessa gente/ Que vai em frente/ Sem nem ter com quem contar”, dizem os versos finais da primeira estrofe.

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Muitas das mulheres humildes batalham solitárias, moram em casebres ou casas precárias (na citada canção diz que “na fachada/ escrito em cima que é um lar”), seu lar, aceitam trabalhos penosos, porque precisam, querem viver, querem o alimento mínimo para si e seus filhos que, quando os têm, em geral sustentam sozinhas, movidas pela esperança de que no futuro encontrem um mundo menos amargo e sofrido.

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As mulheres humildes invariavelmente são heroínas sem glamour, sem feitos arrebatadores. Seu heroísmo se resume a viver um dia de cada vez. Não há tempo nem espaço para sonhos estendidos. As aves que habitam a natureza vivem assim também, mas dormem em paz. Essas mulheres dormem aflitas, em companhia da incerteza do pão de amanhã.

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A maioria delas abandonou a escola apenas iniciada. Precisaram sair para ajudar no sustento da casa. A falta de estudo, no entanto, não por sua culpa, cobra preço alto vida afora. Dela decorrem a inacessibilidade ao mundo do trabalho, o desencanto, a tristeza, a revolta, muitas vezes desembocando em alcoolismo, drogadição, violência doméstica, usados como recurso de fuga para acalmar por alguns instantes a alma inquieta e desencontrada com a vida. E o mais duro e injusto julgamento é afirmar que vivem assim porque querem, é sua escolha.

Não deve ser fácil debulhar a cada instante, diante de estranhos, o rosário de suas desgraças. Contar que o filho está faminto, que a mãe está doente, que o marido se encontra desempregado, que a família vai ser despejada por não pagar o aluguel, que a luz foi cortada, deve ser duro abrir o livro das desventuras para tentar uma acolhida e assim amenizar o sofrido cotidiano.

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Certamente, pouquíssimas dessas mulheres vão ter acesso a estas palavras, mas que o texto permita a todos nós lembrar que muito podemos fazer por elas. Quem sabe, um sincero “bom dia” à varredora de rua, um “boa tarde” à mulher cansada empurrando o carrinho da sucata catada durante dura jornada, dar ouvidos para dividir o sofrimento, atos singelos que podem suavizar seu dia e fazer com que se sintam seres humanos dignos de respeito e reconhecimento.

Essa gente humilde, essas mulheres humildes talvez nem se deem conta de que há uma data em sua homenagem. Que recebam, assim mesmo, um carinhoso e solidário abraço e votos de que um mundo mais suave as acolha. Porque merecem.

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