Se o índice assusta o governo federal e políticos aliados, a pouco mais de seis meses da eleição, imagina para a população em que a inflação real, maior que a oficial, pesa no bolso. Quem frequenta supermercados para comprar os itens essenciais do dia a dia ou entra num posto de gasolina para abastecer o carro ou a moto, percebe que os aumentos de preços estão muito acima dos índices oficiais de inflação. O fato é que o brasileiro gasta cada vez mais e leva menos itens para casa.
A explicação para a diferença entre o índice oficial e a inflação real que cada pessoa ou família sente no bolso é muito simples, embora questionável. O Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) avalia a variação de preços para as famílias de um até 40 salários mínimos, levando em conta o preço de 377 itens, divididos em nove grupos, com peso específico para cada um deles no cálculo do índice geral. A forte alta de alguns produtos, principalmente de alimentação e combustíveis, não se manifestou em todo no índice oficial porque outros itens da cesta que compõem o IPCA não aumentaram – ou até diminuíram de preço.
É preocupante que dos 377 itens que compõem a inflação oficial do Brasil, 282 (74,8%) subiram de preço em fevereiro. Esses números revelam um grande espalhamento da inflação na economia brasileira que, em fevereiro, atingiu a todas as faixas de renda. Se servir de consolo, a inflação está subindo em todo mundo. O fator comum para todos os países foi, primeiramente, a gigantesca quantidade de dinheiro injetada nas economias, pelos respectivos bancos centrais, no início da pandemia do coronavírus; depois, “a crise dos contêineres”, provocada pelas interrupções nas entregas de mercadorias, represadas pela diminuição ou parada de atividades, durante a pandemia, e que geraram custos adicionais; e, mais recentemente, as tensões decorrentes das ameaças de guerra e as sanções econômicas impostas à Rússia pela invasão da Ucrânia.
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Desde 2015, não se via um índice de inflação acima de 10%. É um número distante, ainda, da época da hiperinflação, nas décadas de 1980 e 1990, compensada em parte pela atualização periódica de rendas e salários. A inflação alta desorganiza toda a economia e, principalmente, empobrece a população. Nos últimos três anos, perdemos 21% do poder de compra, conforme o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômica (Fipe), Guilherme Moreira. No dia a dia, a inflação alta afeta os investimentos, torna as tarifas mais caras, joga o valor do combustível nas alturas, aumenta os preços dos supermercados, etc.
É claro que o aumento de preços é percebido de forma desigual pelas famílias, dependendo da proporção do orçamento que cada uma destina para comprar diferentes produtos, com maior ou menor aumento. O problema é que os itens que sofreram altas exorbitantes são justamente os de alimentação, que representam os maiores gastos para as famílias mais pobres. Essas famílias usam por volta de 30% dos ganhos em alimentos.
O mercado de trabalho brasileiro já enfrentava tendência de aumento da informalidade e do emprego temporário, com a perda de qualidade do emprego e menor remuneração. Além disso, a combinação de desemprego elevado, atividade econômica morna e disparada da inflação tornaram piores as condições para as negociações de reajuste salarial em 2021. No ano passado, os trabalhadores completaram três anos sem ganho real; alguns segmentos de funcionários públicos estão há cinco anos sem reajuste. A situação é ainda pior para trabalhadores informais, que não têm salário fixo, por mínimo que seja. Uma faxineira, por exemplo, mesmo com o aumento de preço dos gêneros de primeira necessidade, não consegue repassar esse custo, quando não é obrigada a reduzir o valor do trabalho sob pena de perder o cliente.
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Cruel para a população em geral, mas mais ainda para os trabalhadores e desempregados, a inflação tem sido grande aliada do Tesouro Nacional e dos governos estaduais e municipais. Mesmo com os negócios em marcha lenta, o aumento de preços, com a consequente base de cálculo de impostos, tem proporcionado o crescimento da arrecadação, numa demonstração de que a inflação dá lucro para os governos. Mas, embora haja ganho maior na arrecadação com a inflação, há custos também: o crescimento do estoque da dívida interna do país e o custo político.
Por isso, da parte do governo federal, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) procura estancar a escalada da inflação, aumentando os juros básicos para 11,75% ao ano. O objetivo é tornar o crédito mais caro e, com isso, fazer os consumidores diminuírem as compras, o que forçaria os fornecedores a reduzirem os preços. Por enquanto, essa prática não tem dado certo, gerando questionamentos como o do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP), Fábio de Salles Meirelles, que acha que “os juros altos têm o efeito de uma bomba de fragmentação contra o agro, atingindo todos os seus segmentos simultaneamente”.
A presente crise econômica e financeira – que não se sabe quando nem como vai terminar – pode servir de alerta pela forma como o consumidor vem conduzindo as finanças. Por viver no automático, simplesmente recebendo o salário e pagando contas, esquece ou não se preocupa em rever gastos. Não se trata só de pesquisar preços, anotar os valores gastos, mas, sim, analisar os gastos. Isso pode ser feito por meio de apontamento de despesas, no qual se registra todos os gastos diários, por item. Ao fim de um mês, é possível verificar desperdícios, com compras desnecessárias. Uma simples olhada na despensa pode mostrar uma má gestão dos estoques, com produtos vencidos, estragados ou esquecidos.
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É isso que pretende a educação financeira: ir além das finanças pessoais que se restringe a questões técnicas e começar a observar o comportamento do consumidor. O que pode ser feito imediatamente para aumentar o poder de compra é examinar cada item dos gastos, identificando a inflação invisível que ele carrega e o que é desperdiçado em excessos de água, luz, mercado, roupas, sapatos, uso do carro ou da moto, do ônibus, do aplicativo etc. Aquela história de gastar por gastar parece que, pelo menos por enquanto, ficou no passado.
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