Um dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros, o feijão, teve queda na produção em propriedades da região Centro Serra. Entre as explicações, produtores ressaltam que estão a inclusão de outras culturas economicamente mais viáveis, o alto custo e a falta de mão de obra especializada, o valor dos insumos, as intempéries com o clima e as incertezas com o preço, assim como a falta de garantia da comercialização. Agricultores têm migrado então para outras produções em busca de mais segurança e renda nas propriedades.
O produtor e empreendedor rural, Tarcisio Cereta, de 60 anos, da localidade de Campestre, em Sobradinho, destaca que há pelo menos 45 anos atua com o cultivo de feijão preto. Por conta da produção da família, produtores e profissionais do Rio Grande do Sul e de outros estados, ligados à área, o conhecem e sabem sobre o feijão de Sobradinho. Ao longo dos anos, também têm participado de várias pesquisas e entidades promovidas pela Embrapa e pela Fepagro. Contudo, até mesmo para quem é grande incentivador do cultivo, os desafios se tornaram maiores.
Conforme Cereta, que nos últimos anos tem destinado a maior parte da plantação de feijão para produção de sementes, foi a primeira vez, nas duas últimas safras, em que não plantou feijão ao longo de quase cinco décadas. “Nestes dois anos só plantamos a safrinha. O motivo é o clima mais frio no início do plantio, e também a falta de chuva. O clima não está mais tão propício para a primeira safra como está para a segunda. A safrinha está se desenvolvendo melhor. E também tem a questão do preço. Está em torno de R$ 300,00 a saca do feijão, e a soja está quase R$ 200,00. Ainda é atrativo a soja, pois a liquidez é mais rápida, se vende antes, ainda na lavoura, e é mais fácil de entregar e armazenar. Até mesmo pela questão da secagem”, pontua Cereta.
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Nesta segunda safra, a família plantou oito hectares de feijão. Já na safra de soja foram aproximadamente 200 hectares. “Plantamos o feijão no fim de janeiro. Agora está em pré-floração. Está desenvolvendo muito rápido. Tem o detalhe que foi plantado no pivô, ou seja, já foi molhado duas vezes. Então com calor e umidade desenvolve muito bem”, ressalta o produtor, que tem a expectativa de colher 30 sacos por hectare, entre metade de abril e início de maio.
A maior plantação de feijão de Tarcisio chegou a alcançar 70 hectares e uma colheita de mais de mil sacos, realizada de modo braçal. “Agora é praticamente tudo mecanizado, com colheitadeira em nossa produção”, pontua ele, que destaca que a melhor safra foi a do ano 2000. “Uma safra recorde. Valeu bem. Até hoje estamos na esperança de ter uma safra como aquela, mas acho que não chegará tão logo. Também estamos fazendo rotação na propriedade. No inverno plantamos centeio, milho na primavera e no verão feijão, alternando as lavouras e fazendo rotação do milho com a soja”, salienta.
Ainda segundo Cereta, está difícil até mesmo de encontrar produtores de semente de feijão certificada. “Está mais escasso. Muitos grandes lavoureiros não estão mais interessados, pois a soja dá mais. Pessoas de Minas Gerais e Paraná ligam para cá para saber se há. Quando começa muita procura é porque está ficando escasso no mercado”, salienta.
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Acompanhando há tantos anos de perto as conquistas e desafios com o plantio, Cereta recorda o que levou Sobradinho a ser reconhecido como Capital do Feijão, quando outros municípios, hoje emancipados, faziam parte do território. “Lembro do tempo da cooperativa, que recebia 350 mil sacos de feijão no Centro Serra. Tinha longas filas de trator e caminhão para descarregar. Foi o auge do plantio, onde, na agricultura, depois do fumo, o feijão era a cultura principal. Temos orgulho também de dizer que plantamos todas as linhagens lançadas e não-lançadas (por códigos) do Paraná para cá”, salienta.
Segundo Cereta, está difícil para o pequeno produtor se manter em pequenas propriedades colhendo feijão preto de forma manual. “Agora tem outras variedades que se agrega valor, de feijão que tem exportação, feijões de cores, o que para os grandes produtores não há muito interesse, sendo mais difícil de colher de máquina. É onde o pequeno produtor poderia sobreviver, mas já fica mais difícil o mercado se tem pouco volume. Então é toda uma cadeia que tem que ser reestruturada para poder funcionar correto”, acrescenta.
Na localidade de Campo da Aviação, Olmiro Busato, de 66 anos, também reduziu o plantio. Entre a safra e a safrinha foram plantados três hectares, o que em outros anos costumava ser o dobro. Segundo ele, há mais de três décadas cultiva feijão – em alguns anos mais e em outros menos. Atualmente, o carro-chefe na propriedade é a soja. “Plantava mais feijão em anos anteriores, mas a mão de obra também ficou mais cara e escassa e aqui é tudo no manual. Teve ano que perdi feijão na lavoura por não ter conseguido colher na hora certa. É puxado, não é fácil para arrancar o feijão. Mas, também é possível plantar duas safras em sequência”, destaca.
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Conforme Busato, a primeira safra já foi colhida e sofreu com a falta de chuva, mesmo tendo investido em irrigação. O nível do açude baixou demais. “Já cheguei a perder feijão depois de arrancado, com muita chuva e apodreceu. É uma cultura de risco sempre. E agora neste ano a estiagem, a falta de água”, salienta.
Com a safrinha na lavoura, o feijão está em desenvolvimento e deve ser colhido no início de abril. A colheita da primeira safra, segundo ele, rendeu aproximadamente nove sacos. A expectativa era de até 30. “Não teve um bom desenvolvimento. Tudo em razão da seca. Está complicado, mas vamos indo, não dá para desistir. Enquanto tiver saúde vou continuar”, pontua o agricultor.
Conforme o chefe do escritório da Emater/RS-Ascar de Sobradinho, Rotiere Guarienti, no município, a estimativa é de uma média de 100 hectares destinados ao feijão na safra, dos quais 100% já foram colhidos, e 50 hectares na segunda safra, com metade plantado até o momento. Com a estiagem, a safra principal teve prejuízos calculados em aproximadamente 70%.
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Segundo Guarienti, tem-se visto uma redução do plantio do feijão, tanto em área quanto em número de produtores. “Boa parte do plantio se dá na safra e esse ano fomos afetados primeiro por chuva na floração e depois pela seca. Somado a isso, temos um problema com a mão de obra que é mais cara e difícil de conseguir. Da forma como está, acredito que a tendência é ir diminuindo cada vez mais o plantio desse grão no município. Quando se planta, vale bem, mas, quando colhe, não vale tão bem assim. Então a lucratividade do produtor acaba diminuindo por estes e outros fatores ressaltados pelos produtores”, salienta. Ainda, segundo Rotiere, o poder de compra da população também exerce influência na alimentação. “Com os produtos com preços mais altos, acabamos optando por alimentos mais baratos, o que reflete também na diminuição da demanda”, menciona.
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