A pequena casa verde de madeira no Bairro Belvedere, em Santa Cruz do Sul, guarda um punhado de esperança. É lá que Estéfani Gomes Borges, de 23 anos, vê os anos passarem num misto de perdas, alegrias, saudades e muita fé. Na companhia diária de Nossa Senhora Aparecida, cuja imagem ocupa lugar especial na sala, ela também coleciona histórias de superação.
A primeira delas foi na véspera do aniversário de 15 anos, quando viu o sonho da festa dar lugar à perda precoce da mãe, aos 38 anos de idade. A dor da saudade, no entanto, ficaria ainda maior. Oito meses depois, o pai de Estéfani morreu, aos 36 anos, vítima de um tumor no cérebro. Foi então que a avó de Estéfani decidiu deixar a casa ao lado, no mesmo terreno, para passar as noites com os netos. Era uma tentativa de amenizar a tristeza de Estéfani e do irmão Estevan, na época com 10 anos. Daquele momento em diante, a vida ganhou um novo sentido e nenhuma dificuldade seria forte a ponte de fazer a jovem desistir.
Em meio ao desafio da graduação, outra perda
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Após concluir o ensino médio na Escola Santa Cruz, Estéfani quis cursar uma faculdade. Prestou vestibular para os cursos de Engenharia de Alimentos na Universidade do Vale do Taquari (Univates) e Nutrição, na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Passou nos dois processos seletivos e escolheu ficar. Não deixaria o irmão. Com uma fonte de renda de dois salários mínimos, fruto da pensão, a matrícula na graduação, em fevereiro de 2014, só pôde ser efetivada com a ajuda de uma amiga, a cabeleireira Inês Silveira.
Para o restante, contudo, Estéfani conseguiu financiamento de 100% do valor, o que tornou possível seu primeiro grande sonho. Dali em diante, viveu uma rotina intensa de estudos. Saía de casa pela manhã bem cedo e aproveitava o turno para estudar nos laboratórios e biblioteca da universidade. À tarde e à noite aprendia com os professores em sala de aula. Nos intervalos, aproveitava para dormir pelo campus, necessidade que não conseguia cumprir em casa.
Estudos, afazeres domésticos e projetos ocupavam a madrugada e o lugar dos sonhos. “Eu saía de mala e cuia para a Unisc”, conta. Na falta de ônibus urbano, para voltar para casa pegava carona com um coletivo que ia a Passo do Sobrado. Às vezes, contudo, se aventurava a fazer o trajeto a a pé do Centro até o bairro. Atingir o fim da forte subida da Avenida Léo Kraether era compensador. Ao chegar no chalé, diante do prato de arroz e feijão preparado pela avó, que a esperava todas as noites, o cansaço dava lugar ao afeto. O ritual seguiu por três anos, até Estéfani ser supreendida pela morte da avó, em 30 de dezembro de 2016. “Pensei em desistir. Quem é que iria me esperar toda noite? Mas aí eu lembrei da felicidade dela em me ver chegando de jaleco e crachá. Foi quando eu decidi continuar estudando, não por mim, mas por ela e pelos meus pais.
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QUASE LÁ
Os semestres foram passando e Estéfani, enfim, se viu no último. Antes disso, já havia os preparativos para a solenidade, a sessão de fotos e a impressão de que uma festa seria inviável financeiramente. “Já foi muito difícil conseguir juntar R$ 2 mil para a produtora”, recorda. Seis meses antes da grande data, contudo, a jovem decidiu encontrar uma forma de arrecadar fundos para, quem sabe, oferecer um churrasco de comemoração.
E assim, ainda encontrou tempo para aprender a costurar. A partir de tutoriais na internet, aprendeu a confeccionar lembrancinhas em feltro para recém-nascidos. Entre enfeites de portas, chaveiros e muitas outras criações, quis mais. Passou, também, a produzir sacolés para oferecer aos vizinhos por R$ 1,00. Ao fim do semestre, os R$ 853,00 que conseguiu arrecadar com as vendas foram suficientes para pagar o vestido, os comes e os bebes da festa organizada por familiares e amigos.
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Agora, enquanto o irmão está prestes a se alistar no Exército, Estéfani relembra o dia em que recebeu o diploma, no auditório central, em janeiro passado. “Não tem como descrever esse sentimento único de ver todo mundo te aplaudindo.” Para ela, que sentiu em alguns olhares o preconceito, entre os próximos planos estão realizar o sonho da mãe de adquirir a casa própria, continuar estudando e, quem sabe, comprar um automóvel.
“Nós recebemos um valor quando fiz 18 anos. Poderia ter comprado bolsas, sapatos e roupas, mas escolhi fazer a CNH já pensando nas oportunidades de emprego”, comenta. Essa sensatez para determinar o que fazer ou não, Estéfani acredita ter herdado dos pais. “Eles sempre nos disseram para não depender de ninguém. Fomos muito bem educados. Parecia que eles estavam nos preparando para tudo isso.” É essa herança, aliás, que tem motivado a nutricionista – que brinca ao dizer que tem um filho de 18 anos – a apostar em educação. “É uma forma de investir no que é meu e, também, dos meus pais.” E para ela, que já precisou optar entre ter o que comer ou pagar os estudos, a própria história pode ser um prato cheio de inspiração para muita gente.
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