Em atividade de rotina, o funcionário municipal Nelson Rodrigues, da Central de Serviços, deparou-se em sala de arquivos com caixa de papel cujo conteúdo desconhecia. Abriu-a e, para sua surpresa, deparou-se com dezenas de fotos impressas, de diferentes épocas, mas claramente mais antigas, de autoria desconhecida. Consultando esse acervo, reconheceu imagens colhidas em diferentes situações, de paisagens, atos públicos, trabalhos em execução e muitas fotos de ambientes abertos. Algumas destas, uma vez que mais antigas, sem dúvida haviam sido tiradas durante sobrevoos do espaço urbano.
Descortina-se para a pessoa uma cidade que, tendo ficado para sempre no passado, é, no entanto, a base a partir da qual a Santa Cruz do Sul de hoje surgiu. Rodrigues, ciente de que teria em mãos um acervo que mereceria ser preservado, encaminhou a caixa com as fotos à equipe de Comunicação Social da Prefeitura, no Palacinho da Praça da Bandeira. E a partir de lá haverá definição sobre o arquivo dessas fotos de época, valiosas porque, além das aéreas, fixam para a posteridade inúmeros outros atos e recortes do contexto urbano de Santa Cruz.
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Por gesto de gentileza da equipe de Comunicação da Prefeitura, na pessoa do jornalista Tiago Rech, a Gazeta do Sul teve acesso a algumas das fotos, fez uma seleção e, depois de digitalizadas, as compartilha nesta edição. Nas duas fotos desta página, na margem superior, dois olhares sobre a Praça Getúlio Vargas, a Catedral e seu entorno, provavelmente dos anos 60 ou 70, a levar-se em conta o porte da alameda de tipuanas ao longo da Marechal Floriano e as demais árvores na praça. Na página ao lado, nas duas fotos superiores, dois registros, no eixo de Norte para Sul, um preto-e-branco e outro colorido, do centro da cidade.
Convidamos os arquitetos e professores universitários Ronaldo Wink e Luiz Carlos Schneider a, com base em seus conhecimentos, tecerem considerações sobre os elementos arquitetônicos, paisagísticos ou urbanísticos identificáveis nas imagens. A eles, pela receptividade ao convite, agradecemos.
Um achado inesperado nos arquivos da Prefeitura nos revela uma Santa Cruz que nem todos reconhecem. Nas duas imagens acima, datadas do final da década de 1960, destaca-se a nossa principal praça. Muitos nomes lhe foram atribuídos ao longo dos anos, tais como Praça de São Pedro (1854) e Praça 15 de novembro (1890), até chegar ao nome atual em 1930, ou seja, Praça Getúlio Vargas.
Já constando no traçado quadriculado original da futura cidade, idealizada em 1854 pelo capitão Francisco Cândido Castro de Menezes, por muitas décadas foi apenas um descampado onde eram deixados os cavalos daqueles que vinham à missa na igreja matriz de São João Batista. A partir dos anos 1920, foi aos poucos sendo urbanizada com a implantação de alamedas e canteiros, tendo o antigo quiosque sextavado de madeira como o elemento central do quarteirão.
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Como vizinha próxima, a praça acompanhou a epopeia da construção da nova igreja, ocorrida entre os anos de 1928 e 1939 e para a qual serve de esplanada, bem como de local de lazer e contemplação à população. Constituindo-se no marco central da cidade, forma juntamente com a Catedral um espaço único, perfeita conjunção entre arquitetura e urbanismo.
Com o passar dos anos, recebeu um traçado clássico, unindo as quatro esquinas ao centro, onde encontramos seu belo chafariz. Um novo quiosque passou a ser erguido em etapas a partir do final dos anos 1940 na esquina da rua principal com a Júlio de Castilhos. Sendo assim, tornou-se a sala de estar da cidade e logo foi ladeada por importantes prédios institucionais e comerciais.
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Nas faces dos quarteirões ao seu redor foram instalados, ainda na segunda metade do século 19, os colégios das irmãs Franciscanas e dos padres Jesuítas, respectivamente hoje a Faculdade Dom Alberto e o Colégio Marista. Muitos estabelecimentos comerciais também ali se fixaram, como a Casa Mailaender e a Exportadora Hennig, que ocupavam toda a face sul do quarteirão lindeiro; o Hotel Hübner (atual Banco do Brasil), o Banco do Comércio (atual Banco Santander), a Loja Fritz Rech (atual Edificio J.H. Santos), a sorveteria Polo Norte (atual Lojas Pompéia) e o Banco Pelotense (atual Casa das Artes Regina Simonis), entre tantos outros.
Dos anos 1960 até hoje muitas coisas mudaram, novos prédios surgiram, mirando as alturas, e também muitos estabelecimentos trocaram de donos e funções. Contudo, com suas árvores centenárias, brinquedos infantis e tradicionais bancos, equipamentos estes que já proporcionam abrigo, lazer e descanso a várias gerações, a praça continua lá, impávida ao crescente burburinho urbano que a rodeia, cumprindo sua função original de ser um oásis de beleza e calma no centro da cidade.
As fotos acima apresentam muitas das marcas da paisagem histórica e cultural de Santa Cruz do Sul. Na fotografia 1 pode-se perceber claramente a topografia natural do sítio e os limites das áreas urbanizadas. Em seu conjunto, a cidade tem o predomínio de edificações de baixa altura, com até dois pavimentos, e diferentes usos. Em destaque, aparece o eixo da Rua Marechal Floriano no sentido norte-sul, onde se percebe o início da verticalização ocorrida nos anos 60 e 70. A Rua Marechal Floriano, historicamente conhecida como rua “principal” da cidade, confunde-se, neste momento histórico, com a própria imagem de um “centro” urbano. Ir para o “centro” significava também estar na “rua principal” ou em suas proximidades imediatas. Isso porque a via constituiu-se como um polo que agrega também os mais importantes marcos da cidade de Santa Cruz do Sul. Nesse sentido, é possível perceber na fotografia a ampla visibilidade da Catedral e da praça Getúlio Vargas até a Praça da Bandeira e o Monumento ao Imigrante.
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O eixo da via principal, além dos marcos, é composto também por espaços de concentração das atividades comerciais e de prestação de serviços, bem como de educação, lazer e recreação. A presença de clubes sociais, como Sociedade Aliança Católica, Sociedade Recreativa Ginástica, Clube União e Clube Corinthians, ocorre alinhada ao longo da via assim como educandários reconhecidos, como Colégio Sagrado Coração de Jesus, Colégio São Luís e Colégio Mauá. É uma parte significativa da paisagem funcional urbana.
Para além disso, a imagem da cidade e da sua paisagem simbólica e institucional é representada, por exemplo, por cartões-postais que divulgam os marcos, tanto individualmente quanto em termos de conjunto dos espaços, como no caso da Rua Marechal Floriano. Nesse momento histórico, a cidade é reconhecida como a “Capital do Fumo”.
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Na fotografia 2, pode-se perceber nitidamente a configuração do traçado ortogonal projetado por Martin Buff na metade do século 19. No centro da imagem, e na diagonal central, aparece a Rua Tenente Coronel Brito, paralela à rua principal apresentada anteriormente na figura 1. O traçado ortogonal e a configuração dos tipos de lotes privilegiam a visibilidade das esquinas e dos centros de quadra. Muitos dos principais marcos do patrimônio localizados na área central urbana localizam-se em esquinas ou mesmo centros de quadra. O próprio projeto paisagístico das duas praças tem nas suas esquinas e centros das quadras uma força geratriz do seu desenho, criando caminhos diagonais que se ligam e se cruzam no centro do espaço. Na Praça Getúlio Vargas, o centro da quadra é composto por um chafariz; já na Praça da Bandeira, pela localização da Prefeitura Municipal.
Nesta fotografia 2, pode-se perceber também que a paisagem funcional do centro urbano se compõe de edificações de uso e ocupação mista. Residências de diferentes tipologias convivem com usos comerciais, de serviços e também industriais, estes em menor escala. A configuração das quadras que apresenta lotes estreitos e profundos gerou, basicamente, dois tipos de edificações residenciais: as residências com testada sem recuo frontal e construídas no alinhamento do passeio público; as que apresentam recuo frontal com jardins.
Pode-se ver também que os centros das quadras apresentavam muita vegetação, sendo comum a existência de pomares com árvores frutíferas e jardins associados às práticas culturais da casa. De maneira similar, é possível observar o cuidado com a arborização viária urbana, composta, principalmente, por espécimes de tipuanas, jacarandás, legustres e extremosas. Esta última, pela quantidade e características estéticas, passou a estar associada como “árvore-símbolo” na paisagem urbana.
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