Pelos olhos de Fernanda e Fred, ela santa-cruzense, ele paulista, ela jornalista, ele cineasta, podemos conhecer a Amazônia sob a perspectiva de quem lá habita. O documentário premiado na categoria “público” no recente festival de cinema em Alter do Chão (Santarém/Pará), agrega falas de indígenas, quilombolas, assentados, empresários, agropecuaristas, recém- chegados e políticos. Sob a direção de Fred, o roteiro de Fernanda nos vai conduzindo pela trilha falante dos pés a caminho, da canoa em fluxo, do som inescrupuloso da moto, dos silvados passaris e, sobretudo, do quase silêncio. Este, interrompido pelos interesses que, sem alardes gritantes, vão costurando o enredo de uma floresta na iminência do desastre simbolizado pela possível construção de um corredor estradeiro. Estrada que mais corta que une, antes intercepta do que liga pontas.
As cenas, emolduradas pela aparente calmaria do maior bloco de florestas protegidas do mundo, que se estende pelo norte do Pará até a fronteira com o Suriname, sussurram consistências despertadas pelos sentidos atentos de quem se percebe entranhado na mesma floresta. O filme incomoda, não pelo grito, mas pela introjeção serenamente dolorida. Não há como sair do filme. Ele nos irrompe pelas vísceras. Nos carcome por dentro. Nos acusa sem ser ativista feroz. Nos conclama.
Se documental – como nos ilumina o jornalista Rodrigo –, e assim se pretende conceitualmente, se oportunizador de ouvidos para diferentes manifestações, o que lhe garante isonomia representacional, também, e talvez justamente por isso, nos esfacele enquanto humanidade. Quem de nós já não imaginou abdicar da humanidade, optar pela sutileza de uma onça, trocar o tronco ósseo pelo fuste arbóreo, substituir pulmões por alvéolos clorofilados, dar vazão às águas do que aos dejetos, e, no lugar do coração, pulsar segredos que só os mistérios naturais reconhecem?
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Todavia, já ao final do documentário produzido pelo site de jornalismo ambiental ((o))eco, a imagem de uma jovem recompõe a possibilidade do reconforto transformador. A câmera vem deslizando, à semelhança de quem navega pelos igarapés ao invés de estradas degradadoras, e foca em Inês. Ela, suave e profunda, uma Mona Lisa tropical, em imanente integração amazônica, emana contrastante beleza sobre o artificializado cenário renascentista do italiano Da Vinci.
Sim, a Amazônia é também exuberantemente humana, talvez nós é que não o saibamos. De fato, a Amazônia é solar, como nós o somos. Mesmo no mais misterioso de seus recantos, há uma interioridade que pode nos acordar. Tomara que isso aconteça antes do pesadelo da última queimada, da navalhada derradeira da motosserra, do roncar definitivo do trator, do suspiro final e do ponto sem retorno. Fernanda, Fred e equipe nos revelam Ineses que vivem nas florestas de nosso futuro, que só existirá se entendermos que o presente da preservação não pode esperar mais. À esterilização gananciosa dos corredores, podemos decidir pelos generosos fluxos da vida.
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