Polícia

Filhos desabafam: “Ele tirou de nós o nosso tesouro, tirou uma parte do nosso coração”

Já eram 17h30 da última sexta-feira. Aninha, de 12 anos, aguardava a avó na frente da Escola Goiás. O ritual era sagrado. Heide Juçara Priebe, de 63, saía da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde (13ª CRS), onde trabalhava na regulação de leitos hospitalares, e ia buscar a única neta para levar para casa. Pelas 17h10, havia deixado o serviço na Rua Júlio de Castilhos para pegar seu Ford Ka vermelho na Travessa Tenente Barbosa, via próxima, onde estacionava e não precisava pagar Rapidinho. Mas ela não chegou até o carro, e naquele fim de tarde a neta ficou aguardando mais do que esperava.

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Quem buscou Ana, já quando estava escuro, foi a mãe Aline Juçara Fetzer, de 43 anos. Naquele momento, a menina soube que sua amada avó estava lutando pela vida, na UTI do Hospital Santa Cruz (HSC). Havia levado tiros na cabeça e no braço, disparados pelo ex-namorado Servo Tomé da Rosa, de 69 anos, e estava passando por uma cirurgia. Por volta das 22 horas da mesma sexta, foi confirmado que Heide não tinha sobrevivido. O autor do assassinato foi preso.

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Depois de atendido no HSC, após tentar suicídio, foi conduzido ao presídio. Mas a dor pela perda que Aninha, sua mãe Aline, os outros filhos da vítima, pais, irmão e incontáveis amigos e colegas de trabalho sentem permanece todos os dias, desde que ela se foi. Na tarde dessa quarta-feira, 13, Aline, Franklin Elimar Fetzer, 40 anos, e Jean Carlos Fetzer, de 33, conversaram com a Gazeta do Sul.

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Os filhos de Heide revelaram detalhes sobre os meses que antecederam a tragédia na família e como os indícios do comportamento de Servo já assustavam a mãe. Isso fez com que terminasse o relacionamento e registrasse um boletim de ocorrência contra ele, dias antes do assassinato. “Eles estiveram juntos por três anos. Ambos moravam no Condomínio Terra Nova Moradas, no Bairro Pedreira, e ele sempre foi considerado um homem que ajudava os vizinhos de condomínio com serviços de pedreiro. Auxiliava uma mulher que era amiga da nossa mãe, que estava doente, e que ela visitava. De lá, surgiu esse romance”, contou Franklin. “Teve episódios bons, eles foram felizes por um tempo, iam a jantares e festas, ele foi participando da nossa família e se mostrava uma pessoa normal, que tinha cuidados com ela. Minha mãe parecia feliz. Mal sabíamos que naquela época passamos a acolher um psicopata em nossa casa”, complementou o filho de Heide.

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Quando o assassino mora na casa ao lado

O comportamento de Servo Tomé da Rosa com Heide começou a mudar a partir da metade de 2021. Ele era de Cachoeira do Sul e tem familiares em Pelotas. Morava sozinho. Ela, que morava com o filho, era natural de Candelária, trabalhava na 13ª CRS, em Santa Cruz, há 20 anos e estava perto de se aposentar. Heide e Servo moravam em casas separadas no mesmo condomínio, ela na alameda 4 e ele na 8, cerca de 150 metros distantes. “Ele começou a se mostrar muito incisivo, queria ela o tempo todo. Onde ela estava indo ele queria saber, sendo que muitas vezes ela tinha que cuidar dos meus avós, de 87 e 90 anos”, disse Jean Carlos. “Minha mãe sempre foi clara sobre cada um ter sua morada, gostar de estar na casa dela. Eu, como vivia lá, comecei a perceber um certo incômodo nele por eu estar ali junto, ou ela fazer alguma comida para mim”, acrescentou Franklin.

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O estopim para o término foi entre o Natal e o Ano-Novo. “Passamos um bom Natal todos juntos, mas nesses dias antes da virada houve uma discussão, em que ele disse que ela dava mais atenção para o celular do que para ele. E então ele a pegou pelos braços e a jogou com força na cama. Depois disso, ela saiu de lá e disse que não queria mais. Desde então, foram meses com ele querendo voltar”, comentou o filho de 40 anos.

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Mensagem de ameaça
Servo falava em tragédia

A filha Alice relembrou a boa convivência que Heide tinha com todos. “Ela tinha a casa dela, trabalho, família, boa estrutura. Não sei se isso causou inveja nele, pois não viveu isso. Ele tirou de nós o nosso tesouro, tirou uma parte do nosso coração. Nossos avós, Ilca Arnilda Priebe, de 90 anos, e Hardy Carlos Priebe, de 87, estão em casa chorando o tempo todo”, disse a mulher.

“Ela fez esse boletim de ocorrência pra nada”, desabafa a filha

Ao longo do primeiro semestre de 2021, foram inúmeras as vezes em que Servo tentou reatar o relacionamento. E algumas, com ameaças não veladas. “Ela me mostrou quando ele disse que se não terminassem como amigos, seria com tragédia. E também não esqueço de quando disse que ia matá-la e jogar o cabelo loiro dela no Lago Dourado”, comentou Franklin. Conforme os filhos, Tomé não aceitava que Heide e as amigas frequentassem festas. Mandava mensagens dizendo que ela não podia ter tal comportamento, pois “devia se dar ao respeito”.

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Havia também uma casa em que o autor do feminicídio trabalhava, em uma construção perto da garagem dele, dentro do Condomínio Terra Nova Moradas. “Dali, ele a vigiava. Uma vez, ela me disse que falou pra deixá-la em paz, e depois partiu com uma pá de pedreiro pra cima e ela precisou correr”, disse Franklin, que contou que ficava sabendo dos fatos pela mãe. “Nunca mexi nas coisas dela, só fui mexer agora, depois do assassinato, quando pedi autorização a ela, que está no céu, para escolher a roupa que ela vestiria no caixão.”

Servo premeditou o crime com anotações em um caderno | Foto: Divulgação

Esse episódio da pá, inclusive, está no boletim de ocorrência efetuado por Heide no dia 4 de julho, na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Santa Cruz do Sul. No documento, registrado às 19h23, consta ainda que o homem já havia se jogado na frente do seu carro para chamar sua atenção.
“Teme pela sua integridade, solicita medidas protetivas, pois não sabe do que ele é capaz, além do fato de ele ter uma arma em casa”, diz parte da ocorrência. “Por que não foram lá e retiraram a arma dele? Eles eram vizinhos, ela temia pela vida, como relatou. Coitadinha, ainda fez esse boletim de ocorrência pra nada. Do que adiantou? Agora, ele saiu pela porta da frente do hospital e minha mãe em um carro da funerária”, desabafou a filha Aline. “Minha mãe não morreu, ela foi assassinada por um monstro que ela colocou dentro da casa que tanto amava e que foi a maior conquista da vida dela”, complementou o outro filho, Jean Carlos Fetzer.

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Guilherme Bica

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