Nunca vou me esquecer de um lance misto de hilário e patético. Quando ainda juiz do interior, fiz amizade com um promotor de comarca vizinha. Era um pouco mais velho do que eu, solteirão, mas muito letrado, extremamente pudico, um romântico platônico. Certo dia fomos a uma pequena festa que ocorria na zona colonial no meu flamante Corcel zero bala. Ao entrarmos no salão do Clube local, logo sentimos o cheirinho das cucas, doces e assados. Aproximou-se de nós uma menina de seus 17 anos no máximo, vestida de tirolesa ou algo assim. Era uma “ italianinha” muito graciosa. Meu amigo ficou completamente deslumbrado pela garota e, como ele provinha de uma família de origem italiana e fizera estágio em Roma, dirigiu-lhe, num italiano castiço, um galanteio muito nobre e erudito. A guria, com a travessa de acepipes na mão, esboçou um sorriso e se foi para a copa. Pensei com meus botões: esse meu companheiro é muito inocente e de pouca prática, ainda vai tomar uma tunda de um gringo forçudo desses aí. Como é de conhecimento público, os gringos são, no geral, muito ciosos com suas “bambinas”. Mas meu amigo estava absolutamente desvanecido com a mocinha e, num momento em que o chefe da festa bateu palmas, pediu silêncio, puxou uma oração, ele se aproximou e pediu licença para declamar uma poesia em honra da menina fazendo uma profunda mesura para ela, quase tocando o solo com a cabeça. Silêncio total, afinal era um promotor, aquele homem que é brabo, acusa as pessoas e manda para a cadeia.
Meu amigo declamou, de cor e salteado, um longo poema italiano, clássico, levantando o volume da voz ao final das frases e gesticulando como um espadachim. Ao final, num vibrato, deixou cair os braços, pendeu a cabeça sobre o peito e sussurrou para a menina: “ ti voglio bene assai”. Ao que o pai esperou serenarem as palmas e disse: “muinto lindo, pena que non entendemo niente”.
Corta para uma cidade pequena no centro do Estado, em que fiquei substituindo o juiz que entrara em férias.
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Eu estava no gabinete, despachando processos, quando entrou uma linda jovem, loira, alta, olhos azuis, aquele azul clarinho como era o dos olhos da minha mãe quando chorava. Perguntou-me se eu aceitava um cafezinho. Pelo seu sotaque era uma “coloninha” alemã. Eu sempre achei lindo esse jeito de falar que hoje quase não existe mais. Peguei a xícara e lhe disse: “Danke schön”. Ela, para meu estupor, me disse, com o cenho franzido: “eu tenho namorado”. Fiquei quieto como cachorro em canoa. Em boca fechada não entra mosca.
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