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Francisco Teloeken: “A dor do pagamento”

Nesses dias, em um grupo de WhattsApp de aposentados, o assunto comentado eram as formas de pagamento e transferências de dinheiro. Alguém se disse “digitalizado” porque só usa, em suas transações financeiras, o Pix; outro, que prefere pagar pequenos valores com dinheiro em espécie, mostrou-se incomodado, principalmente nas feiras rurais, porque tem que aguardar, com o dinheiro na mão, para pagar suas compras até que clientes que estão na sua frente consigam efetuar suas transações pelo Pix, nem sempre de forma “amigável”, pelas dificuldades de acessar o app, de operar a ferramenta ou de lembrar da senha.

Muitos usam o cartão de débito e crédito, as transferências online e tem, também, quem ainda usa o cheque, principalmente para pagamento de valores maiores. Com relação ao Pix, o Banco Central informou que, apenas a última sexta-feira, 7, o volume diário de transações feitas pelo Pix, sistema de pagamentos contínuo e em tempo real do BC, atingiu novo recorde de 206,8 milhões de operações em um único dia. “Os números são mais uma demonstração da importância do Pix como infraestrutura digital pública, para a promoção da inclusão financeira, da inovação e da concorrência na prestação de serviços de pagamentos no Brasil”, disse em nota o BC.

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Outro dado que saiu na semana passada é que, conforme pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, em maio deste ano, 78,8% das famílias estavam com alguma dívida; dessas, 28,6% estavam inadimplentes, quer dizer, com dívidas em atraso. O maior segmento de dívidas era com o cartão de crédito, representando 86,9% das dívidas; em bem menos percentuais, os carnês (16,2%) e o crédito pessoal (9,8%). Talvez por já estar caindo em desuso, o cheque especial representa apenas 3,9% das dívidas. O que essas informações aleatórias, aparentemente desconectadas – ferramentas de pagamento e crescimento das dívidas das famílias – poderiam mostrar?

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Talvez a resposta esteja numa matéria da agência de notícias Blomberg-Brasil, de 10 de fevereiro de 2020, com o título “As pessoas mais felizes do mundo têm um problema de dívida”. O Banco Central da Finlândia constatou que, nas duas últimas décadas, o endividamento das famílias finlandesas simplesmente dobrou. A causa do endividamento dos finlandeses seria o desaparecimento do dinheiro em espécie.

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Em 2018, mais de 80% das operações foram feitas com cartões, celulares e outros meios de pagamento digitais. Isso criou uma nova realidade que obscureceu a percepção de muitas pessoas sobre o dinheiro. As pessoas passaram a ter dificuldade em saber onde gastaram o dinheiro, quanto terão no final do mês e quanto podem pedir emprestado.

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Essa situação finlandesa se repete, ainda não com tanta força, em outros países, inclusive no Brasil. Já se sabia que uma das grandes armadilhas dos cartões, por exemplo, raramente percebidas e pouco estudadas, é mascarar o ato de gastar. Ao pagar com o cartão – inclusive de débito – ou mesmo o pix, não se tem a mesma sensação psicológica de gasto de quando se retira o dinheiro em espécie da carteira.

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Pagar com dinheiro ou cartão – ou outro meio eletrônico qualquer – não deveria fazer qualquer diferença. Mas, faz. Todos estão familiarizados com algum tipo de dor, seja física ou emocional: desde dores mais suportáveis como a picada de abelha, queimadura com água ou panela quente, tropeço em algum objeto, passando por dores crônicas pelo corpo, até chegar nas frustrações sentimentais. Enfim, as possibilidades são inúmeras.

Mas, existe uma dor da qual raramente nos damos conta. É a dor do pagamento que sentimos quando temos que nos separar do dinheiro. Não se trata de teoria. Usando imagens cerebrais por ressonância magnética, estudos mostraram que o ato de pagar estimula as mesmas regiões do cérebro envolvidas no processamento da dor física. Aliás, qualquer preço, principalmente quando mais alto, estimula esse mesmo mecanismo cerebral com maior intensidade.

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Na dor do pagamento deveríamos fazer a mesma coisa. Mas, em vez de acabar com a dor do pagamento, usamos serviços financeiros – como cartões de crédito, carteiras digitais e o débito automático – que apenas tratam do sintoma (a dor), mas não a doença em si (o pagamento). A força psicológica dos cartões de crédito e de outros meios eletrônicos de pagamento está, justamente, no fato de separar o momento em que consumimos daquele em que pagamos.

Além de ser mais fácil do que pegar a carteira, conferir quanto dinheiro tem, retirar uma ou mais notas, contar e, se for o caso, esperar o troco, pagar alguma coisa com o cartão de crédito evita a dor do pagamento. Sem burocracia, sem ter que pensar, como podemos entender o que está acontecendo? O mesmo vale para os débitos automáticos em que prestações e contas de água, luz, telefone, condomínio, etc., são descontadas do saldo em nossa conta do banco, sem nos darmos conta. Sem dor nenhuma.

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É isso que já levou os consumidores finlandeses, embora as pessoas mais felizes do mundo, conforme pesquisa da ONU, a se endividarem de forma assustadora. Com a introdução de cada vez mais ferramentas de pagamento – na China, o pagamento já pode ser feito com a simples leitura da palma da mão, não havendo necessidade de cartão, celular, etc – parece inevitável, num futuro não muito distante, o desaparecimento do dinheiro físico.

Então, ao ter que usar ferramentas digitais para fazer pagamentos, sem sentir a dor do dinheiro que sai da conta, o que pode levar ao endividamento inconsciente, a solução está na conscientização e na educação do comportamento financeiro. É fundamental aprender a reconhecer e controlar os impulsos de consumo que as facilidades de pagamento proporcionam, desenvolvendo hábitos saudáveis de planejamento financeiro e tomada de decisões.

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