Quando eu era piá, gostava muito de pescar. Praticamente em todos os domingos, quase sempre com meu amigo Edgar, percorríamos as margens do pequeno riacho que atravessava duas ou três propriedades próximas. Era um filete de água mínimo que para nós se afigurava grande e até perigoso. Era mínimo, sim, mas jamais negou seu valioso líquido, mesmo nos mais rigorosos períodos de estiagem.
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Meus primeiros anzóis eram alfinetes dobrados, linha de costura, qualquer varinha como caniço. A isca era miolo amassado de pão de milho que, mal caído na água, se derretia. Era uma festa para os famintos peixinhos daquele modesto e inofensivo regato. Um pouco mais tarde, subi de nível, consegui alguns anzóis de verdade, comprados na venda, o grande supermercado do interior, que comprava porco, galinha, ovos e vendia farinha, tecido em metro e, é claro, anzóis.
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Meu universo de saber compreendia lambaris, cascudos, carutes, jundiás, magras joaninhas, algumas subnutridas e distraídas traíras, que, por ocasião das enchentes, saíam da rota e ficavam retidas nas valas do minúsculo arrozal que existia nas proximidades. E havia os muçuns. Protegidos em suas tocas, não resistiam à presença da insidiosa minhoca na entrada da sua gruta e abocanhavam a isca traiçoeira. Em geral, era o fim da pescaria, porque tirar aquele bicho do anzol era tarefa acima da capacidade do pescador. Pior que isso só quando uma incauta tartaruga engolia o anzol.
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Nunca ouvira falar em tainha, anchova, bagre, linguado, sardinha, camarão, garoupa, esse reino piscoso extenso, quase sem fim, que vive nas águas imensas dos oceanos e, aprendi mais tarde, alimenta milhões de pessoas mundo afora.
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Da primeira vez que fui à praia, lembro de placas anunciando que naquele restaurante, naquele bar serviam frutos do mar. Aí, minha cabeça se encheu de confusão. Como assim, frutos do mar? Eu conhecia bem bergamotas, laranjas, pêssegos, figos, peras, melancias, frutas saborosas, todas cultivadas, colhidas e consumidas ali mesmo, na terra livre de venenos, onde se produziam.
Por isso, fiquei intrigado, desconfiado e desafiado a descobrir como seriam cultivadas árvores frutíferas em pleno mar. Que frutas procederiam desse estranho e imenso pomar líquido e, pior ainda, totalmente salgado. Com orçamento reduzido e envergonhado pela ignorância, passei ao largo algumas vezes, até que um dia o firmamento se iluminou e passei a saber que aqueles frutos, que não eram frutas, provinham das profundezas e larguras do oceano sem fim.
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O universo dos frutos é bem maior do que o das frutas, isso fui aprender depois, quando comecei a enveredar pelo espantosamente lindo universo das palavras. Ao lado de fruto, o conceito de fruta é bem reduzido. Toda fruta é um fruto, mas nem todo fruto é uma fruta. O desenvolvimento de uma comunidade, por exemplo, pode ser fruto do trabalho, da dedicação das pessoas que nela vivem. Pode até aparecer algum fruto de uma aventura extraconjugal.
Ao ler sobre o assunto, percebi que inclusive botânicos conseguem aumentar a confusão. Para uns, uva e pêssego são frutos, não frutas. Até falam em pseudofrutos, incluindo entre eles o abacaxi e o figo. Fruta carrega consigo o caráter de doce e comestível. Fruto é muito mais amplo, podendo até ser uma saborosa tainha assada na brasa.
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