A escritora Clarice Lispector, criadora de figuras memoráveis na ficção, lança a pergunta no livro Um sopro de vida: e se todos nós, apesar de nos julgarmos originais, também fôssemos só personagens? Mais artificiais do que autênticos, mais reflexo do que luz? “Quanto a mim, sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém. É incômodo ser dois: eu para mim e eu para os outros”, diz a narradora da última obra de Clarice.
Ou, então, atores em uma longa peça de teatro – vá lá, uma série da Netflix. Sim, nada de novo: o convívio social exige muitas vezes esse “eu para os outros”, traquejo indispensável, até por questão de sobrevivência. Adaptar-se às circunstâncias faz parte do jogo, na medida do possível. O problema é quando viver como personagem toma muito, quase todo nosso tempo. É o que acontece no universo das redes sociais, por exemplo, onde somos provocados a permanecer sempre “conectados” com o mundo, acompanhando as postagens de gente que nem conhecemos – frequentemente, moldando nossa própria pessoa àquilo que esperam de nós.
O Facebook ainda é a maior rede social do mundo, com quase 3 bilhões de usuários ativos. E, segundo Mark Zuckerberg, comprometido a “continuar aperfeiçoando nossas ferramentas para dar a você o poder de compartilhar suas experiências com os outros”. Mas talvez, como diz o historiador Yuval Noah Harari, as pessoas precisem mesmo é de ferramentas para se conectarem com suas próprias experiências. “Em nome do compartilhamento, as pessoas são incentivadas a entender o que está acontecendo com elas em termos de como os outros as veem. Se acontece algo excitante, o instinto dos usuários é pegar seus smartphones, tirar uma foto, postá-la e esperar pelas curtidas. No processo, mal percebem o que eles mesmos estão sentindo. Na verdade, o que sentem é cada vez mais determinado pelas reações online”, diz Harari no livro 21 lições para o século 21. Mais reflexo do que luz.
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Quanto tempo de conexão você mantém consigo mesmo, para avaliar quais são seus reais pensamentos e sentimentos? Isso é diferente de apenas reagir a estímulos, como um rato numa experiência de Pavlov. É preciso, às vezes, sair da “nuvem” e sentir os pés firmes no chão.
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