Em um local cercado pelo verde da mata e ao som das aves, vivem 12 famílias do povo Guarani. A comunidade indígena Tekoá Ka’aguy Poty (em português, Aldeia Flor da Mata), localizada em Linha Somavilla, no interior de Estrela Velha, na região Centro-Serra, conta hoje com 45 integrantes. São adultos, jovens e crianças, além do futuro da aldeia, no ventre de algumas mulheres. A mais experiente é a matriarca Catarina Duarte, de 73 anos. Ela é mãe do cacique João Paulo Acosta, de 49, liderança referência dentro da aldeia e no contato também com o povo não indígena.
A vida dessa comunidade junto à região é relativamente recente. Conforme Acosta, foi em 2001 que algumas famílias Guarani se mudaram da aldeia na qual viviam, em uma área demarcada localizada entre Caraá e Maquiné, para continuar suas histórias em uma terra nova. Há pouco mais de duas décadas desembarcaram próximo de onde residem atualmente, em uma comunidade chamada de Vila Pedra Lisa.
LEIA TAMBÉM: Ministras dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial tomam posse
Publicidade
Por causa do difícil acesso, permaneceram por pouco tempo, até se deslocarem para Linha Somavilla. “Na época, surgiu esse local para doar aos indígenas, também em São Miguel das Missões e mais um lugar de interior. Esses três lugares estavam disponíveis para entrarmos, e por isso pedimos ao Estado para conseguirmos vir para cá”, conta o cacique.
No início, relata que houve certo estranhamento e maior dificuldade de contato. Agora, possuem uma boa relação e percebem respeito à cultura do povo Guarani. “Éramos cerca de 30 pessoas, hoje somos 45. Minha mãe é quem comanda. Nós somos sete filhos. Eu assumi oficialmente como cacique quando vim pra cá, em 2001, após meu pai falecer. Eu auxiliava ele e era, como considero, o vice-cacique”, detalha, acrescentando que sua visão como líder é a de que é preciso respeitar o povo para ser respeitado. “Quando surge algum projeto, uma ideia aqui na aldeia, converso com todos. É preciso decidir em conjunto.”
LEIA TAMBÉM: Comunidades e povos tradicionais foi tema da redação do Enem 2022
Publicidade
O cacique mora com a esposa Martina e os filhos João Gabriel, de 7 anos, que gosta de acompanhá-lo e seguir seus passos; Lucimara, de 3 anos, e Naiara, de 13 anos. Ele também possui cinco filhos do casamento anterior.
Os moradores da aldeia têm no artesanato a principal fonte de renda, e alguns membros trabalham na safra em propriedades da região. São poucos os que possuem vínculo empregatício fixo. “A sustentabilidade da aldeia está no artesanato, que é levado para ser vendido em outros municípios, como Santa Cruz do Sul, Cruz Alta e Sobradinho”, afirma. As peças são feitas com materiais encontrados na natureza.
LEIA TAMBÉM: Câmara dos Deputados tem quatro parlamentares indígenas
Publicidade
Do início dos anos 2000 para cá, as principais mudanças na aldeia dizem respeito ao uso de energia elétrica, tecnologias e escolas. “Onde morávamos antes era só trilha, duas horas de viagem subindo, não tinha como ter energia. Aqui já tinha rede elétrica quando chegamos, e em relação às casas mudou um pouco também”, afirma Acosta.
Com a chegada da eletricidade dentro das aldeias, o cacique se questiona sobre as mudanças. “Na minha visão, mudou para pior. Antigamente, pela história contada pelo meu pai, a gente vivia sem luz, somente com vela com cera de mel de abelha. Era tudo produzido dentro da aldeia. Hoje, que tem luz, por exemplo, por conta de relacionamentos em redes sociais se conhece pessoas de outros estados, países, tudo pela tela, e logo termina. De um lado se leva muito a sério, mas sem se conhecer de fato, e por aí acontecem algumas tragédias com jovens. Então, nesse sentido, vejo que a energia não traz bem para alguém. Mas, no momento em que você entrou na aldeia, precisa decidir de que forma vai usar. Penso que o pai, a família deve permitir ter um celular até certo ponto”, afirma Acosta.
LEIA TAMBÉM: Estado cria cotas para trans e indígenas em concursos públicos
Publicidade
Para além da energia elétrica, que modificou o cotidiano da aldeia com a utilização de eletrodomésticos e eletroeletrônicos, hoje os smartphones estão ao alcance de todos. “A internet e o computador temos há cerca de três anos. Está por chegar mais, para usarmos de forma comunitária. Tenho celular desde quando vim para cá. Uma coisa importante é que temos contato hoje com vários estados e outros países, enfim, onde tiver o povo Guarani, e já sabemos o que está acontecendo em outra aldeia distante daqui”, salienta Acosta. Dessa forma, ele acredita que a tecnologia tem seus lados negativo e positivo. “É preciso saber usar de forma correta, não passar dos limites.”
Estar em comunidade, dividindo um mesmo espaço, é a forma como o cacique aprendeu a viver. Até pouco tempo, as muitas atividades eram realizadas em conjunto. “Agora é tudo mais programado. Antes fazíamos as refeições todos juntos diariamente, mesmo assim continuamos nos ajudando, compartilhando. Isso já é nosso costume e realidade”, diz.
Entre os costumes mantidos estão os alimentos tradicionais nas refeições, como peixes, mandioca e milho, base também para criação de galinhas. Ainda o artesanato, que é tradição e fonte de renda; a música e grupos de dança, como o de dança de guerra; a pintura corporal, que hoje mantém-se para momentos especiais, como quando recebem visitas; a língua Mbya Guarani, que é a oficial na comunidade; os chás usados como primeiros medicamentos; a religiosidade e, ainda, a luta por direitos.
Publicidade
LEIA TAMBÉM: Em 10 anos, lei de cotas leva 20% mais pretos, pardos e indígenas às universidades brasileiras
A fé em Deus, segundo João Paulo Acosta, é muito presente. “A religião é importante. Temos a casa de reza onde pedimos para Deus iluminar, dar a bênção para que nada de mal aconteça conosco. Deus pode fazer de tudo”, ressalta.
O espaço em que funciona a escola é o centro da aldeia, onde são promovidas reuniões. É lá que são recebidas visitas, autoridades e outras entidades para compartilhar um pouco das vivências, como ocorre no Dia dos Povos Indígenas. “Esse dia lembra a destruição por um lado, mas também simboliza que o povo indígena continua aqui, com fortalecimento. Alguns neste momento podem comemorar, outros podem lembrar da tragédia, dos desafios”, salienta o líder indígena.
LEIA TAMBÉM: FOTOS: soldados do 7º BIB recebem boina preta em atividade alusiva ao Dia do Exército
As crianças passam a frequentar a escola “tradicional” apenas quando chegam à quinta série. Antes elas são alfabetizadas no centro comunitário da aldeia, onde o professor é um membro local e ensina no idioma Mbya Guarani. Elas têm contato com a língua portuguesa, mas aprendem a dominá-la somente quando ingressam na escola da rede pública.
Gostam muito de jogar futebol e participam de torneios e da Olimpíada Rural, além de aprender a confeccionar os artesanatos. “É muito legal ver as crianças crescendo aqui. Tomara que levem para o lado positivo. Alguém tem que levar a nossa história, lutar para nossa história não acabar, pelo menos reconhecer nossos direitos. Isso aí não pode terminar e não vai, porque temos vários povos indígenas lutando”, destaca o cacique.
LEIA TAMBÉM: Moradores do Várzea reclamam da falta de água
LEIA AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS NO PORTAL GAZ
Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!
This website uses cookies.