No centro de Sinimbu, a uma quadra da Igreja Nossa Senhora da Glória, há uma casa térrea na esquina da Rua Bernardo Fuerstenau. Lá, ao longo de 36 anos, viveram a cirurgiã-dentista Nara Regina Bock, 73 anos, e os filhos Carlos e André.
Nascida em Santana da Boa Vista (na época, interior de Caçapava do Sul), mudou-se ainda criança para Pelotas com os pais – Elcy Baptista Figueiredo e Aurino Machado Figueiredo – e os nove irmãos. Já formada em odontologia, casou-se com o médico Raul Bock e decidiram mudar-se para Sinimbu.
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Apesar de não viverem mais na mesma cidade, Nara não se afastou dos familiares em Pelotas. Quando não viajava para rever irmãos e sobrinhos, recebia-os em sua residência. As visitas eram mais comuns durante as férias de verão.
E, entre os sobrinhos que frequentaram a morada de Nara, estava Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite, filho caçula de sua irmã, Rosa Eliana de Figueiredo. Apelidado pelos familiares de Dudu (ou Duduzinho), mais tarde seria conhecido pelos gaúchos como Eduardo Leite, atual governador do Rio Grande do Sul.
Durante a década de 1990, ao longo da infância e adolescência, o líder do Executivo gaúcho viajou frequentemente para Sinimbu na época do recesso escolar para aproveitar os pontos turísticos e as paisagens naturais do município.
Na infância, o hoje governador costumava visitar o município
Considerada a quarta cidade mais populosa do Rio Grande do Sul, e a 13ª da Região Sul de acordo com o último Censo Demográfico, Pelotas foi o destino da família Figueiredo na época em que Nara e os irmãos ainda eram crianças. A mãe, Elcy, estava determinada a garantir aos filhos a oportunidade de cursar o ensino superior, apesar de sua família não aprovar a mudança. Vivendo no interior de Caçapava do Sul, sonhava em estudar em uma universidade, mas acabou concluindo apenas até o antigo segundo grau. Dos dez filhos, oito se formaram antes da matriarca falecer, aos 53 anos.
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“Minha mãe foi uma guerreira”, recordou Nara. “Éramos uma família grande, passamos por muitas dificuldades, precisamos nos ajudar muito. Mas conseguimos, e foi uma vitória muito grande para ela.”
Enquanto Nara estudava Odontologia na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), a irmã Rosa Eliane seguiu para o Direito. Após se formar, foi convidada a trabalhar em um escritório de advocacia, a convite de José Luís Marasco Cavalheiro Leite.
Encantaram-se um pelo outro e acabaram ficando juntos. Da relação, nasceram três filhos: Gabriel, de 45 anos, Ricardo, 42, e Eduardo, 38.
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Enquanto o trio ainda era criança, o casal viajava frequentemente para visitar a família de Nara em Sinimbu. “Íamos muito, sempre foi um lugar muito agradável. E os guris gostavam muito”, relembrou o pai de Eduardo.
Mais do que um momento de reencontro com os parentes, era uma oportunidade de as crianças se afastarem temporariamente da rotina agitada da grande Pelotas e vivenciarem o cotidiano e as belezas naturais da pequena e pacata Sinimbu, separados por uma distância de 310 quilômetros.
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Longe das inseguranças do centro urbano, as crianças podiam passear de bicicleta pelas ruas, pouco movimentadas, e tinham autonomia para explorar a cidade sem o monitoramento dos pais. “Todos eles gostavam da ideia de estarem por aí livres, leves e soltos”, contou Nara.
Embora os encontros familiares dos Figueiredos fossem tradicionalmente em Pelotas, os momentos em Sinimbu foram marcantes.
As aventuras do primos Figueiredo no verão
Os filhos de Nara, Carlos e André, eram os guias para Eduardo e os parentes de Pelotas. Não faltavam as brincadeiras pelas ruas, com direito a esconde-esconde e correria pela Praça do Monumento ao Imigrante. “Eram sempre muito criativas”, recordou a prima Marina Figueiredo, 40 anos. À noite, iam à piz-zaria sem os adultos.
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Em uma das visitas, Eduardo e os demais se entretiveram em uma pinguela. “Eu tinha muito medo de atravessar, mas os guris se aventuraram sem temor”, contou Marasco.
Certa vez acamparam nos fundos do Grêmio Desportivo de Sinimbu. Montaram as barracas e ficaram lá durante o dia. Porém, ao entardecer, a turma de Pelotas preferiu trocar o campo pelo conforto da casa da tia Nara. “Acabaram desistindo de passar a noite lá”, disse André.
Aventuravam-se de bicicleta para conhecer o interior de Sinimbu e nadar no rio Pardinho. “Era a principal atração”, afirmou o pai do governador. Quando era calor, caminhavam com pressa para entrar logo na água e não queimar os pés. Mesmo sem a supervisão de adultos, respeitavam o rio. Porém, uma brincadeira virou um momento de desespero.
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Depois de uma enchente de grandes proporções no município, André e seus amigos – acompanhados de Marina e Eduardo, ainda crianças – decidiram ir até o rio. Foram até uma área onde havia uma pedra alta, usada pelos banhistas para pular dentro da água.
Enquanto brincavam para ver quem teria coragem de saltar, Marina levou a sério e adentrou, para o desespero da turma.
“Ela simplesmente foi levada pela correnteza”, recordou o hoje empresário André, que pulou atrás dela. Eduardo acompanhou a cena aos gritos, enquanto corria pela beirada do rio. Conseguiram tirá-la quase meio quilômetro depois. “Entramos em casa escondidos para ninguém saber que estávamos molhados”, afirmou. Decidiram manter segredo sobre o susto e revelaram 20 anos depois. “Não iria ter castigo, mas com certeza teria uma reunião bem longa e explicativa sobre os aspectos e os riscos do rio.”
Missão de vida com o apoio da família
Com o passar dos anos, as idas de Eduardo Leite a Sinimbu diminuíram à medida que sua carreira política ascendia. Mais velho, passou a frequentar com os primos a Oktoberfest em Santa Cruz do Sul e também não perdia uma festa de aniversário do primo André. “Tenho muita saudades da época em que o Eduardo não tinha a sua agenda política tão agitada”, afirmou.
No entanto, apesar da rotina agitada, a relação entre o governador e os primos continua. Possuem a tradição de se reunirem anualmente para viajar, passando por Ilhabela (SP), Praia dos Ingleses (SC), Tramandaí e Cassino. “Sempre que pode, o Eduardo participa”, afirmou André.
Enquanto aguardam por mais uma visita de Leite a Sinimbu, eles acompanham sua atuação. Durante o segundo turno das eleições, o então candidato a governador convidou a família de Nara para ir até o edifício onde mora, em Porto Alegre, para acompanhar a apuração dos votos.
Em meio a diversos líderes políticos, assessores e membros do partido, os parentes ficaram próximos aos pais. “A Nana [apelido da mãe do Eduardo] estava apreensiva, sentada assistindo. Mesmo quando a apuração já tinha passado de 70% dos votos válidos, ela disse que só ia celebrar quando encerrasse”, lembrou Nara.
André e o padrasto, José Gaspar Hermes, seguiram para a festa da vitória com o primo, enquanto Nara e a irmã ficaram no apartamento. “Foi como se estivesse assistindo ali, bem na minha frente, uma parte da história do Rio Grande do Sul acontecendo”, comentou André.
As consequências da vida política provocam uma certa apreensão nos familiares, principalmente diante da polarização. No entanto, por conhecerem o seu caráter, determinação e foco, sabem que ele resiste.
Um certo dia, Nara foi para Pelotas visitar a família. Eduardo ainda era candidato. Apreensiva, aproveitou um momento em que estavam sozinhos para fazer uma pergunta ao sobrinho. “Você tem certeza que é isso que tu quer para a tua vida?”
Convicto de sua decisão, Eduardo olhou para a tia e respondeu. “A vida me levou para esse lado, e eu acredito que essa é a minha missão de vida.”
Gosto pela política vem da infância
Entre os primos da família Figueiredo, o Dudu era um dos mais jovens. A idade, no entanto, não o intimidava na hora de acompanhar os mais velhos. “Ele sempre foi participativo, nunca foi deixado de lado, dava ideias do que poderíamos fazer”, afirmou André.
Desde cedo, Eduardo tinha um perfil apaziguador, característica presente na sua trajetória profissional. “Quando havia algum desentendimento na hora de decidir qual seria a brincadeira, ele achava um meio-termo para agradar todo mundo”, afirmou.
Mas também era bastante determinado quando precisava. Em uma viagem à praia com a família, quando ainda era bem pequeno, foi ao quarto dos pais pedir pelo café da manhã. “Quero meu leite”, clamou a criança, despertando os adultos. Marasco pediu calma e assegurou que já iria se levantar para buscar.
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Após esperar mais um tempo, voltou à porta do cômodo. “Eu já disse que quero meu leite”, exclamou, finalmente sendo atendido. “Uma certa tendência autoritária”, brincou o pai, aos risos. “Ele se sentiu injuriado, ficou quase uma hora esperando a primeira refeição e foi lá buscar os seus direitos.”
O interesse pela política surgiu muito cedo. Filho de uma cientista política e um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de Pelotas, Eduardo chamou a atenção dos parentes por seus entusiasmo precoce pelo assunto.
“A TV Senado era o Big Brother do Eduardo”, afirmou André. “O que tinha de mais emocionante para ele era isso. E o que não entendia, perguntava para o pai sobre os temas debatidos pelos políticos.”
Com o passar do tempo, os familiares passaram a se acostumar com o seu entretenimento peculiar. E, quando decidiu concorrer a vereador pela primeira vez, aos 19 anos, recebeu o apoio da família.
Desde então, os tios e primos se tornaram seus principais cabos eleitorais e acompanham sua carreira. “Já houve momentos em que eu questionei ações do Eduardo”, ponderou André, “porém, só aconteceu antes de ouvi-lo. Depois, saía convencido de que sua decisão foi a melhor a ser feita.”
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