O Solar do Almirante, em Rio Pardo, está sediando até o fim deste mês a exposição Rio Pardo: Ecos da Ancestralidade Negra. A mostra busca evidenciar histórias, cultura e contribuições da população negra para a construção do município por meio de documentos históricos, fotografias, arte, música, religião e outras manifestações que refletem a herança afro-brasileira que se somou à formação social. A visitação é gratuita e está disponível de quartas a sextas-feiras, preferencialmente para escolas, com agendamento. Nos sábados e domingos, é aberta ao público das 9 às 19 horas.
Conforme a curadora da exposição, Lila Ramos, o mês da Consciência Negra é o período ideal para revisitar a história e propor a reflexão de pontos sensíveis. Logo na entrada do Solar do Almirante, a primeira sala traz documentos e fotografias que tratam sobre a escravidão, entre eles uma carta de alforria.
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“Muita gente aqui em Rio Pardo diz que não tivemos muitos escravos e os existentes eram ‘de casa’, bem tratados. Mas o bem tratado de antigamente não é o nosso de hoje, sabemos disso”, afirma Lila.
Já a sala ao lado recorda a memória de Maria da Glória dos Santos, a Gogóia. Amplamente conhecida por emprestar seu nome para a Avenida do Samba durante o Carnaval, ela foi uma das grandes personagens da história de Rio Pardo. Além de ter sido costureira, dedicou quase toda a vida à escola de samba do coração, a extinta Unidos da Velha Guarda. Também lutou pela igualdade racial e a liberdade religiosa. “Ela tinha um grupo de dança afro, o Aruanã, e trabalhou isso aqui na cidade. Hoje tudo isso se perdeu, e estamos em busca de tentar recuperar de alguma maneira.”
Outro espaço foi dedicado às religiões de matriz africana. A curadora chama a atenção para o esforço de adaptação que os escravos tiveram que fazer, uma vez que eram obrigados a praticar a religião católica, a mesma dos proprietários.
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“São apenas expressões artísticas. Poderíamos ter trazido outras coisas, mas Rio Pardo não está preparada para isso”, afirma. Os visitantes podem ver de perto exemplos de oferendas para cada um dos orixás e também os tambores e outros instrumentos usados durante as celebrações.
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O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado nesta quarta-feira, 20, é comemorado em diversos municípios do Rio Grande do Sul, em especial nas 140 comunidades quilombolas certificadas e reconhecidas pelo Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares.
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Nessas comunidades, localizadas em 70 municípios gaúchos, vivem em torno de 25 mil pessoas – cerca de 7 mil famílias de remanescentes quilombolas no Estado. Esses dados são parte de um diagnóstico publicado em 2022, elaborado pela Emater/RS-Ascar e secretarias estaduais de Desenvolvimento Rural e da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação.
A Comunidade Quilombola Linha Fão, em Arroio do Tigre, é uma delas. Ontem, ela sediou o lançamento do audiovisual Comunidade Quilombola Linha Fão: cultura, entre histórias e vivências, retratando histórias, costumes e cultura do lugar, que tem 35 famílias.
A Linha Fão está em processo de titulação da terra junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O documentário será doado para a Secretaria Municipal de Educação e Cultura, bem como a escolas públicas e privadas de Arroio do Tigre, e divulgado nas redes sociais da Associação Quilombola. O objetivo é fortalecer a cultura afrodescendente e contribuir para sua visibilidade social junto às demais localidades do município.
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Já nos próximos dias 26 e 27, em Santa Maria, haverá aula presencial do curso de Aters com povos remanescentes de quilombos. O curso é promovido por Emater e Secretaria de Desenvolvimento Rural durante o ano, para extensionistas sociais e rurais. “Foram sete aulas virtuais com debates sobre a assistência técnica com povos tradicionais quilombolas e os seus direitos, trazendo gestores federais e estaduais para falar das ações com esses povos”, extensionista e coordenadora estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social (Aters) com comunidades remanescentes de quilombos da Emater.
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A região de Santa Maria tem muitas comunidades quilombolas. Durante o encontro, serão debatidos os direitos à inclusão racial das comunidades de remanescentes de quilombos.
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O Quilombo do Rincão dos Negros
O espaço onde ficava a senzala no Solar do Almirante deu lugar a uma grande exposição sobre o Quilombo do Rincão dos Negros, situado na localidade de Rincão das Pedras. Conforme Lila Ramos, as terras pertenciam a Jacinta Souza, uma descendente de portugueses que possuía mais de 80 escravos e era reconhecida pelo bom trato com todos eles. Antes de falecer, alforriou todos os cativos e deixou 2 mil hectares para eles. O quilombo se formou nessa área, no fim do século 18, e foi alvo de muitas disputas.
Ao longo do tempo, posseiros e estancieiros da região avançaram sobre as terras quilombolas. Em 2009, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conseguiu reaver e demarcar cerca de 500 hectares. “Muitos escravos acabaram vendendo as terras e fugindo. Eles eram perseguidos e houve mortes”, recorda Lila. Atualmente, o Quilombo do Rincão dos Negros tem 40 famílias e cerca de 150 moradores, todos pequenos agricultores que se dedicam à produção de alimentos orgânicos.
O lugar tem uma peculiaridade: a presença de duas igrejas, lado a lado, com a mesma padroeira, Nossa Senhora da Imaculada Conceição. Uma delas é conhecida como a igreja dos negros e foi erguida por eles no entorno de uma cruz que está preservada. Outra, a dos brancos, foi construída posteriormente. A líder comunitária é Joelita David Bitencourt, que luta para preservar o Quicumbi, a tradição de música e dança trazida da África pelos escravos e que está se perdendo com o passar dos anos.
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“Acredito que, para a população rio-pardense, está sendo muito relevante saber que existiu escravidão aqui e que o negro foi extremamente importante para a formação histórica do nosso município”, ressalta a curadora. Segundo ela, é muito comum enfatizar a cultura e a arquitetura portuguesa/açoriana, mas por trás de tudo isso estiveram os negros. “As pessoas negras que estão visitando a exposição saem daqui agradecidas e nos elogiando por termos feito.”
Sobre a exposição
A exposição Rio Pardo: Ecos da Ancestralidade Negra ficará no Solar do Almirante até o próximo dia 30, com acesso gratuito. Nas quartas, quintas e sextas-feiras, o atendimento é prioritário para escolas, mediante agendamento. Aos sábados e domingos, das 9 às 19 horas, o acesso é liberado para o público geral. A organização é da Associação de Amigos do Solar do Almirante, com recursos da Fundação Nacional de Artes (Funarte) e curadoria da produtora cultural Lila Ramos.
Promover a igualdade racial, a justiça social e o direito à diversidade, reconhecendo todos os sujeitos negros e brancos como dignos de inclusão e de dignidade, motivou a instituição do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro. A data remete à morte de Zumbi dos Palmares, guerreiro e protagonista da luta antiescravista, que morreu em 1695 em Alagoas, na Serra da Barriga. Além disso, o objetivo é discutir o racismo na sociedade.
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“Historicamente, o movimento negro disputa essa data de Zumbi dos Palmares, que veio em oposição ao 13 de maio, Dia da Abolição, que não é representativo para a comunidade negra. Foi uma abolição sem reparação, feita com uma lei de um único artigo. Então, a comunidade negra se vê representada por essa data”, analisa a extensionista e coordenadora estadual de Aters, Regina da Silva Miranda.
Ela ressalta que o 20 de Novembro é um ideário de militantes do movimento negro do Rio Grande do Sul. Um grande protagonista disso foi o poeta Oliveira Silveira, que sugeriu essa data, e também o movimento Zumbi dos Palmares, que existia no Rio Grande do Sul. Eles travaram relações com parlamentares negros, reivindicando a regulamentação dessa data junto ao Congresso Nacional.
“É importante ressaltar que não é só no 20 de Novembro. A sociedade brasileira tem que refletir todos os dias sobre isso”, diz Regina.
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