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Fora de pauta: inversões

Eu não consigo compreender que tipo de prazer sádico certas pessoas tiram de fazer julgamentos em redes sociais. Qualquer notícia que relate um acidente ou até mesmo um assassinato é seguida de comentários em que juízes de coisa nenhuma, abraçados a uma há muito vencida lei de Talião, apontam o culpado e já lhe impingem a pena: uma surra, a prisão e, às vezes, até a morte. Sim, porque uma violência sempre justifica a outra e uma morte violenta pressupõe a próxima até que as lágrimas sejam secas pela extinção dos olhos. E, em geral, a avidez por julgar é diretamente proporcional à ignorância sobre o caso.

Tivemos recentemente, na área central de Santa Cruz do Sul, um triste acidente em que um motociclista morreu. Também nesse caso vi acontecer algo que me tira do sério. Um dos comentários que li a respeito dizia que aqueles que conduzem motocicletas, ainda mais em dias de chuva, nunca devem ultrapassar a velocidade de 30 quilômetros por hora. Alguém que muito provavelmente não sabia nada sobre o ocorrido e acredito que sequer tivesse lido a reportagem a respeito, colocava a vítima como culpada do acidente que tirou dela a vida.

Me incomoda que isso seja tão comum. Quase todo acidente que envolve moto suscita esse tipo de comentário. E esta ideia tosca de que o motociclista, por ser mais frágil, é quem precisa evitar os acidentes vai contra um dos princípios mais básicos da convivência no trânsito, uma daquelas coisas que a gente aprende nos anos iniciais do Ensino Fundamental e ouve repetidamente nas aulas para tirar a carteira: quanto maior e mais perigosa a arma que você dirige, maior a sua responsabilidade com os que estão em situação menos segura.

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Soube recentemente de um movimento, em Santa Cruz, pelo aumento do limite de velocidade na RSC-287. Me chamou a atenção um dos argumentos utilizados: há quem defenda que os motoristas devem ser autorizados a andar mais rápido, porque a maioria deles não respeita os atuais limites. Ora, por essa lógica, as drogas deviam estar há muito legalizadas e vários semáforos do Centro de Santa Cruz deviam estar desativados.

Aliás, na onda de um discurso completamente sem sentido sobre multas de trânsito terem caráter arrecadatório, o governo federal restringiu o trabalho das polícias rodoviárias. Desde 1º de novembro, os policiais têm menos possibilidade de fiscalizar o excesso de velocidade, uma das principais causas de acidentes e especialmente de ocorrências com mortes nas rodovias. Na mesma direção errada, o governo propôs o aumento do número de infrações que um motorista pode cometer, antes de perder, temporariamente, o direito de dirigir. São duas medidas que, óbvia e indiscutivelmente, reduzem a segurança e aumentam a impunidade no trânsito do País. Mas, então, pergunto: quem as defende? A quem elas beneficiam? Só há uma resposta: infratores, gente que não respeita regras e leis.

Encerro com um relato de uma lição importante sobre minha profissão, que aprendi já fora das salas da universidade. Eu retornara para a redação do jornal onde atuava na época, vindo da cobertura de um acidente grave na BR-386: uma colisão traseira, entre dois caminhões, na qual um homem morreu. No local, colhi um relato contundente: um dos motoristas envolvidos dizia que uma melhor sinalização sobre a interrupção do trânsito, para obras, teria evitado o acidente, que aconteceu em um trecho de longo declive, logo após uma curva.

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Na reunião de pauta, repassei ao editor esse relato e disse que acreditava que merecia destaque na matéria. Foi então que um colega disse: mas como a culpa do acidente é da sinalização, se só um, entre todos os motoristas que trafegavam pela rodovia, não conseguiu frear em tempo?

TI

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