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Estrutura circular realça enormidade da tragédia que Nolan recria em ‘Dunkirk’

Em agosto de 2015, Joshua Levine conta em seu livro Dunkirk – A História Real por Trás do Filme, Christopher Nolan marcou um encontro com o desenhista de produção Nathan Crowley na praia de Dunquerque. Andaram por ali, (re)conhecendo o espaço. Nathan disse a Levine – “Já estávamos meio cansados, mas a caminhada foi essencial para a compreensão do filme.” A definição do espaço. O filme começa sob o signo da urgência.

Um grupo de soldados avança pelo perímetro urbano. Torna-se alvos de um inimigo que Nolan não mostra. O tiroteio é intenso. Cai um, caem dois, três. Tommy corre desenfreadamente. Chega à barreira dos aliados, que transpõe. Avança e é através do seu olhar que Nolan descortina a praia a perder de vista. O teatro de operações.

Nathan definiu para Levine o sentido de Dunkirk – “O movimento circular do filme, o eterno ‘dia da marmota’ para os soldados que saíam da praia, mas tinham seus barcos afundados e tinham de voltar.” O molhe, o mar e o ar. O mar sem navios, os soldados acuados, vítimas fáceis para o bombardeio aéreo dos alemães. Alguns poucos Spitfires, os aviões dos britânicos. Tommy na praia. Mark Rylance e o filho no barco civil e Tom Hardy no ar. Não sabemos muito, quase nada, sobre nenhum desses personagens, mas sabemos o essencial sobre o papel que cada um terá nessa verdadeira epopeia. Um casal, Nolan e a mulher, a produtora Emma Thomas, armou todo esse circo. A ideia foi dela, mas coube a ele ter a visão do que poderia ser o filme.

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Dunquerque já apareceu pontualmente em alguns filmes, mais recentemente em Desejo e Reparação, que Joe Wright adaptou do romance de Ian McEwan. Além de pouco conhecido, na ‘América’, o episódio carrega o peso de uma derrota, uma catástrofe militar. Dois elementos praticamente impossíveis para uma empresa cinematográfica dos EUA. Nolan e Emma insistiram, convencidos da universalidade de sua história. Salvar aqueles homens, naquela praia, mudou o curso da 2.ª Guerra. Ninguém soube disso melhor que o próprio Winston Churchill, que manipulou, no Parlamento, o estado de espírito do país ao receber seus rapazes de volta. As retiradas, com certeza, não foram vitórias militares, mas conseguiram o milagre de uma ‘libertação’.

Para muitos historiadores, Dunquerque virou uma experiência quase religiosa para o povo britânico. Numa guerra que parecia perdida, e dentro da maior adversidade – uma derrota -, aquele foi o momento em que as coisas começaram a andar bem. Malgrado o caos, centenas de milhares de vidas foram salvas. O roteiro não fantasia. Mistura histórias de covardia com outras que inspiram compaixão. Mostra isso por meio das ações de Tommy e dos personagens de Mark Rylance e Tom Hardy. E ainda existe o almirante na ponte do molhe – o majestoso Kenneth Branagh. Ele olha, e Nolan não corta para o que está vendo. Momentos de angústia e relaxamento. Três tempos, um espaço. 

Três espaços, um tempo. Nolan já jogou com a perspectiva na criação do labirinto à M.C. Escher de A Origem. Faz isso de novo na complexidade da estrutura espaço/temporal de Dunkirk. É um grande filme. Estreia no mesmo dia de outro grande filme, completamente diverso – Em Ritmo de Fuga, de Edgar Wright. O cinéfilo só tem de se regozijar por isso.

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Nolan faz da catástrofe militar de Dunquerque uma epopeia digna de Ford

Dunkirk – a distribuidora Warner preferiu manter a grafia (e o título) em inglês. Em português, é Dunquerque. Como e por que, no competitivo mundo atual, que só se interessa por histórias de vitoriosos, contar a história de uma derrota? Como torná-la inspiradora? Na orelha do livro de Joshua Levine – Dunkirk – A História Real por Trás do Filme – está escrito. “Os eventos reais da retirada de Dunkirk, durante a 2.ª

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Guerra Mundial, impressionam até hoje. Sob intenso bombardeio, mais de 300 mil soldados das forças aliadas da Grã-Bretanha e da França foram evacuados da cidade francesa de Dunquerque para Dover, na Inglaterra. Foi uma corrida contra o tempo, após uma emboscada do Exército alemão, avançou rapidamente pela França e deixou as tropas aliadas sem outra alternativa que não a fuga imediata.”

O cinema prefere as histórias de vitórias, que permitem celebrar o heroísmo. Difícil é buscar, na derrota, uma forma de celebrar o engenho humano. John Ford – a grandeza dos derrotados. O livro de Levine arma o teatro de operações e conta as histórias dos envolvidos. Levanta ‘cases’, histórias individuais que ajudam a construir o todo. 

A retirada de Dunquerque ganha agora uma nova perspectiva, um novo olhar, e é o de Christopher Nolan, o autor da trilogia do Cavaleiro das Trevas e também de A Origem e Interestelar. Um capítulo inteiro do livro editado no Brasil pela HarperCollins, o de número 11, é dedicado ao filme. Uma nova Dunkirk. Emma Thomas é a mulher e produtora de Nolan. Ela já lhe trouxe muitas ideias, mas na maiorias das vezes, embora intrigado, ele não vê como transformar esses possíveis projetos em filmes. No caso de Dunkirk, Nolan mordeu a isca da mulher.

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Ele leu muito, e pesquisou muito, para entender a mecânica do evento. E só depois começou a pensar em como contar a história. Numa atitude inédita, Emma e Nolan foram à cúpula da Warner com o roteiro pronto, sabendo como ele ia contar a saga de Dunquerque. Três linhas narrativas – o molhe, o mar e o ar. Pediram bem menos dinheiro do que para qualquer dos Batmans. Uma derrota não pode ser contada com excesso de dinheiro. A dificuldade material torna-se, ela própria, inspiradora. Alguns personagens-chave. O garoto que corre na praia. O piloto que, do ar, ao aterrissar sem combustível na areia da praia – Tom Hardy -, vira o símbolo de tudo. John Ford, o Homero de Hollywood como fonte de inspiração. Nolan e a mulher. E a arte de transformar uma catástrofe militar numa história de superação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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