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Literatura

Fê Pandolfi abre caminhos em seu livro sobre volta ao mundo

O escritor norte-americano Jack Kerouac, cujo centenário de nascimento transcorreu em 12 de março deste ano, estava com 29 anos quando, em maio de 1951, de forma compulsiva, escreveu On the road, sua obra-prima, em apenas três semanas, mesclando no enredo suas viagens pelos Estados Unidos. Esse livro, disponível como Pé na estrada no Brasil, virou uma Bíblia para todos os que se rendem de forma irreprimível ao convite à viagem. 

Pois foi quando chegava a essa mesma idade que uma jornalista gaúcha, Fernanda Pandolfi, nascida em Passo Fundo e radicada em Porto Alegre, sentiu inquietação similar, de sair pelo mundo. Resultado: ela se pôs a caminho. E não foi para qualquer passeio. Fernanda apenas e tão somente deu a volta ao mundo, ficando 270 dias “fora de casa”, ou adotando como casa provisória cada ambiente em que chegasse ou onde estivesse.

A sua façanha igualmente resultou em livro. Se Kerouac, o mestre da geração beat, sintetizou seu olhar viajante na expressão “Na estrada”, Fernanda agregou uma pitada filosófica: Quem é a estrada?, ela se pergunta (e pergunta ao leitor), já no título de sua obra, lançada em 2020 pelo selo Vienense, de Porto Alegre, braço da editora Dublinense. A base do material com o qual lida em sua escrita são os meses de périplo mundo afora, cruzando cinco continentes, mas fica implícita a proposta da autodescoberta: “Uma viagem de 270 dias pelo mundo e ao redor de mim”.

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Hoje com 34 anos, Fernanda fez a viagem quando sentia a aproximação dos 30 anos, em 2017 – aliás completados em Viena, na Áustria, como refere, em sua etapa europeia entre República Tcheca, Áustria, Croácia e Montenegro. Ou seja, de maneira um tanto simbólica, uma Fernanda que sentia a chegada de sua condição “balzaquiana” revela, no livro, uma busca que é a um tempo sentimental, espiritual, de conexão consigo mesma e, claro, o impulso de conhecer mais, de se render ao convite do desconhecido, da paisagem, do desafio, do inesperado. 

E, a bem da verdade, a própria decisão da viagem foi ousada. Não que ela já não tivesse viajado antes, com temporada em Nova Iorque, outra em Paris, e visitas esporádicas a outros locais. Jornalista da equipe da Zero Hora e de outras plataformas do Grupo RBS, Fernanda ocupava função de editora quando, repentinamente, comunicou aos superiores que pedia demissão. Para sair pelo mundo. Reuniu as economias e adquiriu de pronto uma passagem de volta ao mundo em agência. Quando partiu, já sabia que ficaria meses longe de seu ambiente mais familiar.

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Subiu à América Central, com parada em Cuba, seguiu a Nova Iorque, de lá voou para a Europa, passando por Portugal, Espanha, França, Alemanha, o roteiro pelo Leste, migrou para a Escandinávia, e de lá para a África, onde, entre tantas peripécias, narra um curioso final de semana malogrado em Zanzibar, terra de Fred-die Mercury. E então, a partir da África do Sul, parte para as imensidões da Ásia. São inúmeras situações de descoberta e autodescoberta, de se achar e de se perder, de alegrias e de frustrações, como bem se pode compreender. 

Memórias do contato com tantas culturas

Se uma viagem de alguns dias já rende assunto, imagine-se uma de 270 dias, como a que Fê Pandolfi fez, e enfrentando as mais diversas culturas, algumas das quais, como a turca, um tanto perigosas para uma mulher viajando sozinha. À medida que o tempo passa, com sua “Monstra”, a mochila de viagem com 20 quilos às suas costas, presa aos ombros, além de outros dez quilos em outras bagagens, vai ficando mais e mais tarimbada. Não seria pouco peso para uma mulher que se descreve franzina, mas que, além do peso que carrega, vai compensando com a leveza da bagagem de vivências e experiências. 

Volta um ano mais velha, vários anos mais madura, mas com todas as estradas abrindo-se e desdobrando-se diante de si, como um livro a ser lido e palmilhado. Chega-se ao final da leitura com a inquietude de Jack Kerouac na memória e ainda a forte lembrança das palavras do célebre poeta andaluz Antonio Machado (1875-1939): “Caminante, no hay camino, / se hace camino al andar”. Isto é: “Viajante, não há estrada, / a estrada só se faz ao viajar”. Então, quem é a estrada? Fernanda Pandolfi inventou a sua. E que ela, generosa, compartilha com o leitor em seu belíssimo livro.

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