São 20 horas de uma quinta-feira, mas a escuridão da noite não esconde a movimentação frenética de um homem que corre de um lado para o outro no meio da Rua Borges de Medeiros. De um lado, ele ajuda um motorista a manobrar. Do outro, recebe um trocado. Faz tudo isso ao mesmo tempo em que fica de olho em uma vaga para o próximo carro que surgir na esquina. Essa é a rotina de Valdomiro Soares, um dos flanelinhas que atuam na área central de Santa Cruz do Sul, principalmente à noite, a partir do meio da semana.
Mesmo após mais de três anos e meio da aprovação da Lei Municipal Nº 6.521, que proíbe a atividade de guardador de carros, os flanelinhas ainda atuam na cidade. Desde 28 de março de 2012, cabe somente ao poder público a exploração do estacionamento pago de veículos nas ruas. Conforme o autor do projeto, vereador Francisco Carlos Smidt (PTB), o Carlão, a ideia surgiu porque os motoristas se sentiam ameaçados caso não dessem a gorjeta. “Os flanelinhas deixavam o motorista constrangido, além de impedirem o direito de ir e vir do cidadão”, explica.
Smidt acredita, no entanto, que a lei surtiu efeito, pois ele não vê guardadores nas ruas na mesma proporção que via na época. “Nos últimos dois anos, não ouvi nenhuma reclamação a respeito. Acredito que isso seja reflexo da lei”, avalia.
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Os santa-cruzenses, por sua vez, já se acostumaram a encontrar flanelinhas pedindo para cuidar dos carros estacionados, sobretudo à noite. Mas nem todos concordam com sua atuação. O corretor comercial Omero Müller, 41 anos, é um dos condutores que pagam por receio de voltar e encontrar danos no veículo.
Para Müller, a abordagem dos guardadores deveria ser outra. Observa que, quando a quantia que lhes é dada não agrada, isso gera ameaças implícitas. “Já presenciei flanelinhas tendo uma postura totalmente ofensiva com um motorista. Eles deveriam nos abordar dizendo que vão cuidar do veículo e, caso o condutor ache necessário, pode pagar pelo trabalho”, opina. O corretor acredita que, se a abordagem fosse feita dessa forma, a cada dez pessoas, oito dariam gorjeta.
Já o professor de História, Geografia e Sociologia Raul Luttjohann, 62 anos, acredita que existe preconceito em relação aos flanelinhas. “Se tu estás saindo para jantar, por exemplo, não custa dar gorjeta em troca do trabalho dele.” Mas observa que se a atividade fosse legalizada, como o Rapidinho, a situação seria proveitosa para todas as partes. “Saberíamos para quem reclamar.”
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Guardadores não estão preocupados com a fiscalização
Trabalhando há 12 anos na Rua Borges de Medeiros, o flanelinha Valdomiro Soares, de 25 anos, passa a impressão de ter vínculo empregatício com alguma empresa próxima – segundo relatos, justamente por estar há tantos anos naquela área. No entanto, ele nega. “Só recebo gorjeta. E só dá quem quer, ninguém é obrigado a pagar”, afirma.
Mesmo tendo conhecimento da lei que proíbe esse tipo de trabalho, Soares não se mostra preocupado com a fiscalização. Ele avalia que, por não estar fazendo nada errado – “roubando ou matando” –, tem direito de trabalhar ali. “Existem alguns que roubam e agem com desrespeito ao abordar os motoristas, mas eu não. O mais importante é trabalhar bem e sempre respeitar o motorista, e vice-versa”, diz.
Além disso, Soares acredita que, como atua há muito tempo no mesmo local, as pessoas já depositaram uma certa confiança nele. “Tem alguns que logo que acham uma vaga, já fazem um sinal para eu ir ajudar e receber”, ressalta. Ele trabalha de terça-feira a sábado, das 19 às 23 horas, e tira cerca de R$ 150,00 por noite. O valor que recebe, assim como a renda mensal, é variável. Porém, afirma que dá para se sustentar sem se preocupar no fim do mês. “Teve um episódio em que um motorista me deu R$ 100,00.”
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Uma quadra acima, também na Rua Borges de Medeiros, há outro flanelinha, que preferiu ter sua identidade preservada. Ele está há poucos meses no local e conta ter combinado com os donos de alguns estabelecimentos que ficaria ali para ajudar os clientes a acharem vagas, mesmo sem ganhar nada em troca, apenas as gorjetas. A atividade, contudo, continua sendo ilegal.
O guardador, que trabalha de quinta-feira a sábado das 19 horas à meia-noite, também não demonstra medo da fiscalização. Explica que se encontra ali porque o mercado de trabalho está difícil na cidade, principalmente para quem, como ele, não tem carteira profissional. No momento, porém, está reunindo todos os documentos necessários para buscar emprego. “Mas como eu já tive problemas na Justiça, ninguém acredita que mudei”, lamenta. O flanelinha mora sozinho, mas para poder ajudar o filho de 15 e a filha de 7 anos, trabalha durante o dia com materiais recicláveis.
O que diz a Prefeitura
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Conforme o diretor de Segurança e Cidadania da Secretaria de Segurança, Cidadania, Relações Comunitárias e Esporte, tenente-coronel Carlos Eduardo Guterres Coelho, desde o surgimento da lei, a pasta não recebeu nenhuma denúncia contra flanelinhas. Ele diz que, caso alguém se sinta explorado por guardadores, deve registrar ocorrência na polícia. Depois, fica a cargo da Guarda Municipal proceder à remoção dos que exploram indevidamente a atividade prevista na lei.