Em uma tarde de verão de 2012, eu estava em uma reportagem sobre o assassinato de um garoto de 16 anos, em um bairro da Zona Sul. Algo que se tornaria bem mais comum nos anos seguintes. Uma menininha se aproximou. “Tia, o que tu faz no meu bairro?”. “Estou trabalhando”, respondi. “Hum, e que idade tu tem?”. “25”, disse, pensando em como me assusta ver crianças nesses lugares. Ninguém deveria presenciar tragédias tão cedo. “E quantos filhos tu tem?”. Sorri com a curiosidade dela. “Nenhum”. A pequena me encarou de olhos arregalados. “25 e não tem nenhum?”.
Ela olhou então para o meu vestido longo, pouco prático para aquele local. Pensei que diria algo sobre minhas manobras para segurar vestido, bloco, caneta e celulares. Mas não. Então disparou. “Tia, tu tá muito bonita pra tá no meu bairro”. A frase inocente me atravessou sem licença. Só consegui responder algo vago, que não me recordo mais. A menina permaneceu ali perto do corpo. Eu juntei as informações e voltei para o jornal.
Lá se vão quase cinco anos e não esqueci dela. Se fosse somente a constatação de uma criança seria até engraçado. Mas as poucas frases representavam uma forma de ver o mundo. Resumiam as diferenças e a distância entre as nossas realidades. Desde então, sempre que vejo uma garota, tão jovem para ser mãe, com um filho nos braços, lembro dela. Quem sabe seja ela.
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Recordei dessa história mais uma vez quando ouvi nesta semana uma entrevista do Drauzio Varella. Questionado sobre a situação dos presídios, o autor de Estação Carandiru foi mais além. Não caiu na armadilha do óbvio. Drauzio lembrou que vivemos em um país de desigualdades. E que isso sim impacta na violência, que culmina nesse caos do sistema penitenciário. Um caos que passa por famílias desestruturadas e marginalizadas. Enquanto fecharmos os olhos para as desigualdades, vamos continuar vendo a violência crescer.
Drauzio contou também a história de uma jovem que seria avó aos 28 anos. E já se considerava velha. Um mundo tão difícil de compreender para quem não está nele. Mas tão necessário de ser entendido. Drauzio disse até que dada a pobreza existente a violência é menor do que poderia ser. Isso não quer dizer que a violência já não seja assustadora. É sim. E é claro que não há só violência na pobreza, mas a falta de perspectivas é um convite ao crime. E a violência é só uma manifestação dele.
Ouvi Drauzio, lembrando da informação divulgada esta semana de que oito pessoas concentram riqueza igual à de metade da população mais pobre do planeta. É um mundo muito desigual. O espaço aqui é curto para um debate tão amplo. Mas talvez possamos começar a mudar as realidades perto de nós. Dar mais oportunidades aos jovens, que hoje encontram uma porta no crime, e para essas meninas, que se tornam mães ainda crianças. Precisamos brigar para que direitos sejam mantidos e conquistados. Precisamos pensar no todo e não só no nosso terreno. E quem sabe um dia consigamos alterar o contexto em que vivem tantos. E encurtar, ao menos um pouco, essas desigualdades.
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