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Santa Cruz

Fraude na saúde: como agem os fantasmas do SUS

Após o pente-fino que freou, em 2015, o uso irregular do cartão SUS em Santa Cruz do Sul, o número de documentos volta a superar o número de habitantes no município. São os fantasmas da saúde.

Há três anos, antes de a Prefeitura apertar o cinto das emissões, a cidade contava com 125 mil habitantes e 170 mil cartões. Com a fiscalização, o número de cadastros baixou para 118 mil e a meta era que chegasse a 100 mil. Atualmente, conforme a mais recente estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santa Cruz tem 127.429 mil habitantes. O número de cartões SUS, no entanto, voltou a subir e já chega a 159.210 mil. 

Embora a lei federal que baliza o direito ao cartão SUS seja clara quanto à necessidade de residir no município para possuir o documento daquela localidade, é justamente na hora de comprovar o endereço que ocorrem as fraudes. Conforme a secretária municipal de Saúde, Renice Vaccari, uma das medidas para tentar barrar pessoas de outros municípios foi proibir a declaração de terceiros como comprovante de endereço. “Antes era necessário somente apresentar uma declaração assinada por terceiros de que o usuário possui domicílio em Santa Cruz. Agora é preciso ter, de fato, contas fixas no nome do solicitante”, informa. Mais fáceis de serem forjados, contudo, os contratos de aluguel, que também são aceitos, viraram os novos vilões da história. 

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São duas as situações mais comuns no caso de fraude nos acordos de locação. Em uma delas, a pessoa encontra um endereço aleatório pela cidade, monta um documento falso e registra em cartório. O outro esquema consiste em pedir para que um amigo ou familiar confeccione esse contrato, informando que a pessoa aluga um cômodo da residência. Como não existe um padrão para os contratos de locação, a única forma de comprovar a veracidade do documento é visitando o endereço, o que só acontece se houver algum tipo de suspeita ou denúncia.

Além de sobrecarregar o sistema de saúde do município, usuários de outras cidades que forjam documentos estão cometendo crime de falsidade ideológica e podem ser penalizados. Para Renice, é preciso que essas pessoas se sensibilizem sobre a gravidade do problema. “Não só quem está burlando o sistema, mas também quem ajuda na fraude precisa ter consciência. Mais cedo ou mais tarde essas pessoas vão precisar usar a rede pública e poderão ser prejudicadas com uma possível superlotação do serviço”, adverte.


Foto: Bruno Pedry

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O ALUGUEL-RELÂMPAGO

No início deste mês, uma moradora de outro município foi internada pelo SUS no Hospital Santa Cruz (HSC) com sintomas de pancreatite aguda. Ela foi atendida e recebeu tratamento. Ao ser informada que era preciso comprovar ser moradora de Santa Cruz – cada cidade tem seus hospitais de referência, dependendo da especialidade –, ela conseguiu providenciar, em 24 horas, um contrato de aluguel na cidade.

O argumento era o mesmo usado por outros fraudadores: aluga a casa de uma amiga. A falcatrua foi descoberta porque o marido da paciente, que providenciou o documento, registrou o acordo no cartório de Encruzilhada do Sul. E com data posterior à internação da esposa no HSC. O período de locação começava um dia depois de ela ter dado baixa no hospital. Ao constatar que as informações não fechavam, um servidor da Secretaria Municipal de Saúde foi ao endereço informado e encontrou o imóvel vazio.

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CASA TODA OU SÓ O QUARTO?

Outro caso que chamou atenção dos técnicos da Secretaria da Saúde foi o de uma paciente que solicitou a transferência do cartão SUS de sua cidade de origem para Santa Cruz. Na hora de encaminhar a papelada ela forneceu um endereço falso. Um fiscal da Prefeitura esteve no local três vezes e não encontrou a mulher e nem alguém que a conhecesse. Em seguida a mesma moradora apresentou um contrato de aluguel de uma casa em Linha João Alves.

Com isso, o cartão foi liberado. Em uma nova visita dos técnicos da secretaria, a paciente também não foi localizada. No entanto, os moradores alegaram que ela alugava apenas um cômodo da casa. O fiscal pediu então para conferir o espaço e teve o acesso negado. A paciente acabou sendo internada no Hospital Santa Cruz, onde passou por cirurgia de traumatologia. Na cidade de origem dela a fila por esse tipo de procedimento é maior que em Santa Cruz. Esse seria o argumento para ter falsificado os documentos para obter o cartão SUS.

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Saiba mais

– Cerca de 70 pessoas procuram a Central de Regulação e Agendamento todos os dias para fazer o Cartão SUS ou transferir de outro município para Santa Cruz do Sul. Destas, aproximadamente 20 não conseguem obter o documento por falta de comprovantes.

– A transferência é permitida sempre que alguém se muda para o município e só é feita mediante comprovantes de endereço fixo e demais documentos.

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– Para confeccionar ou alterar o Cartão SUS o usuário precisa apresentar a carteira de identidade ou certidão de nascimento (para crianças), CPF (para todos, incluindo recém-nascidos) e comprovante de residência (preferencialmente contas de água, luz, telefone, internet ou TV por assinatura). É preciso apresentar ainda o comprovante de matrícula escolar das crianças e certidão de casamento ou declaração de união estável. Outros documentos, como carnê de IPTU, por exemplo, podem ser solicitados.

– Não são aceitos como comprovantes de endereço: faturas de cartão de crédito, título de eleitor, conta de telefonia celular, declarações de terceiros ou de vínculo empregatício ou qualquer outro documento no qual o cidadão não declare moradia permanente. 

– Quando o usuário precisa do cartão com urgência, como no caso das gestantes, por exemplo, recebe um cartão provisório mesmo se não conseguir apresentar toda a documentação necessária naquele momento. O cartão provisório tem validade inicial de 30 dias, podendo chegar a 90. O cartão permanente só é liberado mediante a apresentação de todos os documentos solicitados e após visita do fiscal em casos de suspeitas de fraude.

 

PARA ENTENDER O PROBLEMA

Como o nome diz, o SUS não é um sistema único? Mesmo assim, preciso ter cartão para utilizar os serviços?

O SUS é nacional e garante atendimento a qualquer cidadão, mas há limitações. Caso você esteja viajando e passe mal, por exemplo, será atendido pelo SUS tendo ou não cartão, independente da cidade ou Estado de origem. São os chamados casos de urgência e emergência. Já no caso dos atendimentos eletivos, vale o local de registro do cartão SUS. Embora seja um sistema nacional, cada prefeitura gerencia o serviço de seus cidadãos. Consultas, exames e demais serviços oferecidos, bem como os medicamentos, variam de cidade para cidade. A portaria que regula o cartão SUS diz, na prática, que o cidadão precisa estar vinculado à unidade básica mais próxima da residência. Essa unidade é sua “porta de entrada” no SUS.

Por que os cartões fantasmas viraram um problema em Santa Cruz?

Como tem uma boa rede de atendimento pelo SUS, o município acaba atraindo usuários de localidades onde o serviço é precário. Isso acaba inchando o sistema, elevando o custo de manutenção e tornando os atendimentos mais demorados, em alguns casos. De tudo que a Prefeitura arrecada, cerca de 30% vai para a Saúde. Se Santa Cruz atendesse somente seus moradores, essa despesa seria menor e sobraria mais recursos para outros fins.

Esse problema tem solução?

A secretária de Saúde Renice Vaccari diz que não existe uma forma simples de barrar o uso irregular dos cartões, mas uma série de medidas vêm sendo adotadas para tentar solucionar o problema. Recentemente a Prefeitura pediu que os sindicatos enviassem a relação de associados. Com os dados foi possível cruzar as informações e identificar falhas. Usuários identificados como moradores de outros municípios, mesmo trabalhando em Santa Cruz, perderam o documento.

Está havendo mais rigor na liberação dos documentos em Santa Cruz?

Sim. Desde o início da semana, a Central de Regulação e Agendamento (antiga Casa), onde são feitos os cartões, passou a funcionar somente das 7h45 às 13h45. Com isso, o período da tarde é dedicado à verificação e atualização de cadastros e estão sendo cancelados de forma mais rápida os cartões de pessoas que já morreram, por exemplo.

Quantas pessoas trabalham na fiscalização das informações?

Atualmente apenas um servidor vai às ruas conferir as possíveis suspeitas de fraude. A expectativa é que nos próximos dias o serviço ganhe o reforço de mais um fiscal. Quando identificadas, as irregularidades são encaminhadas ao Ministério Público. O cidadão pode fazer denúncias pelo WhatsApp da Prefeitura: 9 8443 0312. 

Qual seria o número “ideal” de cartões?

A Prefeitura pretende equilibrar ao máximo o número de cartões com o número de habitantes, segundo as estimativas do IBGE. Mas admite que a tarefa é quase impossível. 

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