Seu Eleutério se criou na Fazenda Santa Izabel. Era bisneto do seu José Lisboa, que adquiriu várias quadras de sesmaria de campo.
E a fazenda foi crescendo. À medida que os donos iam falecendo, eram sepultados num lugar, não longe das casas, no alto de um cerro.
Acontece que alguns descendentes não se interessaram em permanecer na estância. Ou porque tinham se formado médicos, engenheiros, ou algum não dera para nada. Seu Eleutério foi sentindo a pua pelo chacoalhar dos anos. Tinha só filhas mulheres. O único homem falecera num desastre quando ia conhecer as praias de mar.
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As filhas casaram-se com homens que queriam distância de barro e de bosta de vaca. Elas mesmas, quando iam visitar o pai já viúvo, prometiam ficar para pousar, mas que nada. Não pegava bem celular e a TV era puro chuvisco.
Certo dia, seu Eleutério pegou sua caminhonete e se foi para o povo. Chovia, não dava para lidar com o gado.
Almoçou, tomou uns tragos e sentiu saudade de um aconchego.Foi onde havia umas gurias faceiras e se sentiu muito feliz, pois a percanta que dele se aprochegou se admirou que ele, com a melena tordilha, ainda estivesse tão guapo. Pois seu Eleutério decidiu pernoitar na cidade.
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Viu como era tudo fácil, quando faltava luz, a cidade era atendida primeiro, não como “pra fora”, que fica por último. Foi lá na Veterinária Tio Chico, sentou sobre um mochinho com pelego e ficou charlando. Até que um amigo lhe disse:
– Eleutério, deixa dessa lida. Arrenda teu campo, vende o gado e vem para a cidade. A ideia o perseguiu como sarna em cusco.
No fim, decidiu arrendar e morar na cidade. Sucede que uma filha lhe pediu sua parte na futura herança, pois queria uma casa na praia. Outra, um “ajutório” para comprar um apartamento maior.
Ele já providenciara deixar pronto seu jazigo, lá no cemitério da fazenda. De repente, só um ano depois, andava bebendo demais, não resistiu. As filhas acorreram, deram-lhe sepultura na fazenda e, como pedira, pilchado. Alguns amigos e parentes não puderam vir porque a estrada estava embarrada. Duas das netas tinham viagem marcada para a Disney, as pobrezinhas.
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Passada uma semana, as filhas negociaram com o arrendatário, um gringo vermelhão que usava calças lisas e boné de posto de gasolina e lhe venderam todo o campo.
O gringo franqueou o acesso de quem quisesse visitar os jazigos. No primeiro Dia de Finados veio uma filha, deu uma faxinada meio tapeada no túmulo e deixou umas flores de plástico. São mais práticas e não murcham, disse ela.
Nunca mais veio ninguém. Já se passam dez anos. O novo dono mudou a sede, mais moderna, para outro local. A do seu Eleutério virou tapera. O cemitério foi tomado pelo mato. Seu Eleutério foi esquecido.
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Agora, na noite de Finados, “diz que” ao menos os pirilampos lhe acendem uma vela. “Diz que”…
(Texto redigido com alguns termos da região pampeana do RS)
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