No próximo dia 13 acontece o segundo congresso internacional de mulheres gaiteiras. Mais do que um evento com instrumentistas do mundo todo, o congresso, que ocorrerá de forma online a partir da Colômbia, mostra que o interesse das mulheres pelo instrumento não é novo e redefine o conceito do feminino no tradicionalismo gaúcho.
Adriana de Los Santos é uma delas. Musicista e professora de gaita do projeto Escola de Gaiteiros, criado por Renato Borghetti, ela foi pioneira ao subir em um palco de bombacha e não de vestido de prenda, como manda o figurino. Ouviu críticas diversas por isso, mas não se rendeu. Seguiu com seu estilo, na companhia do instrumento que ama tocar e ensinar. “Até pouco tempo atrás se tinha a imagem de que, para uma mulher tocar gaita, teria que usar vestido de prenda. As regras do tradicionalismo são um pouco inflexíveis também”, afirma.
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Adriana revela que a opção surgiu na infância. A paixão pelo som, notas e floreios possíveis com o instrumento tornou-a professora reconhecida no Estado. Segundo ela, a decisão, muitas vezes, obriga a gaiteira a abrir mão de outras “funções” essencialmente femininas, como a maternidade. “Não existem hoje muitas gaiteiras profissionais, no entanto, qualquer mulher pode tocar gaita, basta querer.”
Hoje, nas turmas de alunos da Escola de Gaiteiros de Butiá, as gurias ainda são minoria, mas estão bem próximas, em percentual, dos meninos. Nas turmas da professora Adriana, 40% são moças e 60% rapazes. Ela acredita que o índice deve se igualar ou quem sabe até se inverter nas próximas décadas. “Esse movimento de incentivo às meninas, por meio da Escola de Gaiteiros, deverá criar novas gaiteiras profissionais em um futuro próximo”, comenta.
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Adriana é o Brasil
No congresso colombiano, Adriana participará como musicista, mostrando a sua habilidade em tirar notas e melodias do acordeom. Além disso, ela é uma das painelistas que irão debater sobre a figura da mulher gaiteira. O evento, que tem base na Colômbia, ocorrerá pela internet. Por causa da pandemia do novo coronavírus, o congresso de gaiteiras será conectado. A professora é a única participante brasileira na mostra internacional.
Tocar bem a gaita requer empenho
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A professora santa-cruzense Célia Carvalho tem 54 anos de vida, 36 deles na companhia da gaita. Ela conta que se interessou em tocar o instrumento aos 18 anos e desde então estuda e aprimora seus conhecimentos.
Mãe e patroa de CTG, Célia diz que não conseguiu atingir ainda o nível profissional. Esta é, segundo ela, uma meta a ser perseguida. “A gaita é um instrumento que exige prática. Quanto mais estuda e treina, melhor fica o gaiteiro.”
No caso da santa-cruzense, a opção pelos dois filhos e pela atuação no movimento tradicionalista colocou em segundo plano a carreira musical. Até hoje ela persegue o sonho de se especializar no instrumento. “Um dia eu irei retomar as aulas e vou ser uma gaiteira profissional”, planeja.
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Às gurias que desejam seguir carreira com o instrumento, Célia recomenda muita dedicação, pois a tarefa é desafiadora. Por ser um instrumento que exige empenho, priorizar o aprendizado precisa ser o caminho para quem pretende ser profissional.
E a dica vale para meninos e meninas. “Talvez se tenha menos gaiteiras porque nós, mulheres, nos colocamos muitas atividades no dia a dia. Fazemos muitas coisas na família, no mundo profissional, colocando de lado o aprendizado com o instrumento”, resume.
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Jeanette e Mary Terezinha marcaram época nos salões
Entre as mulheres gaúchas de maior expressão atrás de um acordeon, Jeanette Ferreira da Costa, que carregou o título de Rainha do Acordeon, e Mary Terezinha, grande amor de Teixeirinha, são os nomes mais representativos como gaiteiras no Estado.
Jeanette começou a tocar com 14 anos, ao lado do “rei da trova” Gildo de Freitas. Na década de 1960 fez dupla com Nelson, com quem tocou por 20 anos e gravou 22 discos. Morreu em Cruz Alta em 2017, aos 75 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória.
Mary Terezinha ficou famosa ao lado de Teixeirinha, com quem atuou em vários filmes e gravou discos nas décadas de 1960 a 1980. Depois da separação, a gaiteira seguiu em carreira-solo até hoje. Segundo o empresário de Mary Terezinha, um problema de coluna afastou-a dos palcos desde o ano passado. Aos 72 anos, recuperando-se de uma cirurgia, ela deu uma pausa na carreira, mas pretende voltar. De 1961 a 2013, Mary gravou 21 discos. Ao lado de Teixeirinha, ela participou de 12 filmes.
No passado
Os livros de história contam que, no período do Brasil Colônia, era comum era ver meninas e moças tocando acordeon. Por ser um instrumento com uma sonoridade ímpar, ele despertava o interesse das jovens nos séculos 16 e 17.
Famílias com posses pagavam aulas de piano para suas filhas mulheres. Famílias com menos recursos ensinavam as meninas a tocarem gaita. Ao longo dos anos, especialmente no Rio Grande do Sul, o instrumento caiu no gosto dos homens.
Por causa disso, alguns tradicionalistas chamam o acordeon de “cordeona”, para dar um nome mais feminino ao instrumento, no qual o músico passa a noite abraçado, animando fandangos. Acredita-se que o nome “gaita”, mais comum no Rio Grande do Sul, tenha vindo dessa paixão masculina pelo acordeon.
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