O rio-pardense Fernando Schwanke assumiu no dia 10 de julho a Diretoria de Projetos do Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA), atendendo a convite do diretor-geral, o argentino Manuel Otero. Ele avalia o período no órgão, que tem sede em San José, na Costa Rica, como de adaptação e aprendizado, pelo idioma, pela equipe e pela área de atuação, com escritório em 34 países, além da Espanha.
E a expectativa é de mais ação, com a recondução, no dia 17 de janeiro, de Otero para nova gestão de quatro anos, tendo a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, Tereza Cristina, como presidente da Junta Interamericana da Agricultura (JIC). “Novos desafios se aproximam, mas creio que entro em 2022 bem adaptado”, afirma.
Em entrevista exclusiva para a Gazeta do Sul, Schwanke avalia o mercado, as possibilidades de desenvolvimento do setor e a importância da junção de ações dos setores público e privado em áreas como a pesquisa. Também enfatiza a diversificação de mercados e produtos para a obtenção de melhores resultados.
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Gazeta do Sul – Qual a sua percepção sobre o agronegócio nas Américas? Quais os pontos positivos e as maiores dificuldades?
Fernando Schwanke – As Américas são responsáveis por um grande volume de produção de alimentos no mundo, essenciais para que a população continue comendo. Temos uma diversidade agrícola enorme. Por isso é tão importante e ocupa grande parte do comércio mundial de alimentos. Daí não é só questão de segurança alimentar, mas uma questão de comércio. As Américas são importantes e podemos citar Estados Unidos, Brasil e Argentina como os três grandes players na produção de soja e milho, além de outros grãos, e são fundamentais. Os outros também são importantes, porque mantêm população rural muito grande. Temos uma diversidade enorme em produtos agroalimentares.
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Os países precisam ter a visão de que é importante manter as pessoas no campo. No IICA falamos que em primeiro lugar, na agricultura, são os agricultores. Até a década de 1930, o Brasil era um país rural e hoje tem a agricultura como esteio econômico. Então, a parte de manutenção dos agricultores com garantia de renda é uma preocupação de todos os países. Por isso, uma política pública é importante. No Brasil trabalhamos com três pilares: crédito, para que possa chegar ao agricultor; assistência técnica, que fará com que o crédito seja usado de maneira correta; e a comercialização, que pode ser feita de maneira estratégica para o público, mas, principalmente, com a abertura de mercado em nível mundial. Alguns estão mais avançados em políticas públicas, e outros nem tanto. O papel é levar a política pública de sucesso dos que têm para os que não têm.
O agronegócio tem dado sustentabilidade, em época de muitas limitações em função da pandemia, à economia dos países, em especial no Brasil. No entanto, começa a se deparar com um dificultador: a falta de mão de obra qualificada. Isso é uma realidade brasileira ou também mundial? Qual o caminho a ser tomado para a correção?
Tive bastante contato com o Senar e a direção técnica questionava por que o Senar não tinha gente para implementar alguns trabalhos. A correção disso se dá com o desenvolvimento econômico do setor. Vem acontecendo há alguns anos. Pela prosperidade, o setor começa a ser visado como de grandes oportunidades para jovens empreendedores, técnicos, que entrem em cursos técnicos agrícolas, nas engenharias das ciências rurais. Mas, como é algo de formação, não acontece de um dia para o outro; precisa de um ciclo, uns dez anos, pelo menos. Por ser economicamente viável, ele vai atrair jovens para trabalhar, produzir e atuar na assistência técnica.
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Vou dar o exemplo da Costa Rica, que tem um setor do café bem desenvolvido. Você tem na cadeia produtiva uma dinâmica que leva os profissionais, que tem gente para trabalhar, que remunera. É dinâmica, porque você vê a possibilidade de agregação de valor, pois tem serviços ambientais, um caminho importante que o agro vai seguir. Está muito ligado à questão econômica, à comercialização mundial. O setor que não tiver isso deverá contar com a implementação de políticas públicas governamentais.
Cada país tem sua autonomia em relação ao que compra dos demais. Mas como nações dependentes de commodities, como o Brasil, podem minimizar os impactos de restrições, como a recente iniciativa chinesa em relação à carne brasileira?
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A primeira grande estratégia que o Ministério da Agricultura teve foi fazer diversificação de mercados. Passam de 170 mercados, diversificando também a pauta exportadora brasileira, saindo das commodities para produtos de maior valor agregado. A principal estratégia é a não dependência comercial grande. O trabalho vem sendo feito pelo governo brasileiro, através da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), mas o setor privado também está atuando muito. Vemos o pessoal do algodão com escritórios montados em outros países. O setor de lácteos, por exemplo; somos o quarto produtor mundial e não exportamos.
No setor do pescado, praticamente importamos, e temos potencial enorme deste que é o maior produto comercializado do mundo. Precisamos ver quais as oportunidades, e a diversificação é que nos dá mais segurança para casos como esse. Quando o Brasil relatou casos atípicos de vaca louca à China, que poderia ter voltado em poucos dias, demorou quase 60 dias, pouco mais do que isso, o que acaba gerando impacto interno no País.
Em alguns setores, como na produção de soja, o Brasil consegue resultados semelhantes ou melhores do que em outros. Noutros, porém, por mais que estejamos evoluindo, ainda temos baixa produtividade, como no caso do leite. Falta incentivo governamental, organização entre os produtores, ou trata-se de desempenho tecnológico, que acaba representando resultado para quem investe?
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No caso do leite, tem muito a ver com o tamanho do mercado interno. Isso faz com que a gente não se adapte às normais internacionais, porque temos mercado interno que supre. Quando olhamos para fora, exigências sanitárias – no caso do leite: brucelose, tuberculose, trabalho interno com os rebanhos (sanidade) – acabam sendo impeditivas para alcançar mercados mais exigentes. Isso é claro; quando pega cadeias internacionalizadas do Brasil, mostra que somos aptos a competir em qualquer lugar do mundo. Vejamos o caso do tabaco, aí da região. É uma cadeia produtiva que fez o tema de casa nos últimos 30, 40, 50 anos, porque sempre esteve conectada com o mercado internacional. E as exigências sanitárias, sociais, ambientais, de governança, justamente pela conexão em centenas de mercados no mundo, fazem com que a cadeia se organize, independentemente do governo; é uma cadeia que se organizou olhando o mercado internacional.
Os elos ganham muito com isso, porque exportamos 90% do nosso tabaco. É o grande segredo: internacionalizar nossas cadeias, mesmo que pequenas, porque trazem exigências maiores para dentro do Brasil, e a gente acaba se organizando para competir em qualquer lugar do mundo. Quando olhamos a questão sanitária, os níveis do sistema de inspeção municipal, estadual e federal, vemos que, quanto mais preparado para atingir o mercado nacional ou internacional, maior a competitividade. É um caminho interessante. Há cadeias mais organizadas e outras nem tanto. Certamente, olhar para fora traz competitividade maior.
Temos um setor de pesquisa, em especial por meio da Embrapa, e de orientação técnica, como a Emater, que diversifica áreas de atuação. Tem alguma, tendo em vista nossas dimensões, em que poderíamos ampliar pesquisa e produção para atender o mercado mundial?
Não há dúvida de que o setor de pesquisa foi o responsável pela ampliação na abertura dessas novas fronteiras agrícolas, onde o Brasil pode ter escala na produção de gado, soja, milho, que é o Centro-Oeste brasileiro, onde a Embrapa teve papel fundamental. Mas é importante dizer que há muita pesquisa privada também. Na área de fertilizantes, por exemplo, que tem feito estudos para melhorar a qualidade do solo; temos um setor de agroquímicos que faz muita pesquisa para termos um sistema de proteção vegetal forte. E, hoje, uma das grandes tendências, a utilização de defensivos biológicos, que teve, inclusive, um programa de bioinsumos no Ministério da Agricultura; tem-se visto aumento de registro de produtos com base biológica, e deve ser uma das próximas tendências de proteção da nossa produção vegetal.
Temos um setor que pesquisa muito a genética, a questão da transgenia e de sua evolução, o que tem acontecido de forma rápida, que também está ligado a esse aumento de produtividade enorme das lavouras. É resultado de investimento privado e público. O público teve restrições de orçamento, acaba tendo mais dificuldade, mas a Embrapa mantém um grande potencial, inclusive de pesquisa desenvolvida e que não foi ao campo. E aí existe outro grande desafio, que é a extensão rural. Há um desafio para ter recursos e chegar ao agricultor com as tecnologias desenvolvidas. Por isso, o Ministério lançou um programa de assistência técnica digital para tornar disponíveis essas ferramentas ao agricultor, por celular, por exemplo, para levar informações técnicas e democratizar esse acesso.
A ministra Tereza Cristina foi eleita presidente da JIA. O que isso significa para o Brasil?
JIA é como se fosse o conselho de administração do IICA, formado pelos ministros dos 34 países participantes. A cada dois anos se reúnem e elegem a direção geral, que escolhe a sua diretoria. A ministra foi eleita como presidente da JIA, que é uma ação voluntária. O cargo é do Ministério. A ministra deve sair do cargo para concorrer ao Senado pelo Mato Grosso do Sul, e o presidente passa a ser o próximo ministro.
Em oportunidade anterior (em junho), o senhor mencionou que sua família iria para a Costa Rica em janeiro. Está confirmado? Elas (esposa Cláudia e filha Júlia) vão para morar ou só para uma visita? E o senhor pretende concorrer a algum cargo em 2022?
No dia 17 de janeiro, assume o novo mandato o atual presidente do IICA, Manuel Otero, com a diretoria formada. Tenho contrato de dois em dois anos, que pode ser renovado conforme o diretor-geral queira que faça parte da equipe. Ele tem um mandato de quatro anos, período em que devo continuar. Não pretendo ser candidato na política, porque tenho um trabalho técnico, que me permite auxiliar o País, a região e, atualmente, as Américas. Minha filha Júlia já está matriculada em escola na Costa Rica, a esposa Cláudia também irá para morar junto comigo; já organizamos a estrutura para recebê-las. Ela deve fazer idas e voltas, mas eu fico para auxiliar na ambientação da filha.
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