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Fé cega

Li trechos da reportagem “Médiuns, pretos velhos e benzedeiras”, veiculada num jornal de Porto Alegre no fim de semana. O conteúdo da matéria dividiu os leitores. Afinal, é um tema polêmico, que envolve crença, religiosidade, fé, saúde e doença, elementos pródigos para fazer eclodir o debate.

Ao vislumbrar a manchete, lembrei de meu falecido pai, paciente crônico de problemas de coluna. Hérnia de disco, diziam os médicos, numa época distante dos avanços tecnológicos de hoje que permitem ver fetos com semanas de vida em imagens 3D.

O velho Giba foi submetido a duas cirurgias. As recuperações foram longas, dolorosas e penosas, com repouso absoluto. Um calvário para ele, inquieto, ansioso, cheio de vida. As operações de nada adiantaram. As dores, lancinantes, foram tortura por décadas.

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Meu pai mancou de uma das pernas por anos a fio, causando a atrofia de um dos tornozelos. “Não entendo como ele não grita de dor durante todo o dia”, exclamou um ortopedista renomado de um dos principais hospitais de Porto Alegre.

Até morrer, o velho Giba se apegou a todo tipo de tratamento que prometia mitigar suas dores. Fez massagens e acupuntura, colecionando japoneses que juravam drenar o sofrimento através da magia da pressão em pontos de energia ou com agulhas. Apelou a chás, rezas e o que mais prometesse eficácia. Nada adiantou.

Até falecer precocemente aos 52 anos de um fulminante enfarte depois de uma pescaria com minha mãe, na praia de Tramandaí, meu pai padeceu, mas sua fé jamais esmoreceu. A cada novo “tratamento”, se dedicava de corpo e alma. Cumpria à risca cada recomendação, respeitava horários, media as doses, anotava o nome dos medicamentos.

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Não importa a solução escolhida para minimizar os males. Vale acreditar. Como em tudo, ter fé é fundamental. Infelizmente o mundo nos dá, a cada dia, mais motivos para semear a desilusão.

O ser humano parece involuir, sem capacidade de agregar, solidarizar-se, ajudar. Por isso, é cada vez maior o contingente de pessoas que se agarram às mais variadas formas de fé. E neste caso, opinar é fomentar o subjetivismo. Cada um acredita no que precisa.

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