O discurso em que o vereador de Santa Cruz Alberto Heck (PT) chamou de “teatro” o atentado a faca sofrido pelo presidente Jair Bolsonaro em 2018 teve novas repercussões nessa segunda-feira, 31, dentro e fora do município. Além de ter sido o principal assunto da sessão da Câmara de Vereadores, onde houve manifestações contra e a favor do parlamentar, a fala chegou ao Ministério da Justiça pelas mãos de um deputado federal e Heck voltou a se desculpar pelas palavras.
A declaração ocorreu na tarde do último sábado em frente ao Parque da Oktoberfest, local de concentração de protestos antiBolsonaro. Em discurso gravado por um aliado, Heck afirmou que o governo federal “se especializou em criar notícias falsas” e faz menção ao autor do ataque contra o então presidenciável, Adélio Bispo de Oliveira, chegando a sugerir que, se o atentado tivesse sido bem-sucedido, o país poderia estar “livre desse mal”.
Nessa segunda, o deputado gaúcho Sanderson (PSL) protocolou uma representação junto ao Ministério da Justiça, em Brasília, para pedir que a conduta de Heck seja investigada. Sanderson alega que as afirmações podem ser enquadradas nos artigos 286 (incitação ao crime), 287 (apologia ao crime ou ao ato criminoso) e 138 a 140 (calúnia, difamação e injúria) do Código Penal. “Trata-se de conduta que, além de criminosa e ofensiva à integridade do presidente da República, não condiz com a ética e o decoro que se espera de um parlamentar”, diz a representação.
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Conforme o assessor jurídico de Sanderson, Caíque Silva, se o ministério decidir dar prosseguimento ao caso, a investigação será conduzida pela Polícia Federal. Caso se conclua que houve crime, o próprio ministro da Justiça poderia encaminhar queixa-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) ou acionar a Procuradoria-Geral da República.
A fala de Heck já vinha repercutindo em nível nacional desde o fim de semana. Dois dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota), comentaram o assunto em redes sociais. “Que esse vagabundo maldito tenha em dobro tudo aquilo que ele deseja para meu pai”, escreveu Flávio.
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“Não foi apenas um erro, foi um crime”
A polêmica pautou os discursos nessa segunda à noite na Câmara e todos os vereadores que subiram à tribuna repudiaram a declaração de Heck. Embora alguns tenham chegado a defender algum tipo de punição contra ele, a sessão terminou sem qualquer encaminhamento nesse sentido.
Primeiro a falar, o presidente Ilário Keller (PP) disse que a manifestação de Heck não representa o pensamento do Poder Legislativo. “A responsabilidade total é dele”, afirmou. Keller acrescentou que, caso recebesse alguma denúncia, iria tratar o assunto “de forma imparcial”.
Os pronunciamentos mais incisivos partiram dos vereadores Serginho Moraes (PTB), Leonel Garibaldi (Novo) e Henrique Hermany (PP). Serginho afirmou que não se pode tolerar “palavras de ódio”, enquanto Garibaldi classificou o discurso de Heck como “infame” e “inadmissível”. “Passei a ter uma visão diferente do que eu tinha do senhor”, disparou.
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Na mesma linha, Henrique disse que a postura de Heck é “inconcebível” e sugeriu que o caso poderia levar a um processo de cassação de mandato – o que também havia sido citado por Garibaldi –, embora tenha descartado tomar a iniciativa de apresentar uma denúncia por ser líder de governo. “Não foi apenas um erro, foi um crime. O mínimo que essa Casa deve fazer é uma moção de repúdio, sob pena de estarmos coniventes.”
Outros parlamentares, ainda que também tenham repudiado a fala de Heck, saíram em defesa do petista. Bruno Faller (PDT) criticou o radicalismo e a polarização política e lembrou que, entre os críticos de Heck, estão pessoas que defendem “o extermínio da esquerda”. Já Carlão Smidt (PSDB) afirmou que o colega é “um ser humano” e, por isso, está suscetível a erros. “Quem não conhece Alberto Heck? O que se tem a falar quanto a sua idoneidade, sua integridade, seu comprometimento?”, alegou.
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“Aceito a crítica de quem defende a vida”, diz vereador
Diante de um plenário que silenciou para ouvi-lo, Heck voltou a se desculpar pela fala de sábado, mas afirmou que o episódio está sendo tratado “de forma demagógica” por adversários e que há uma “desproporcionalidade” nas críticas que vem recebendo. Segundo Heck, a “frase infeliz” foi proferida “no calor da indignação” e o objetivo era “fazer uma ironia”.
O petista alegou que sempre defendeu “a vida, o respeito e a democracia” e jamais desejou a morte de ninguém. “A grandeza de um homem não se mede apenas por seus feitos. Um homem sem humildade não tem grandeza”, alegou.
Heck disse ainda que está sendo vítima de “um linchamento político e público nas redes sociais” e afirmou ter registrado um boletim de ocorrência por ameaças recebidas contra ele e sua família. “Aceito a crítica e a cobrança de quem defende a vida. Não de quem defende as armas, festeja a morte e alimenta as redes do ódio”, criticou. Também citou diversas manifestações de cunho violento do presidente Jair Bolsonaro, como quando ele falou em “fuzilar a petralhada” durante a campanha de 2018.
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Heck mencionou a possibilidade de ser alvo de denúncia de algum colega e disse que, se isso acontecer, irá apresentar sua defesa. “Não vou fazer disputa de narrativa. Querem, com o recorte de uma frase infeliz, esconder a responsabilidade da denúncia por milhares de mortes que estão ocorrendo neste País.”
Protestos
Um grupo de cerca de 15 ativistas pró-Bolsonaro realizou uma manifestação em frente ao prédio da Câmara durante parte da sessão. Com cartazes onde se lia frases como “Santa Cruz não merece essa vergonha” e “Ódio do bem não existe”, os manifestantes cobravam uma punição a Heck. A ideia é entregar nesta terça-feira, 1º, a representação do deputado Sanderson ao presidente da Câmara Ilário Keller (PP) e pedir que sejam tomadas “medidas cabíveis”. Eles alegavam que a repercussão nacional da fala de Heck manchou o nome do município.
Minutos após a chegada do grupo, apoiadores de Heck também se juntaram em frente ao Legislativo. Com bandeiras do PT, eles estavam, segundo um dos participantes, prestando solidariedade ao vereador. Embora reconhecessem que a fala foi “infeliz”, alegaram que os apoiadores do governo estavam tentando “se promover em cima disso” e que o histórico de Heck mostra que ele sempre foi avesso a discursos de ódio.
Os dois grupos permaneceram na calçada durante boa parte da sessão e uma viatura da Brigada Militar chegou a se deslocar para acompanhar os atos, mas não houve incidentes. Todos os manifestantes usavam máscara.
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