Entre Linha Salto do Rio Pardinho e Linha Almeida, no interior do município de Sinimbu, está um dos maiores legados da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) para a região. Em 231,39 hectares da encosta dos morros, nenhuma motosserra entra. Nenhum trator pode arar e ninguém interfere na vida natural.
Naquele espaço, que já estava 50% degradado, foi instituída há 15 anos a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com a doação dos recursos por parte da Souza Cruz. Banhada pela queda d’água do Salto do Rio Pardinho, a RPPN é hoje a ponte entre a vida sustentável e a necessidade de repensar a atitude humana com relação ao meio onde se vive.
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A recuperação que já é perceptível a olho nu
Quando foi adquirida pela Unisc, a área onde existe hoje a RPPN pertencia a 13 produtores rurais. Por conta do uso para o plantio de tabaco e outras culturas de subsistência, quase a metade do espaço estava degradada. No lugar das frondosas araucárias, campos arados e quase nada de mata nativa.
Hoje o espaço está praticamente recuperado. Bastaram apenas 15 anos para que arbustos cobrissem as áreas devastadas e a vida seguisse seu curso natural. “Esta é uma área que também é mais fácil de preservar. Ela está na encosta da serra, semelhante ao Rio de Janeiro. Por conta disso, a recuperação também se torna mais rápida”, observa o doutor em Biologia Andreas Köhler.
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SANTUÁRIO DE ANIMAIS SILVESTRES
Por ser uma região de mata fechada, a RPPN da Unisc concentra uma grande diversidade de espécies animais. Comum é ver, nas trilhas de estudo do local, diferentes tipos de serpentes, aranhas caranguejeiras gordinhas – por causa da oferta de insetos e alimentos na área –, assim como aves, das mais raras às mais comuns na região.
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Em 2014, o Clube de Observadores de Aves de Porto Alegre realizou um levantamento na reserva. O estudo, que foi realizado em setembro daquele ano, identificou mais de cem espécies, dentre elas o tesoura-cinzenta, o sabiá-cica e o limpa-folha-míudo, todas espécies que são nativas da Mata Atlântica brasileira, encontradas do Sul da Bahia até o Rio Grande do Sul.
Na época, o grupo de 15 observadores produziu centenas de fotografias. O fotógrafo Gilberto Müller fez vários registros, parte deles publicada em uma rede social da RPPN da Unisc e reproduzida no Portal Gaz.
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O tripé conservação, educação e pesquisa
O doutor em Biologia Andreas Köhler, professor da Unisc, avalia a relevância da reserva sob três aspectos diferentes: a conservação, a educação ambiental e a pesquisa científica acadêmica. O tripé tenta explicar, aos olhos leigos, por que a RPPN é um espaço totalmente diferenciado de outros destinados à conservação ambiental. Não se trata apenas de cuidar, mas de ensinar e multiplicar o conhecimento.
“No âmbito da conservação, a RPPN é uma área que ainda preserva a característica original da Mata Atlântica de encosta. Não existem mais muitas áreas como essa no País”, afirma Köhler. A decisão de preservar carrega consigo o segundo tópico que define a reserva. Sob o viés da educação ambiental, a Unisc contribui para a difusão do conhecimento sobre o cuidado com a natureza e as posturas que se tornam necessárias no mundo contemporâneo. O ser humano não é parte isolada da natureza, pertence ao conjunto de seres e depende da preservação para viver. “O terceiro ponto é a possibilidade da pesquisa científica. Muitos trabalhos acadêmicos utilizaram como laboratório a RPPN. Esse conjunto todo que faz dela um espaço muito especial”, avalia o doutor em Biologia.
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Assim como a natureza se adapta, recria e transforma, o uso da RPPN, ao longo dos anos, também vai se modificando. O espaço que já serviu a incontáveis estudos e expedições de alunos também há de ser lar de animais silvestres resgatados. Com a instalação do Hospital Veterinário, o curso de Medicina Veterinária da Unisc irá atender também animais silvestres salvos após terem sido maltratados ou aprisionados de maneira irregular.
Após passar por cuidados médicos, esses bichos serão levados à RPPN, para adaptarem-se à vida natural novamente. “Nesse sentido, a reserva assumirá uma nova função, por conta do tamanho da área e da riqueza que ela concentra”, projeta o professor.
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Difícil de chegar, melhor para preservar
Chegar à RPPN da Unisc é uma missão. Distante 50 quilômetros de Santa Cruz do Sul, a reserva fica a 26 quilômetros do Centro de Sinimbu, por uma estrada de chão batido, pedras soltas e riscos iminentes para os mais peritos motoristas.
O caminho leva quase duas horas, em virtude da necessidade de pisar de leve no acelerador. Caminho difícil, porém, de lindas paisagens. A partir do Centro de Sinimbu, o Rio Pardinho faz companhia, margeando à direita o trajeto até o Salto.
A guia da reportagem da Gazeta do Sul é Andréia Ulinoski Pereira, engenheira ambiental da Associação Pró-Ensino de Santa Cruz do Sul (Apesc). A Apesc é a mantenedora da Unisc e a responsável legal pela reserva. “A reserva é da Unisc, mas a universidade não pode fazer nada com ela. Nós iremos passar, a universidade pode se transformar, mas a RPPN precisa ser eterna, é como uma herança”, afirmou Andréia.
Conforme a engenheira ambiental, a dificuldade em chegar é também uma qualidade necessária à preservação. O fato de a reserva ser de difícil acesso e o fechamento à visitação devido à pandemia são situações que contribuem para a recuperação do local. No momento, não estão sendo realizadas visitas guiadas ao local. Para mostrar a RPPN, a reportagem da Gazeta do Sul recebeu uma autorização especial da universidade.
ESCOLHIDA A DEDO
O coordenador da Assessoria Jurídica da Unisc, Eltor Breunig, acompanhou de perto a negociação para aquisição e regularização da área. Segundo ele, no dia em que foram assinadas as escrituras, um ônibus partiu lotado para levar os produtores ao cartório. “A Souza Cruz procurou a Unisc para fazer a doação. Na época, foi contratada uma imobiliária para fazer a pesquisa das áreas de possível compra, para constituição da RPPN”, recorda Breunig.
O coordenador explica que a área particular de preservação da RPPN é única entre as universidades do Rio Grande do Sul. O espaço onde fico o salto – a cachoeira que tem quatro quedas d’água e cerca de 7 metros de altura – é o ponto de partida para o interior da reserva. Parte da área da cascata pertence a Sinimbu.
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Ao todo, existem mais de 20 propriedades que são lindeiras à reserva. A reitora da Unisc, professora Carmen Lúcia de Lima Helfer, define a RPPN como um espaço relevante, destinado à conservação da natureza. “Além disso, é caracterizada por cenários de notável beleza, como o Salto do Rio Pardinho. É uma das maiores RPPNs do Rio Grande do Sul e contribui para a conservação da Mata Atlântica, sendo um refúgio para diversas espécies características desse bioma”, salientou.
Carmen Lúcia explica que a aquisição da área e a sua consolidação como Unidade de Conservação, reconhecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), já possibilitou o desenvolvimento de muitas atividades de pesquisa, ensino e extensão, que resultaram em publicações relevantes acerca da fauna e da flora da região. “Esse espaço demonstra que a Unisc sempre buscou aliar, em seus projetos, desenvolvimento com responsabilidade ambiental”, complementou.
A RPPN é eterna
A legislação que cria uma Reserva Particular de Preservação Ambiental determina que, a partir de sua instalação, no caso da reserva da Unisc, legalmente instituída desde 18 de março de 2009, ninguém mais pode movimentar, comercializar ou explorar a área para outro fim que não seja a preservação.
Por ser um bem que é de toda a população, a Unisc está isenta do Imposto Sobre Propriedade Territorial Rural (ITR). A universidade tem possibilidades de cooperação com entidades privadas e públicas na proteção, gestão e manejo da RPPN.
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