É um grupo de WhatsApp. Mais de 50 participantes. A uni-los, a experiência universitária nos anos 80 e a afinidade ideológica. Foram jovens sonhadores e rebeldes. Queriam um mundo melhor, menos desigual, mais solidário e livre. O tempo passou, alguns sonhos mudaram. O ceticismo agora é maior. O pessimismo também. Mas a essência permanece.
Pois neste grupo aconteceu algo inesperado dias atrás. Um dos administradores adicionou uma colega “daquela época”. Seu nome: Talita. O pessoal ficou intrigado. Ninguém lembrava de uma Talita na turma. E não havia foto no perfil para ajudar. A dúvida, claro, foi respondida em questão de minutos. Rápido como quase tudo no louco século 21: era o Roberto. Em processo de transição depois de um casamento, filhos, carreira.
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Nos dias seguintes, Talita adicionou uma fotografia atual. Uma senhora de roupas sóbrias que, sim, tinha a cara do Roberto. E que, no entanto, não era mais ele.
Não houve gafes. Ninguém fez referência ao antigo nome ou sugeriu alguma conversa sobre sexualidade e gênero. Bem, verdade seja dita, estavam surpresos. Afinal, todos lembravam do Roberto. Muito cabeludo, muito barbudo, um vozeirão de cantor nativista e o comportamento um tanto rude. Como disse um amigo no privado, o último sobre o qual eles imaginariam.
Foi inevitável. Naquele zap de libertários convictos, o anúncio mexeu com as entranhas. Mesmo os que não nutriam simpatia pela versão anterior da Talita se viram pensando na improbabilidade do ocorrido e no sofrimento que ela carregava. Ninguém passa sem marcas por uma virada dessas. Nem os que respeitam. Muito menos os que odeiam.
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O Brasil é um dos países que mais matam homossexuais e transexuais em todo o mundo. A maioria desses crimes fica impune. Os mais pobres e os negros enfrentam o mesmo drama. Somos uma sociedade preconceituosa que não se reconhece.
Sabemos que no quesito discriminação temos companhia. Os ataques racistas ao brasileiro Vini Jr., que joga na Espanha, dão bem a medida do problema. Não se trata de ações individuais e isoladas. São parte de uma cultura que parecia destinada à superação depois da Segunda Guerra. E que tem ressurgido em diferentes continentes forte como um veneno.
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Aqui, fingimos não saber. Não saber que temos a nossa própria barbárie. Uma barbárie sancionada pela falta de memória e pelo descaso. Um preconceito tão naturalizado que com frequência nem nos damos conta dele.
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