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Família do interior de Lagoão supera desafios para possibilitar à filha aprendizado e interação

Desde o nascimento, a vida da menina lagoense, Bianca Tariga, se assemelha com o curso do rio que cerca sua casa. Em muitos momentos os desafios foram como as águas turbulentas das enchentes, mas aos poucos os dias de maior estabilidade voltavam a regressar e a paisagem bonita, assim como o sorriso de Bianca e da família, estariam de volta, no mesmo lugar.

Segundo a mãe, Catarina Francisca Tariga, 54 anos, foi pouco antes da menina nascer que os primeiros sinais de desafios começaram a aparecer. “Não tive dor nenhuma. Foi quando fui fazer a ultrassom que o doutor disse que a neném estava doente e tinha que ganhar ela. Quando a Bianca nasceu, precisou ficar 39 dias internada. Até na época a doutora achou que ela não ia se tratar, mas com o poder de Deus, conseguiu”, disse a mãe. Desde então, Bianca cresceu rodeada de carinho e cuidados, ainda mais especiais, pela família.

Durante aproximadamente quatro anos, a mãe recorda que levava à filha para atendimento na Apae, em Sobradinho. “Tínhamos que sair bem cedo e pegar o ônibus mais longinho daqui, na estrada principal, indo a cavalo. Nesta época foi quando ela começou a ter pontada. Daí ficava uma semana em casa, uma no hospital. Ela era fraquinha, com a cerração prejudicava”, contou dona Catarina. Há dez anos, quando inaugurou o Centro de Atendimento Especializado (Caesp) de Lagoão, Bianca passou a realizar os atendimentos no próprio município.

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Desafios

Ficamos sabendo sobre a Bianca através de registros postados nas redes sociais em um dos últimos acumulados de chuva na região. Mas qual seria a ligação da chuva com a vida da jovem? Bianca, agora com 20 anos, precisou ser carregada no colo, pelo pai, para poder montar o cavalo e conseguir fazer a travessia do rio que rodeia a propriedade da família, na localidade de Arroio do Sapo. Com muita dificuldade, José Nedi Tariga, 57 anos, ergue a jovem e a coloca no lombo do animal. “A Bianca cresceu, ficou mais pesada. Ficou difícil levá-la nas costas ou erguer para colocar no lombo do cavalo. A pé ela caminha um pouquinho, com nossa ajuda, mas cansa, se sente mal”, acrescentou o pai. A própria mãe começou a ter dores nas costas por carregá-la no colo, uma vez que a mobilidade da menina foi se tornando mais reduzida.

Travessia a cavalo com auxílio do pai / Reprodução Facebook

A dificuldade para se locomover, além da própria redução de mobilidade de Bianca, se deve ao fato das únicas entradas para a residência serem através do rio. Em dias em que a água se encontra no nível normal, a travessia costuma ser feita de carroça ou, para frequentar o Caesp e a fisioterapia, os quais ocorrem no mesmo dia para otimizar o deslocamento da família, o carro cedido pela Prefeitura para em frente a porta da casa. Contudo, nos dias de chuva intensa, em que o nível da água sobe, para passar para o lado da estrada, somente a cavalo, ou ainda, por meio da pinguela (um tronco e um arame), a qual não é viável para travessia da jovem e nem mesmo das duas famílias que moram do outro lado do rio quando este está cheio. Desta forma, a depender da força da água, já chegaram a ficar ilhados. Para eles, uma nova opção para o deslocamento seria muito bem-vinda.

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Pinguela não oferece passagem para Bianca

Segundo o secretário de Obras, Jesus Alencar Fritsch, que esteve na propriedade da família averiguando possibilidades para melhorar o acesso dos moradores, o assunto, bem como ideias serão levadas ao prefeito e também ao engenheiro da Prefeitura de Lagoão. O arroio que passa por ali, conforme ele, segue seu curso desde a cidade, chegando, em períodos de grandes acumulados de chuva, a ir devastando o que encontra pelo caminho, como alguns pontilhões que já foram levados pela correnteza. “Quero deixar para o prefeito e engenheiro, mas também vou expor as ideias. Eles também podem vir olhar e definir o que é mais viável. Vamos dar um jeito de fazer o mais rápido possível o melhor que venha a beneficiá-los, para não ficarem ilhados, pois do outro lado é muito íngreme e não há estrada”, destacou Fritsch, reforçando que é necessário um estudo sobre as possibilidades de melhorias (como pontilhão ou pinguela estruturada e ainda o nivelamento para passagem de carros dentro do arroio) e recursos para a concretização.

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Esforço e aprendizado

Sem condições para acompanhar a filha diariamente em uma escola regular, Catarina conta que foi preciso optar, depois de alguns anos, pela participação de Bianca somente nas atividades realizadas pelo Caesp. Uma vez por semana, a jovem tem um horário reservado para ela no centro de atendimento, assim como os demais alunos que frequentam o local. Além disso, ela realiza fisioterapia no ambiente da Saúde, junto ao Hospital, em horário conciliado, sempre com acompanhamento dos pais.

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Conforme a secretária de Educação do município, Diani Franceschet Nunes, atualmente são atendidos pelo Caesp, 47 alunos com deficiência intelectual e/ou física. Além deste espaço, duas escolas do município possuem salas de educação especial, as quais atendem, somadas, aproximadamente 25 alunos. “As crianças da educação especial são uma das nossas prioridades”, salientou a secretária, reforçando que a demanda por atendimentos especializados tem aumentado. Entre as metas da Secretaria, segundo a chefe da pasta, estão a centralização de todos os serviços prestados pelo Centro no mesmo local, através de melhorias e ampliações no prédio do Caesp, o que ainda não foi possível por se tratar de terreno do Estado, para o qual estão em tratativas. Ainda, para melhor atender aqueles que possuem dificuldades de locomoção, outra meta é a conquista de um carro de maior porte.

Segundo dona Catarina, o dia de frequentar o Caesp costuma ser de ansiedade para a filha. “Que dia é hoje mãe? Eu digo que é dia de Caesp, aí ela fala: então eu tenho que me arrumar”. Vaidosa, a jovem não dispensa um batom vermelho, mas com a pandemia… “agora não dá para usar batom por causa da máscara”, fez questão de ela mesma ressaltar.

Bianca realizando atividades no Caesp / Arquivo Caesp

Em casa, os dias costumam passar devagar para a menina, que, segundo os pais, costuma ficar ansiosa por querer sair e interagir com mais pessoas. Ela pede sempre por mais atividades para realizar, como os desenhos e escritas, que ressalta: “são os trabalhinhos”. Para a diretora do Caesp, Eva Jaquimar Nunes, Bianca que possuiu deficiência múltipla (mobilidade baixa, dificuldade na fala e intelectual), é um exemplo de determinação. “Ela é uma menina muito aplicada, muito amorosa. Mesmo estando fora da escola regular, ela frequenta apenas o Caesp, ela nunca falta, somente se estiver chovendo muito, que o rio estiver cheio, ou ela estiver doente, pois daí não conseguem vir. Ela está sempre alegre, com um sorriso. Mesmo com toda dificuldade, ela não se abala”, disse a diretora, salientando ainda a perseverança e amor dos pais. “No Caesp, através do trabalho dos profissionais, se busca dar um estímulo de vida para os alunos e suas famílias”, reforçou a secretária de Educação.

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Morando há 18 anos no mesmo lugar, a família de Bianca pretende continuar no local, de onde o sustento vem da agricultura. A vaca, o porquinho, o gato, os cachorros e o cavalo apelidado de Jeca-tatu, são alguns dos motivos que fazem Bianca gostar da vida no campo. A tranquilidade só divide espaço com o som da natureza, da água que toca as pedras e dos animais que a jovem adora. Mesmo com os desafios que se apresentam no dia a dia, o sorriso, por vezes tímido, costuma aparecer. “Ela é tudo em nossa vida”, acrescentam os pais.

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Nathana Redin

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Nathana Redin

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