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Eu, bombeira: repórter relata experiência de um dia de combate ao fogo

Não é só a roupa de bombeiro que pesa. É a responsabilidade ao colocar aquela farda que tem um significado diferente. Eu posso dizer isso porque experimentei essa sensação. Na última terça-feira, juntei-me aos 25 alunos-soldados que estão em Santa Cruz do Sul, há quatro meses, para um treinamento organizado no interior do município. Fui uma entre apenas três meninas que realizam o Curso Básico Formação de Bombeiro Militar, que teve início em 16 de julho, com previsão de término no dia 31 de março do ano que vem.

Para os alunos-soldados, o treinamento durou quase 24 horas. Para mim, foi apenas uma manhã. Pode parecer pouco, mas foi o bastante para eu entender o que esses futuros bombeiros passam na preparação para as situações mais extremas envolvendo incêndio e resgate de vítimas. O que eles aprendem desde cedo – e o que mais me impressionou – é que nessa profissão ninguém trabalha sozinho. Na verdade, essa máxima vale para qualquer ofício, mas nesse a preocupação com o coletivo pode valer uma vida. 

Os bombeiros sempre trabalham em dupla. Enquanto o da frente, chamado chefe de linha, preocupa-se em conter as chamas, o de trás, que é o auxiliar de linha, precisa “ser os olhos” dos dois: ficar atento para que nenhum objeto os atinja. “Ele cuida o que tem ao redor, como algum objeto que possa cair, algum buraco. Tudo para garantir a segurança da guarnição e de uma possível vítima”, explica o sargento-disciplina do curso, Jader Edtt. “O bombeiro precisa entrar e fazer o trabalho dele da melhor forma e do jeito mais rápido”, salienta.

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O TREINAMENTO

Passo 1 – A roupa

Cheguei no local do treinamento (cheia de receios, é verdade) por volta das 9 horas. Para me juntar aos alunos, que já haviam sido divididos em cinco grupos com cinco integrantes, precisei vestir o uniforme que haviam separado pra mim com ajuda de uma das alunas. Quando coloquei a indumentária, a sensação que tive é de que até caminhar havia se tornado um desafio. Não é para menos. A roupa, feita com um material capaz de suportar uma temperatura de mil graus por até oito segundos, pesa de 10 a 12 quilos. Mas ela não é impermeável, ou seja, quando molha, fica ainda mais pesada. Em ocasiões nas quais o bombeiro precisa usar tubo de oxigênio, é preciso somar mais 20 quilos ao peso que o profissional está carregando consigo.

Passo 2 – A câmara escura

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Devidamente vestida, juntei-me a um dos grupos de alunos. Parti para uma atividade em um local que assusta até pelo nome: câmara escura. Na verdade, trata-se de uma sala com pouca ou nenhuma iluminação usada para realizar simulações de situações que poderiam ser reais. Usando uma máscara específica para proteger o rosto e com a viseira do capacete abaixada, recebemos as instruções do sargento João Carlos Nunes Sala. A ordem era apagar o fogo e sair dali. Parece tranquilo? Então vamos aos obstáculos: havia fumaça, escadas para subir e descer, túnel estreito e completa escuridão. 

Em situações como essa, os bombeiros precisam estar agachados, já que a fumaça se concentra na parte de cima. Com uma das mãos eles ficam em contato e, com a outra, percebem se há obstáculos nas laterais. Assim que entrei, me deu uma sensação de claustrofobia. Logo eu, que tenho o hábito de acender as luzes sempre que entro em um cômodo, me vi na completa escuridão. Nessa situação, é a orientação do colega que serve como guia. “Direita. Esquerda. Escada”, ia me avisando o aluno que seguia na minha frente. Eu fazia o mesmo: repetia as instruções ao bombeiro que vinha logo atrás. E assim seguimos, subimos e descemos escadas, encontramos o foco do incêndio, o colega simulou apagar e saímos dali. Desafio superado! 

A minha vontade era não mais entrar naquela sala. Mas nada é fácil na profissão, e eu estava ali para levar o treinamento a sério. Nada de regalias para a novata! E assim recebemos novas instruções. “Há um incêndio. Tem uma vítima no local. Vocês precisam salvá-la. Usem a corda-guia para não se perderem”, ordenou o sargento Sala. O colega da frente colocou a mão na porta para sentir a temperatura. Ele abriu e entramos agachados. Viramos para a direita, verificamos um dos cômodos. Nada. Seguimos. Fomos para a esquerda e lá estava a vítima (na verdade era um dos alunos, mas é preciso usar a imaginação, ok?). Havia uma porta por onde conseguimos sair e salvá-lo. Mais uma missão concluída com sucesso.

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Passo 3 – O fogo

“Tu passou protetor solar?”, me questionou o sargento Jader. A pergunta, que no primeiro momento pareceu estranha, depois fez sentido. Os bombeiros precisam cuidar da pele, já que o calor do fogo também pode causar queimaduras. Iria ter início a atividade que eu mais havia criado expectativa para participar: apagar as chamas. Para realizar essa atividade, há uns tonéis cheios de água, usada para resfriar a tubulação. Com gás, eles fazem o fogo. Se em uma situação real, a temperatura perto das chamas pode chegar a 2 mil graus, ali no treinamento o calor tinha cerca de 300 graus. 

Mais uma vez, um dos alunos-bombeiros recebeu a missão de me acompanhar. Em um primeiro momento, ele foi o chefe de linha. Eu, atrás, precisava cuidar para que nada acontecesse conosco. O auxiliar de linha também usa o braço para dar suporte ao colega, já que a água tem muita pressão. Depois, trocamos de funções. Aí, sim, foi como realizar um sonho de criança. Sabe aqueles filmes que a gente assiste em que aparece o bombeiro fazendo salvamentos e se tornando o herói? Foi assim que me senti combatendo o fogo. O sargento Jader me dava as instruções: com o esguicho mais fechado, a água atinge as chamas com mais força. Quando abre-se um pouco mais, a água protege os profissionais. Fui intercalando e, com a ajuda da minha dupla, demos fim ao incêndio.

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Passo 4 – Crossfit do bombeiro

A terceira atividade foi também a mais cansativa. É preciso levar em conta que, com a fadiga, o peso da roupa começa a incomodar mais. Eu e mais quatro alunos-soldados tivemos que cumprir um circuito, simulando o salvamento de uma vítima ferida. É tão cansativo que eles apelidaram de “crossfit de bombeiro”. E pode ter certeza de que faz jus ao nome. 

Nós tínhamos que correr, amarrar a vítima na maca, rastejar e conduzi-la a um local seguro e, em seguida, desamarrá-la. Por fim, correr com o extintor de incêndio que pesa 25 quilos (mais os 12 quilos da roupa, não esqueçam desse detalhe) e desenrolar a mangueira. E assim fizemos. A aluna que simulava ser a vítima até gritava, fingindo estar em perigo. Cada um de nós se posicionou em um canto da maca para empurrá-la – e foi nesse momento que entendi por que escolheram o colega mais leve. Se fosse um dos meninos, eu não teria conseguido concluir a atividade. Quem assistia tentava me apoiar: “Vai lá. Tu consegue. Agora falta pouco”. E com a ajuda dos colegas e as palavras de apoio, eu consegui, bastante ofegante, cumprir a tarefa.

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Passo 5 – O batizado

Já era quase meio-dia. Eu, sedentária, estava completamente cansada após passar pelo treinamento. Só queria tirar aquele uniforme pesado. Fui trocar de roupa quando uma das alunas (aquela que arrasou interpretando a vítima) entrou no banheiro: “O fotógrafo está chamando. Não conseguiu fazer boas imagens de ti apagando o fogo. Quer fazer de novo. Tu vai ter que recolocar a roupa.” Xinguei o Bruno (o fotógrafo) mentalmente e voltei. Foi aí que tive uma surpresa. “Todo mundo, para se tornar bombeiro, precisa passar pelo batizado”, disse o sargento Jader. Quando me dei conta, estava tomando um banho de mangueira. Pronto: a novata havia sido batizada. A água diminuiu o cansaço causado pelas atividades e, mais que isso, fez com que eu me sentisse acolhida por essa corporação.

O CURSO

Santa Cruz é uma das sete cidades do Estado que possuem o Curso Básico de Formação Bombeiro Militar. Os alunos-soldados fizeram o concurso em 2014 e aguardavam serem chamados, o que ocorreu em junho. O sonho de combater o fogo e salvar vidas motivou 22 dos 25 alunos a saírem de suas cidades para investir em um sonho. Muitos deles, que têm aula de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, e ainda cumprem serviço nos fins de semana, ficam no alojamento disponível no quartel. 

Além da rotina cansativa, a saudade de casa é mais um dos obstáculos. Francisco de Paula Colomby Simões, de 29 anos, deixou a esposa em Passo Fundo para se dedicar à carreira. “Ela faz Direito lá. Precisava terminar. Eu também estudo aqui. É uma situação temporária. Logo a gente está junto de novo”, conta. Foi a companheira, aliás, quem o incitou a investir na profissão. “Ela quem me falou para fazermos o concurso. No fim, fui eu que passei”, conta, aos risos. Para ele, os desafios valem a pena. “Toda criança que vê aquele caminhão, com a sirene, sonha em ser bombeiro. Comigo não foi diferente.”  


Francisco de Paula Colomby Simões deixou a esposa em Passo Fundo | Foto: Bruno Pedry

Na mesma semana em que passei pelo treinamento, os alunos-soldados participaram de uma atividade focada em treinamento na altura, em Minas do Camaquã. As atividades em Santa Cruz tiveram como instrutores, além dos sargentos Sala e Jader,  Flávio André Müller dos Santos e Sandro Luiz Figueiredo Cunda.

Naiara Silveira

Jornalista formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul em 2019, atuo no Portal Gaz desde 2016, tendo passado pelos cargos de estagiária, repórter e, mais recentemente, editora multimídia. Pós-graduada em Produção de Conteúdo e Análise de Mídias Digitais, tenho afinidade com criação de conteúdo para redes sociais, planejamento digital e copywriting. Além disso, tive a oportunidade de desenvolver habilidades nas mais diversas áreas ao longo da carreira, como produção de textos variados, locução, apresentação em vídeo (ao vivo e gravado), edição de imagens e vídeos, produção (bastidores), entre outras.

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Naiara Silveira

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