Tive quatro casas em Xangri-Lá. Há trinta anos, comprei uma simples, mas bem localizada. Fui melhorando e trocando de imóveis até ficar com a atual, que fica “sobre el mar”, como dizem os argentinos.
Até uns vinte anos atrás eu gostava muito de aparecer na primavera e, é claro, no verão. Às vezes vinha no outono e no inverno. A praia ficava vazia mesmo, na verdadeira acepção da palavra. Os vizinhos não vinham porque tinham medo. Havia um ou dois supermercados. De vez em quando, se ouvia falar em arrombamentos. De minha parte, eu me cuidava e sempre tinha a bela companhia da “Frau Glock”, com dois carregadores.
O receio de muitos deu azo ao surgimento dos condomínios fechados. Começaram a florescer com eles mais supermercados, casas de ferragem; enfim, uma série de estabelecimentos comerciais. Várias firmas de vigilância se criaram.
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Hoje, entre Capão da Canoa e Xangri-Lá, há condomínios que, sozinhos, têm mais casas do que alguns pequenos municípios do interior. Esses condomínios, em sua maioria, têm quadras de esportes de todos os tipos. Boa parte das casas têm piscinas. Pronto: alguém tem que zelar pelas piscinas, pelas quadras de tênis, pelos jardins. Começaram a surgir trabalhadores que antes não tinham muito serviço. Alguns começaram colocando nos carros usados cortadores de grama e passaram a ganhar dinheiro. Surgiram pedreiros, pintores, eletricistas, encanadores, faxineiras.
Com a pandemia, foi aquela diáspora para as praias. Muita gente fechou as casas ou apartamentos, inclusive eu, e fomos nos acostumando com a nova vida na praia. Vizinhos se aproximaram mais, formando grupos de WhatsApp.
Era costume de muitos, anteriormente à pandemia, levar móveis usados para a orla. Enfim: as casas de alguns eram um lugar de descarte. Foram aparecendo lareiras e modernos aparelhos de ar condicionado e a mão de obra especializada veio atrás.
Hoje, Xangri-Lá é um canteiro, tanto de obras quanto de reformas. Mas aconteceu algo muito interessante. Exemplo: eu conhecia um rapaz que era zelador de imóveis e que, nas horas vagas, limpava piscinas e fazia pequenos consertos. Era um “faz tudo”. Com a pandemia, ele largou a zeladoria e passou a fazer reformas em casas. Meses depois, comprou uma caminhonete usada para carregar as ferramentas, sacos de cimento etc. Em seguida, contratou um auxiliar, adquiriu ferramentas mais modernas, contratou mais gente e passou a construir casas. Ele nem cursou o fundamental completo e me confidenciou que tira limpo “uma grana” muito boa por mês. Está com a agenda completa até o fim do ano.
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(Continua)
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