Há um mês não abraço minha mãe. Pelos meus cálculos, a última vez foi no dia 15 de março. Uma quadra é a distância que separa nossas casas e o caminho é percorrido com frequência quando não há pandemia. Agora, porém, os contatos físicos se tornaram raros. O inimigo invisível faz com que minhas visitas ao lar da dona Regia sejam quase burocráticas, para levar alguma compra do mercado ou buscar alguma encomenda. Sem toques, sem sentar no sofá e até os cumprimentos pelo cotovelo evitamos.
Nas duas últimas vezes em que estive lá, fui de máscara. Antes que perguntem sobre a saúde da minha mãe, ela vai muito bem (ainda bem!). A Reginha, como é carinhosamente chamada pelos quatro filhos, tem boa alimentação, vida ativa, se exercita com frequência (muito mais do que eu), pratica meditação (agora online), enfim. Aposentada, permanece uma mulher cheia de energia. Mas como pertence ao grupo de risco pela idade, a grande missão dela nesses próximos tempos é ficar em casa. E eu, como saio para trabalhar, já que as notícias não param, nas mínimas vezes em que a vejo, redobro cuidados com higiene e uso máscara, mesmo que seja para passar três minutos no mesmo ambiente.
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Tudo isso não tem sido fácil para mim. A Páscoa, no último domingo, teve que ser em novo formato: cada um no seu canto. Só fui até minha mãe para entregar – devidamente protegida – o almoço que fizemos para ela. Acostumada a passar a data com a casa cheia, dessa vez teve que ficar sozinha. Estamos com uma rotina regular de chamadas de vídeo, o que ajuda, um pouco, a conviver com a distância física. É quando a gente vê um olhar afetuoso e imagina que equivale a um abraço apertado. Saudade de abraçar.
Nessa semana, minha mãe confessou que, ao mexer em algumas caixas antigas, encontrou cartões feitos por mim para ela, fotos dos filhos quando crianças e que sentiu vontade de chorar. Pois eu também confesso que já chorei pensando nela nesses últimos dias. Temos uma relação muito próxima e não estou acostumada a essa pausa na convivência. O bom é que ela já me ensinou, desde pequena, um segredo para quando bate uma tristeza. Lembro das manhãs de domingo de um período mais desafiador em nossas vidas e de um ritual que ela fazia para limpar a alma. Deixava o choro vir, mesmo que escondida da gente. E após o tempo necessário para extravasar os sentimentos, colocava a música Vai passar, do Chico Buarque, bem alto na sala. Fazia daquelas estrofes a sua cura e acreditava com força que dias melhores viriam. Tenho feito o mesmo na minha sala.
Por outro lado, sei que essa dor não é só minha, mas de muitas famílias pelo mundo. A diferença é que para algumas – dentre as quais a minha – a maior dificuldade é justamente a distância física de quem se ama. Na verdade, somos até privilegiados. Afinal, há outras tantas que vivem uma realidade muito mais dura. Essa semana, em questão de cinco minutos, chegaram duas mensagens à Rádio Gazeta de moradores aqui do município. Um pedia comida, pois não tem dinheiro para comprar. Outra pedia fraldas para os netos, já que os pais das crianças estão desempregados. Histórias parecidas com essas existem por toda a parte e não só em tempos de pandemia.
Porém, agora, agravam-se.
Por isso que, mais do que nunca, precisamos pensar no coletivo. Se há condições de ajudar, que assim seja feito. A Prefeitura está com uma central que recebe alimentos e itens de higiene e limpeza. Nas maiores redes de supermercados, foram colocadas caixas que também recebem doações. Há ainda grupos independentes que estão comprometidos em fazer esse trabalho de chegar onde há fome. Precisamos nos unir, agir pelo próximo e acreditar que, como minha mãe e o Chico ensinaram, tudo isso vai passar.
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