Chegando a seus momentos derradeiros, o último capítulo será em 1º de abril, a novela das 18h da Globo, Espelho da Vida, exigiu de seu elenco um esforço redobrado, pois para diversos deles, a trama fez com que estivessem em dois mundos, assim, vivendo personagens distintos. A trama de Elizabeth Jhin, que tem direção artística de Pedro Vasconcelos, é passada em dois tempos, essa a razão da duplicidade em cena. Um desses destemidos atores, é o experiente Felipe Camargo, que interpreta Américo, nos dias atuais, e Eugênio, um homem dos anos 1930.
“É um desafio, um bom desafio fazer esses dois personagens numa novela só, e, no meu caso, são dois personagens ricos, contraditórios”, conta Felipe Camargo, aos 58 anos. Na história, que se passa em dois tempos distintos, ele vive, nos dias atuais, esse homem cheio de malandragem, que quer mesmo é se dar bem, o Américo, pai de Cris, interpretada por Vitória Strada, que também teve o papel duplicado, sendo, no passado Julia Castelo, filha de Eugênio, esse mesmo Felipe Camargo que agora tem essa personalidade do mal.
O ator explica que faz parte da profissão se desdobrar em diversas personas e o que o ajudou a lidar com esses dois tempos e dois personagens foi ter trabalhado bastante com o presente, em um primeiro momento, e conta como criou os tipos.
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“Acho que Eugênio veio de uma forma muito intuitiva, seguindo as orientações do Pedro (Vasconcelos), mas tudo partiu dessa grande história da Beth, e esses personagens maravilhosos”, explica, complementando com informações sobre seus papéis. “Enquanto eu só conhecia o Eugênio pela sinopse, o Américo, já estava existindo dramaturgicamente, e eu não passei por esse processo de prosódia, pois meu personagem é carioca e eu sou carioca, fica mais fácil, para mim, falar com esse chiado (risos), ou colocar uma gíria.”
Para montar seus personagens, Felipe avalia a história de cada um e cria características deles para si. “No caso do Américo, acho que ele é um Macunaíma, um anti-herói, que acredita que num golpe, numa jogada de sorte, de esperteza, vai resolver seus problemas e ficar bem na vida sem esforço. Quando era mais jovem, acredito que ele devia ser mais impulsivo ainda, sendo levado pelas paixões, esquecendo a filha, a família. Acho que foi bagunceiro, com esse espírito, é um cara sem caráter”, avalia. Segundo Felipe Camargo, seu trabalho é feito de forma bem pessoal, nessa transição de um personagem para outro. “Claro que eu leio, estudo o personagem, suas características, tento criar uma cara, mas confesso que é uma coisa muito intuitiva, não fico pensando em um e em outro.”
Felipe brinca com essa complicada dualidade que a profissão propicia. “Teve época de estar fazendo teatro e TV ao mesmo tempo, fazer um outro personagem é loucura do ator, tem momentos que faço os dois no mesmo dia, daí tem o Felipe, o Américo e o Eugênio, mas eu estou aqui consciente, no comando, e às vezes até não (risos), é engraçado, acho que atuar é estar aberto.” Com esses dois personagens, distintos e de caráter duvidoso, Felipe Camargo revela torcer para um final que seja legal para Américo. “Eu torço por ele, pois não acho que seja um cara ruim, ele não fez nada por mal, ele é um cara que não amadureceu, é infantil com relação aos sentimentos, ele gosta, mas não consegue cuidar. Existem muitas pessoas parecidas com o Américo por aí”, se diverte o ator.
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Com 37 anos de profissão, Felipe conta que, em seus inúmeros trabalhos, em teatro, cinema, TV, sempre colocou um pouco do que a vida lhe ensinou, mas não quer dizer que se identifique com eles. “O Eugênio é muito difícil de fazer, pois vai ao encontro de coisas que detesto, ser controlador ou fazer coisas pavorosas”, afirma.
Ver Felipe Camargo na novela Espelho da Vida, dando corpo e alma a esses dois homens complicados, traz à lembrança o início de sua carreira, lá em 1986, um garoto brilhando na série Anos Dourados, de Gilberto Braga. “A idade é cruel”, brinca o ator ao falar dos tempos passados. “Eu sou muito crítico quando vejo meu trabalho na novela, só vejo defeito, mas hoje em dia sou menos do que quando comecei, em Anos Dourados”, conta Felipe, demonstrando que isso era tão intenso a ponto de decidir inquirir o diretor Roberto Talma. “Eu ficava esperando a hora que alguém ia bater no meu ombro e dizer que meu trabalho estava muito bom, mas isso nunca acontecia. Até que um dia perguntei para o Talma, que era diretor-geral, se o personagem estava legal, e ele, com olhar irônico disse: ‘Você vai estourar, se prepara, as pessoas não vão parar de falar de você’. Isso me deu mais segurança, mas não durou muito”, afirma.
Depois de sua estreia na minissérie Anos Dourados, Felipe fez vários outros trabalhos, mas teve um período em que ficou afastado, longe das telas e dos palcos. Ele tinha um objetivo, que foi alterado pelo destino, mas graças a sua competência profissional, ganhou uma nova chance.
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“Tem um trabalho, a série de TV Som & Fúria, de 2009, que me deu um resgate muito grande não apenas como ator, mas como pessoa também”, diz. “Pensava em ir embora do Brasil, tinha tudo ajeitado, passagem comprada, hotel reservado, ia passar uns dois meses fazendo curso nos Estados Unidos.” Mas eis que surge em seu caminho um diretor, Fernando Meirelles. “Eu não costumava atender o telefone, deixava na secretária eletrônica, mas atendi, e do outro lado estava Fernando Meirelles, que me convidou para ser protagonista de Som & Fúria.”