Velha conhecida dos produtores rurais, mas não amiga, a estiagem no Rio Grande do Sul está associada ao fenômeno climático La Niña, que tem relação com as variações dos padrões médios normais da Temperatura da Superfície do Mar (TSM), com temperaturas do oceano mais baixas do que o normal na região do Oceano Pacífico.
A explicação é do engenheiro ambiental e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) Marcelo Luís Kronbauer. Ele também destaca que as previsões de anomalia da TSM para janeiro, fevereiro e março de 2023, nos modelos numéricos de previsão climática analisados pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), indicam que as águas sobre o Pacífico Equatorial devem permanecer mais frias do que a média histórica. Ou seja, demonstram certa probabilidade de persistência do La Niña sobre o Oceano Pacífico.
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A estiagem no Rio Grande do Sul ocorre consecutivamente há, pelo menos, três verões. Por isso, a preocupação: o fenômeno deve continuar nos próximos? Mas, conforme Kronbauer, ainda não é possível prever o verão seguinte. “Alguns cenários indicam o início de uma fase de transição entre La Niña e El Niño, porém ainda não se pode afirmar que irá ocorrer a reversão total do evento. O que podemos afirmar, ao menos até março, é que se manterá a condição de irregularidade nas chuvas, como temos enfrentado até aqui.”
Conforme o engenheiro ambiental, pode-se imaginar perdas significativas em várias culturas, mas é difícil prever em termos financeiros o que isso irá representar ao Estado. “Na safra de 2022, os prejuízos chegaram a R$ 36 bilhões. Dependendo do que teremos nas próximas semanas, podemos chegar próximo a isso novamente.”
Kronbauer explica que o cenário é preocupante no que diz respeito aos recursos hídricos utilizados para o abastecimento da população. “Com o terceiro ano seguido de estiagem, e com regimes de chuva irregulares, a recarga dos mananciais subterrâneos não ocorreu adequadamente, prejudicando o fornecimento de água nesse período. Nossos recursos hídricos estão no limite!”, alerta.
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Apesar de não ser novidade no Rio Grande do Sul, quando a estiagem chega ainda são verificadas dificuldades para colocar em prática medidas efetivas que amenizem os problemas. Para Marcelo Kronbauer, essa é uma questão complexa. “Há diferentes escalas em que essas ações podem acontecer. Mas, de uma forma geral, vejo que a nossa dificuldade de enfrentamento da estiagem está associada a não implementarmos o conjunto de ações previstas nos Planos de Bacia que temos instituídos nas diferentes bacias hidrográficas do Estado”, salienta o engenheiro ambiental.
Doutorando em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Kronbauer acrescenta que um fator que pesa é a falta de recursos humanos e financeiros na área. “Para reverter isso, vários elementos previstos na nossa Política Estadual de Recursos Hídricos deveriam sair do papel, entre eles a cobrança pelo uso da água. Porém, há uma resistência muito grande de parte da sociedade em relação a isso. E, sem essa fonte contínua de recursos financeiros, é complexo tirarmos do papel boa parte do que foi planejado.”
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Desenvolvido em Vera Cruz desde 2011, e uma referência para a região, o programa Protetor das Águas é coordenado pelo engenheiro ambiental Marcelo Kronbauer. Naquele ano, quando o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) ainda era algo pouco conhecido no Sul do Brasil, foi lançado em Vera Cruz o projeto inovador, por meio do qual os proprietários rurais passaram a receber recompensa financeira pela contribuição com a preservação dos recursos naturais. Tornaram-se, além de produtores rurais, também “produtores de água”.
Kronbauer destaca que o local escolhido para implantação do projeto-piloto foi a bacia hidrográfica do Arroio Andréas, justamente devido a sua importância para o abastecimento urbano do município. “O princípio que rege os programas de PSA é o de que o ambiente natural ou os ecossistemas são fornecedores de bens e serviços essenciais à sobrevivência e ao bem-estar dos humanos.” Acrescenta que o programa serve de inspiração para outros municípios, como Santa Cruz do Sul, que deve começar esse tipo de iniciativa na região do 9° distrito, a fim de proteger e recuperar nascentes e cursos da água que abastecem o Rio Pardinho.
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Pioneiro no projeto, o produtor de tabaco orgânico Marcos Koehler, de 62 anos, viu, ainda na década de 80, um problema no arroio que passa perto de sua propriedade, em Linha Andréas, no município de Vera Cruz. “Em 1982, meus pais queriam vender essa terra, aí eu voltei. Nessa época, eu já percebi que o Arroio Andréas começava a ficar fraco. Desde lá, eu já procurava o pessoal para tentar ajudar, mas ninguém me deu muita bola.”
A situação mudou em 2010, quando uma equipe da Unisc o procurou para falar sobre o Protetor das Águas. “Eu saí com eles à procura das pessoas para ver se conseguia conscientizá-las. De cada dez, oito não queriam, porque era algo novo”, relembra o agricultor. A mudança de comportamento aconteceu: hoje já são 67 produtores de Vera Cruz que aderiram ao programa, e ainda há 33 na lista de espera.
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Projetos como esse visam restaurar ambientes degradados e recuperar especialmente sua vegetação nativa, auxiliando nos períodos de seca. “É reconhecido que a recuperação da vegetação condiciona a recuperação das propriedades do solo, especialmente a porosidade. Com um solo mais ‘fofo’ devido à presença de matéria orgânica, aumenta a taxa de infiltração de água, o que aumenta a recarga dos mananciais subterrâneos, que têm um maior potencial de entregar água em um período de estiagem”, detalha Kronbauer.
Uma das formas de reduzir os impactos da estiagem é o manejo de solo adequado. O assistente técnico regional da Emater/RS-Ascar Josemar Parise explica que, com 15 dias de estiagem, as plantas já entram em déficit hídrico. “É preciso buscar a profundidade do solo. Quando a raiz consegue buscá-la, cada centímetro de profundidade é um milímetro de água disponível do solo. Se a raiz conseguir descer 40 centímetros, é como se fosse uma chuva de 40 milímetros. Isso é decisivo no momento em que a planta mais precisa”, cita.
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Ainda segundo Parise, nos trabalhos de campo da Emater, ao observar os impactos, verifica-se que os danos são bem menores quando é feito tal manejo. “Cai pela metade: em vez de perder 50%, a perda vai em 20%, 25%. É uma tecnologia que tem que ser iniciada em pequenas áreas e o próprio agricultor observa. Vai ter custo de compactação do solo, mas para isso existem as políticas especiais de financiamento para buscar essa fertilidade. Assim, em anos bons tem-se altos picos de produtividade, e em anos ruins tem-se menos quebra de produtividade”, afirma.
À medida que acumulam perdas com as estiagens, as famílias, especialmente de agricultores, alimentam a expectativa de alternativas que ajudem a reduzir esses impactos. No entanto, o que poderia ser solução logo se transforma em frustração diante de uma série de fatores que dificultam o acesso a programas e políticas públicas que poderiam contribuir para uma melhora nas condições de vida. Da mesma forma, a falta de recursos próprios para investir em armazenagem ou irrigação acaba por agravar o cenário.
E, mesmo que não se trate de algo novo, uma vez que a falta de chuva tem se tornado cada vez mais recorrente, são poucos os movimentos que visam, de fato, apresentar uma solução para o problema.
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“Temos uma sucessão de acontecimentos semelhantes, que são conhecidos em razão de suas proporções e prejuízos, mas carecemos de respostas efetivas entre todos os envolvidos. Com isso, forma-se um círculo vicioso”, analisa a bióloga Verushka Goldschmidt Xavier de Oliveira, administradora e mestre em Desenvolvimento Regional pela Unisc. Em sua dissertação, ela pesquisou as percepções acerca da estiagem em 13 municípios que compõem a Bacia Hidrográfica do Rio Pardo.
Para o trabalho, a pesquisadora utilizou como parâmetro as estiagens de 2012 e 2020, consideradas as mais severas dos últimos tempos. Foram ouvidos produtores rurais e também gestores responsáveis pelos recursos hídricos, que reforçaram a necessidade de medidas concretas na região. “Muitas vezes as dificuldades ocorrem por questões técnicas, financeiras ou culturais, de se buscar meios para modificar esta realidade”, complementa.
As medidas de caráter público desenvolvidas pelo governo estadual ou por prefeituras, por mais que tenham sido importantes, não foram suficientes ou eficientes. Um exemplo disso, segundo Verushka, ocorre no caso de poços. Foram relatados casos em que os recursos vieram apenas para a perfuração, sem contemplar a construção das redes para abastecimento.
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A associação desses aspectos a fatores climáticos, uma vez que a frequência com que ocorrem as estiagens vem aumentando, tem como consequência a queda na produtividade agrícola, que acaba se refletindo na renda e na qualidade de vida das famílias. “Como há registros frequentes desse tipo de ocorrência, a adoção de ações preventivas de caráter estrutural, como construção de poços e açudes, e também iniciativas com foco ambiental pelo viés da preservação dos mananciais são medidas urgentes”, reforça.
O ciclo das estiagens também traz uma consequência de caráter social. Ao acumularem perdas, e sem perspectivas de mudança nessa realidade, famílias do meio rural acabam tomando o rumo da cidade. “Da mesma forma como ocorre em outras regiões do Estado e do País, na área de pesquisa esse fluxo ainda é verificado por fatores como envelhecimento da população rural e porque os jovens vão para a cidade em busca de melhores condições, inclusive de água”, diz Verushka.
Colaborou o jornalista Dejair Machado
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