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“Existem mecanismos sociais que nos impedem de conseguir avançar”, diz cientista política

Denise: movimento sufragista rompeu restrição de acesso à política por mulheres

Não faz muito tempo, a política era um ambiente restrito a homens no Brasil. Foi apenas em fevereiro de 1932, há 90 anos, que as mulheres obtiveram o direito, garantido pelo Código Eleitoral, de votarem e serem votadas. E a razão para esse atraso histórico é, na visão da cientista política e ativista feminista Denise Mantovani, a mesma pela qual, nove décadas depois, as mulheres ainda enfrentam dificuldades para chegar a posições de liderança: apesar dos inegáveis avanços, a ideia construída culturalmente de que existem lugares definidos para homens e mulheres na sociedade persiste.

Conforme Denise, a hierarquia de gênero funciona como uma “estrutura invisível” que impede a entrada de mulheres na política e cria barreiras nos partidos à ascensão de mulheres. O resultado é uma brutal desigualdade: 85% das cadeiras na Câmara dos Deputados, atualmente, são ocupadas por homens, ainda que mulheres representem mais de 50% da população. “A lei garante a igualdade, mas existem mecanismos sociais que historicamente nos impedem de conseguir avançar. As pessoas aprendem desde muito tempo que a política não é um lugar para mulheres”, colocou.

Confira a entrevista completa:

  • O que a conquista do voto feminino representou para o protagonismo da mulher na sociedade?
    Se formos olhar no campo das ciências políticas o que significa ser cidadão, simplificando, diríamos que são pessoas providas de alguns direitos básicos – civis, políticos e sociais. Simbolicamente, o movimento sufragista têm a importância de chamar a atenção para a desigualdade de direitos, para a hierarquia entre homens e mulheres e para a exclusão das mulheres no que toca a direitos políticos, ou seja, o direito de votar e de ser votada. O esforço por essa conquista não começou no século 20. No século 19, por exemplo, apareceram mulheres que lutaram pelo direito ao voto de forma individual. Na Constituição de 1891, já havia esse tensionamento porque, apesar de as mulheres não terem sido incluídas no direito ao voto, o texto também não as impedia, o que gerou movimentos individuais. É sempre importante lembrar de Bertha Lutz, uma das primeiras parlamentares eleitas no Brasil, e da Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita. Esses elementos simbólicos mostram a importância do movimento feminista e da luta das mulheres por igualdade.
  • Olhando para trás hoje, é quase inacreditável que faz menos de um século que o voto era uma prerrogativa exclusiva dos homens. Por que demoramos tanto?
    Na verdade, ainda não chegamos à plenitude de uma sociedade equitativa, igualitária e que respeita as diferenças de gênero. As mulheres ainda sofrem porque nunca enfrentamos o elemento estruturante de uma sociedade machista, que é o elemento patriarcal. A conquista dos direitos políticos expôs a importância de discutir hierarquias de gêneros. Até hoje, pessoas pensam que mulheres são menos cidadãs, têm menos valor, que suas vidas valem menos. Essa hierarquia, que é milenar, é o grande problema. É uma ideia construída como natural de que homens estão acima das mulheres e que mulheres nasceram apenas para viver uma vida doméstica. Já avançamos muito, mas ainda precisamos lidar com isso, que é o que gera a violência doméstica e os feminicídios. O direito ao voto carrega consigo essa denúncia.
  • Nessas nove décadas, quais foram os principais avanços em termos de direitos e representatividade política da mulher?
    O avanço de poder votar e ser votada em qualquer esfera é muito relevante. Isso permitiu uma discussão sobre essas separações, essa construção de que existem lugares definidos para homens e mulheres. A luta pelo sufrágio das mulheres expõe essa falsa afirmação, essa construção patriarcal. O que esse movimento sufragista fez foi romper com essa lógica de nos colocar em um lugar e não nos permitir em outros, e dizer que o lugar das mulheres é onde elas quiserem.
  • Embora mulheres sejam maioria na sociedade, ainda há uma brutal desigualdade entre homens e mulheres na política. O que impede as mulheres de ocuparem mais espaços?
    Apenas 15% dos integrantes da Câmara [federal] são mulheres, o que mostra uma estrutura invisível que segue atuando para impedir essa condição de igualdade. A lei garante a igualdade, mas existem mecanismos sociais que historicamente nos impedem de conseguir avançar. As pessoas aprendem desde muito tempo que a política não é um lugar para mulheres. Ouvimos falar muito sobre as violências de gênero que as mulheres sofrem na esfera política, sejam vereadoras, deputadas, assessoras.
  • Nesse sentido, qual a importância da política de cotas?
    A existência das cotas para a disputa parlamentar é fundamental. Não fosse a obrigação colocada aos partidos de destinarem no mínimo 30% das candidaturas às mulheres, provavelmente não teríamos nem os 15% de representação. Ao contrário do que muitos dizem, essa representação baixa não é porque as mulheres não querem participar da política. É que a cultura machista posta hoje atua em consonância com uma estrutura dentro dos partidos que age para impedir essa igualdade de representação. O que ocorre é que, para termos um equilíbrio de 50% de representação, homens vão perder espaços e isso gera uma reação. Hoje, a destinação de recursos não é igual, as mulheres não são incentivadas a atuar na política, é construído que a primeira tarefa das mulheres é cuidar da casa e dos filhos, então a sobrecarga e a falta de tempo impedem que as mulheres constituam redes de relações sociais que permitam a elas ocupar esse espaço. Mesmo nos partidos de esquerda, os homens tratam de impedir. Os estudos mostram que há uma brutal resistência nas estruturas partidárias a permitir o acesso das mulheres.
  • As cotas de mandatos ainda causam controvérsia. O que a senhora pensa?
    Precisamos ter cotas dentro dos parlamentos também. Cito como exemplo o episódio da CPI da Covid, em que as senadoras tiveram que disputar, em pleno 2021, o espaço de fala dentro da comissão porque o regimento não previa mulheres. Isso é muito grave. Temos que revisar toda essa engrenagem que está construída a partir de uma ideia de que política é uma atividade exclusiva de homens. É preciso reverter isso dentro das famílias, dentro dos partidos e dentro dos parlamentos, garantindo a paridade dos assentos.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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Heloísa Corrêa

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