Eram 22 horas da terça-feira quando a cachorrinha Cacauzinho, que é considerada um membro da família de Lurdes Rodrigues de Conto, começou a latir de forma descontrolada, como se quisesse avisar que algo acontecia. A intenção da yorkshire não foi em vão. Ao verificar o que ela alertava, Lurdes percebeu que a água havia invadido a casa na Rua Daltro Filho, no centro de Roca Sales. Lurdes mora há 54 anos nesse endereço e nunca viu a água do Rio Taquari entrar em sua residência. Nesta semana, superou 1,5 metro, o que pode ser percebido nas marcas nas paredes de sua casa e nas dos vizinhos.
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No feriado de 7 de setembro, ela e demais familiares fizeram a operação limpeza. Nas calçadas, restos de móveis, roupas e boa parte da história da família. “Se a Cacauzinho não tivesse nos acordado, poderíamos ter morrido”, recorda Lurdes, que conseguiu retirar documentos da residência e pessoais. Não bastasse a água ocupar as casas e carregar tudo o que tinha pela frente, naquela noite a energia apagou-se. Eles ficaram dentro de um carro vendo a correnteza assustar vizinhos e gerar uma onda de destruição aos roca-salenses.
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Lurdes ainda retirava a lama de dentro da moradia com a dor e a sensação de não entender o que havia acontecido. O mesmo sentimento foi dividido por Jaime Volken. Morador de uma via mais próxima do Rio Taquari, estava acostumado com as cheias. Para ajudar os vizinhos, por ter uma casa com dois andares, ajudava a levar os móveis dos outros para a sua. Não foi o suficiente.
A correnteza invadiu o ambiente e destruiu o que havia pela frente. Com sótão, conseguiu subir e aguardar por socorro. Ouviu vizinhos próximos arrombavam o forro para conseguir subir aos telhados, na esperança de sobreviver. Os gritos de socorro foram recorrentes na noite de terça-feira, sobretudo, a partir do término do fornecimento de energia elétrica.
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No centro de Roca Sales, moradores estavam no telhado quando a luz se apagou. Vizinhos ouviram clamores por ajuda seguidos de um estrondo. A correnteza vinha com força, fazendo com que uma casa batesse na outra e a derrubasse, levando a estrutura, que conta a história de vida de muita gente, assim como aqueles que aguardavam por ajuda.
A inviabilidade de socorrer aqueles que gritavam na noite transformou-se em força para arrecadar mantimentos, água, colchões, fraldas e roupas de cama para quem perdeu tudo. Ginásios de esportes foram tomados pela sensibilidade de gaúchos e empresas que uniram esforços para encaminhar as doações.
O trânsito nos acessos de Roca Sales e Muçum, a partir da ERS-130 e da 129, ficou dificultado. Órgãos de segurança montaram barreiras para permitir que apenas aqueles que foram ajudar e levar doações acessassem. A intenção era evitar curiosos, que vão assistir à situação dos locais devastados. Esse mecanismo de controle deve ser intensificado nesta sexta. Os municípios que formam o epicentro da catástrofe desta semana, por ora, precisam de mão de obra para auxiliar na limpeza e recuperação.
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De acordo com o secretário da Administração e coordenador da Defesa Civil de Roca Sales, Silvinho Zart, na segunda-feira chegou a informação de que havia chovido muito no Norte do Estado. “Começamos a monitorar e a subida foi muito rápida. Chegou a superar 2,3 metros por hora. Deu tempo para passarmos pelas ruas chamando as pessoas para deixarem suas casas. Tivemos óbitos e isso é muito triste”, resume. A água atingiu, em ambos os municípios que formam o epicentro da catástrofe, áreas que não costumam ser afetadas pelas cheias.
Enquanto as pessoas viam toda a história das suas vidas transformada em lama e destroços, não faltaram exemplos de solidariedade. O coordenador da Defesa Civil e secretário da Administração de Roca Sales, Silvinho Zart, ressalta que será preciso ajuda para reconstruir a cidade. “Está destruída. As pessoas sobreviveram passando a noite nos telhados das casas, os bombeiros tiveram difícil acesso, helicópteros tiveram um dia de resgate para salvar as pessoas”, ressalta. Ontem, municípios vizinhos encaminharam maquinário e equipes médicas para auxiliar. Roca ficou sem farmácias, nem lojas, nem mercados.
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Casos de quem teve conhecimento da situação e mobilizou-se podiam ser vistos a toda hora pelas ruas. Como os três irmãos de Arroio do Meio, Adenir Pedro Lanius, Gabriela e Patrícia. Não pensaram duas vezes. “Sabemos que, em Arroio do Meio, também houve muito dano, mas lá tem mais gente para ajudar, então, viemos”, explicou. Em uma casa à margem do rio, eles auxiliaram os moradores a retirar a lama, verificar o prejuízo e avaliar o que é necessário para restabelecer a normalidade, se é que é possível essa condição.
De Cacequi, a cerca de 380 quilômetros de Roca Sales, o grupo de Bombeiros Voluntários partiu para ajudar. Pablo Amaral, um dos integrantes, diz que chegaram na quarta-feira e ainda não haviam dormido até o início da tarde dessa quinta. “Chegamos aqui também sem saber muito sobre como é a cidade, mas passamos a atuar e estamos em todas as frentes”, conta.
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Enquanto muitos moradores e voluntários, como os bombeiros de Cacequi, retiravam lama, escombros e móveis totalmente destruídos, um grupo de seis pessoas de São Domingos do Sul distribuiu sanduíches e água. Com bandejas cheias de alimentos, as amigas Emanuele Lunkes e Suelen Moreti perguntavam quem precisava de um reforço para continuar a trabalhar.
Não foram poucos os casos de voluntários levando alimentos, prontos ou por fazer, água, agasalhos e roupas de cama. Exemplo são os grupos de escoteiros Marista São Luís e Maclaren, de Santa Cruz do Sul. Luciano Luz Pedroso conta que viram os chamados, alguns ficaram no Vale do Rio Pardo fazendo a retaguarda, enquanto outros foram para Roca Sales, onde se colocaram à disposição para atuar em todas as frentes. “O que vimos, ao chegar aqui, foi impressionante. O mais próximo disso que temos ciência são os casos de Brumadinho e Mariana [cidades mineiras que tiveram rompimentos de barragem]”, salientou.
Pessoas da Serra Gaúcha, do Litoral, da Fonteira, do Sul do Estado e de todas as partes do Rio Grande fizeram a população do Vale do Taquari se multiplicar com o sentimento de solidariedade.
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