O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído pela Lei 5.107, de 13/09/1966, passando a vigorar a partir de 1º de janeiro de 1967, pelo qual o empregador passou a depositar 8% sobre o salário do empregado em uma conta individualizada, a fim de criar uma poupança a ser sacada pelo funcionário quando se aposentasse; posteriormente, o saque foi autorizado nas demissões sem justa causa, na compra de moradia, em casos de doença grave e, em situações pontuais, para determinados grupos, atingidos, por exemplo, por alguma tragédia. Na verdade, até a instituição do FGTS, no Brasil, uma lei estabelecia que, quando o empregado completasse 10 anos de vinculo empregatício com a mesma empresa, não poderia ser demitido, adquirindo estabilidade de emprego até a sua aposentadoria. Criavam-se, então, duas situações: numa, para não permitir que adquirisse estabilidade o empregado era demitido antes de completar 10 anos de empresa; noutra, quando a empresa, passando por dificuldades financeiras, se visse obrigada a ajustar a produção e cortar custos, a proibição de demitir funcionários impedia a redução das despesas com mão-de-obra, o que, em muitos casos, acabava levando a empresa à falência.
Depois de muita expectativa, alimentada pelo próprio governo federal, acenando, de início, com liberação de saques de até 35% dos saldos das contas do FGTS, tanto em contas ativas quanto inativas, foram divulgadas as novas regras de liberação de saques do FGTS, além de outras mudanças. Como já se constitui rotina do governo Bolsonaro, após idas e vindas de informações, o valor do saque máximo do FGTS liberado para este ano é de apenas R$ 500 por trabalhador, em cada conta ativa e inativa que tiver. Parecido com o que o governo de Michel Temer promoveu em 2016, restrito, naquela oportunidade, às contas inativas do FGTS, o objetivo principal do atual governo é incentivar a economia, com o potencial de injeção de R$ 42 bilhões na economia, dos quais R$ 30 bilhões neste ano. É que o Brasil ainda convive com uma atividade econômica enfraquecida, nível de desemprego elevado e de endividamento preocupante. A projeção é que a medida atinja um total de 106 milhões de pessoas.
Muita gente reclamou do valor irrisório do saque de apenas R$ 500, ainda mais que as primeiras notícias anunciavam 35% do saldo nas contas do FGTS. O presidente Bolsonaro chegou a dizer que “quem acha pouco, simplesmente não saca o valor”. Possivelmente, o valor foi reduzido, neste ano, especialmente após pressão de construtoras que alertaram o governo para o risco de esvaziamento de uma das principais fontes de financiamento do país para imóveis, habitação popular, saneamento básico e infraestrutura. De acordo com Jair Pedro, presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), ”retirar recursos de um fundo que fomenta o desenvolvimento, a criação de empregos e ajuda a diminuir o déficit habitacional é prejudicial ao país; a construção civil, que é o grande setor empregador no Brasil, sofrerá o maior impacto”.
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Quando das assinaturas da medida provisória que criou as novas regras de saque do FGTS, as falas das autoridades deixaram claro que não se tratava apenas de uma liberação com a finalidade de estimular a produção e o consumo, mas de uma mudança de filosofia em relação ao FGTS: se o dinheiro nessas contas pertence aos trabalhadores, nada mais justo que dar a eles um poder maior sobre esses valores.
Esse aparente distanciamento da visão paternalista que vigora desde a criação do FGTS, segundo a qual o governo tem de “cuidar” do trabalhador e reter um dinheiro que lhe pertence para formar um “colchão” que o ajude em caso de desemprego, vai exigir maior responsabilidade dos cidadãos. A começar pela decisão de optar, ou não, pelo saque-aniversário anual. A partir do ano que vem, o trabalhador poderá sacar uma parcela do seu saldo do FGTS, todos os anos, por ocasião de seu aniversário, aderindo ao formato opcional denominado “saque-aniversário”. O problema é que, aderindo à modalidade do saque-aniversário, o trabalhador não poderá sacar o saldo, em caso de demissão sem justa causa, tendo direito apenas à multa de 40%. Quem preferir continuar na modalidade antiga, identificada como “saque-rescisão” não poderá fazer os saques anuais, mas poderá sacar a totalidade do fundo em casos de demissão sem justa causa, para aquisição de casa própria, doença grave, aposentadoria ou morte (nessa situação, os recursos vão para os herdeiros).
Por fim, a liberação de valores do FGTS sem qualquer preparo ou orientação, embora pareça uma boa notícia, pode ter um impacto incerto. Muitos trabalhadores usarão o dinheiro para abater dívidas, já que seriam mais de 63 milhões de inadimplentes, no Brasil, cuja média de contas em atraso está em R$ 3.253. Outros, aproveitarão o dinheiro extra para dar de entrada na compra de algum bem de valor maior, “aquecendo” superficialmente a economia, cuja consequência pode ser o aumento do endividamento e até da inadimplência. Por isso, a cautela e principalmente o planejamento financeiro devem ser a maior preocupação dos contemplados com a liberação do saque extra do FGTS. Quem ainda não tem, é hora de procurar uma boa educação financeira.
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