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TALENTOS DA COMPUTAÇÃO

Falta de profissionais de informática limita o crescimento das empresas em Santa Cruz

Foto: Alencar da Rosa

Aos 28, Anderson começou em uma empresa local e depois migrou para consultoria internacional, trabalhando de forma remota

Um dos legados da pandemia, a aceleração da digitalização de processos impôs ao mundo o agravamento de um problema: a falta de profissionais de informática. Ainda que a tecnologia esteja cada vez mais integrada à rotina, o que gera uma procura crescente por novos produtos, empresas enfrentam dificuldades para se expandir por carência de mão de obra. E Santa Cruz não escapa a essa realidade: calcula-se que a demanda hoje no setor chegue a entre 200 e 300 trabalhadores.

A estimativa é da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação dos Vales do Rio Pardo e Taquari (Ativales). Embora não seja de agora o descompasso entre a oferta de programadores e as necessidades do mercado, a massificação do trabalho remoto tornou o cenário ainda mais delicado, uma vez que muitos profissionais foram captados por organizações dos grandes centros do Brasil e do exterior.

Com isso, falta gente para atuar nos negócios locais, o que limita o crescimento de um mercado aquecido e estratégico para o desenvolvimento regional. “Algumas empresas estão perdendo equipes inteiras e a recolocação está muito difícil. Na minha empresa, temos três vagas de programador sênior abertas há três meses e não encontramos profissionais”, conta o CEO da Idealogic Software, Eduardo Kroth. A situação também afeta empresas de outros setores que contam com profissionais de TI em seus quadros.

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Boa parte dessa fuga se dá para empresas de países como Austrália e Canadá que, por também enfrentarem escassez em seus territórios, buscam cada vez mais talentos fora. Além da oportunidade de uma experiência internacional, os profissionais são atraídos pelos altos salários, em muitos casos pagos em dólar. “Salários de cinco dígitos estão muito comuns. E as empresas locais não conseguem cobrir isso. Nossos funcionários recebem quase semanalmente propostas de emprego”, observa Kroth. O quadro é tão crítico que, na Idealogic, foi criado um departamento específico para captação de pessoas.

Segundo o coordenador dos cursos de computação da Unisc, Leonel Tedesco, muitos estudantes concluem a formação já colocados no mercado. Em alguns casos, empregam-se ainda no primeiro ou segundo ano. “Os alunos saem com certa experiência de mercado e muitos acabam entendendo que podem se candidatar no exterior. É uma área que, sabendo inglês, não tem fronteiras”, analisa.

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Situação é entrave para a economia

A Ativales tem atualmente nove associadas, mas o número de empresas ativas na região é mais do que o dobro. Conforme o vice-presidente da entidade e CEO da Awise/QuantoSobra, Ricardo Severo, há casos de profissionais que passaram a ganhar o equivalente a R$ 40 mil por mês em empresas de fora. Aqueles com nível pleno chegam a ganhar entre R$ 12 mil e R$ 16 mil, enquanto os iniciantes recebem, em alguns casos, R$ 5 mil ou R$ 6 mil. “Em qualquer empresa, pelo menos um profissional foi perdido. Na minha, perdi dois. Há uma empresa na cidade que gostaria de contratar cem pessoas.”

O reflexo disso atinge toda a economia, na medida em que as empresas deixam de crescer e muitas vezes nem conseguem dar conta das próprias demandas. “A velocidade com que a gente consegue entregar hoje é muito limitada porque não temos profissionais. Poderíamos estar com uma equipe maior, faturando mais e gerando mais arrecadação para o município”, acrescenta Severo.

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Embora muitos talentos que se empregam em empresas de fora sigam morando no município, os empreendedores alegam que, se as organizações locais pudessem crescer mais, a circulação de recursos na economia seria bem maior. “Uma metalúrgica, por exemplo, provavelmente vai comprar matéria-prima de outro lugar, o que significa que parte da receita vai para fora. Em uma empresa de tecnologia, a receita fica integralmente aqui. E é uma empresa limpa, que não gera poluentes”, alega Eduardo Kroth.

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Trabalho em casa e salário quatro vezes maior

O aquecimento do mercado de computação faz com que os profissionais tenham uma ascensão rápida na carreira, ainda que isso implique em “fuga de cérebros” para o exterior ou capitais. É o caso do santa-cruzense Anderson Rodrigues, que aos 28 anos está empregado de forma remota em uma empresa internacional.

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De origem simples, Anderson se interessou por informática ainda na infância, quando gostava de jogar pela internet e fazer sites e blogs. Já adolescente, decidiu que queria trabalhar na área e, após fazer cursos de assistente administrativo e ajustador mecânico, trabalhar primeiro em uma lancheria e depois em uma escola, obteve uma bolsa via Pronatec para estudar na área. Foi ainda durante o curso técnico, antes de ingressar na graduação em Ciências da Computação, que conseguiu uma indicação para trabalhar em uma fábrica de softwares, onde ficaria por cinco anos até migrar, pouco antes da pandemia, para uma consultoria estrangeira pela primeira vez.

Segundo ele, embora já estivesse satisfeito com o retorno financeiro que tinha na empresa local, o emprego em uma organização de fora representou um ganho expressivo. “Eu pedia uma, duas, três vezes acima do que eu ganhava e ninguém discutia. É impressionante o quanto o mercado está valorizado”, conta.

Na sua visão, a falta de interesse pela computação, ainda que se trate de um campo altamente promissor, é consequência não só da complexidade da área mas também de uma falta de conhecimento sobre a profissão. “Eu falo para os meus pais que sou engenheiro de software e eles não têm a menor ideia do que eu faço”, comentou.

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Na mesma linha, o programador Vinicius Martins de Souza, com 26 anos e natural de Pantano Grande, acredita que o fato de a realidade da profissão ser muito diferente do contato que a maioria das pessoas tem com dispositivos eletrônicos afaste a curiosidade. Outro ponto é a exigência de domínio de inglês, que é fundamental no setor. “É uma área difícil para começar, muita gente começa e não gosta. Vai achando que é só mexer no computador e fazer o básico, quando na verdade é bem mais difícil”, observou. Embora more em Santa Cruz, Vinicius atualmente é empregado de uma empresa com sede na Califórnia.

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Solução começa na base, dizem analistas

A perda de quadros para empresas internacionais é apenas uma das explicações para o problema. Em outra ponta, apesar da grande oferta de ensino em informática, o número de profissionais formados é insuficiente. Um relatório recente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) projeta uma demanda de 159 mil talentos por ano até 2025 no País, enquanto o número de formandos é de 53 mil.

Na Unisc, por exemplo, somente em torno de 40 profissionais são graduados por ano – 20 nos cursos presenciais de Ciências, Engenharia e Licenciatura em Computação e 20 no curso a distância. Já no Senac, no curso técnico profissional que capacita para manutenção de computadores, construção de redes de computadores e desenvolvimento de softwares, são aproximadamente 20. A escola também possui uma graduação EaD em TI e um curso técnico integrado ao Ensino Médio que ainda não tiveram formados.

Ainda que as matrículas venham se mantendo estáveis e até crescido ligeiramente nos últimos anos, é consenso que a procura deveria ser maior, considerando a escalada da demanda por mão de obra em função do desenvolvimento de áreas como internet das coisas e ciência de dados. Para o coordenador dos cursos da Unisc, Leonel Tedesco, a ausência de conteúdos de programação e pensamento computacional no currículo da educação básica dificulta o interesse. “A computação é uma área complexa, as pessoas não têm ideia do que um programador faz. Há uma percepção de que é preciso ser um ‘nerd’ para entrar nesse setor”, observa. Conforme ele, a questão é crítica porque, com o avanço da automação, até profissionais de outros campos são cobrados para que possuam noções de computação.

Ainda hoje, no entanto, muitos jovens só têm acesso na escola a conhecimentos superficiais, como acessar a internet e usar aplicativos como Word, PowerPoint e Excel. Por trás disso, está uma deficiência na formação dos professores. “Temos iniciativas legais, alunos participando de olimpíadas de computação e robótica, mas são casos isolados. O ideal seria ter algum tipo de incentivo para formar professores para conduzir o ensino da área tecnológica”, completa Tedesco.

Para o coordenador do curso de Ensino Médio Técnico do Senac, Luiz Henrique Rauber Rodrigues, há necessidade de que a educação voltada à computação esteja presente desde as séries iniciais, como muitos países já fazem. Outra estratégia seria estimular a migração de profissionais de outras áreas para a TI, já que não há exigência de registro profissional. “Isso é possível de ser feito em meses, com a qualificação através de cursos, sejam rápidos como profissionalizantes e técnicos, ou longos como graduações”, analisou.

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