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Esse Machado

Machado de Assis (1839-1908), de origem humilde, alçou-se ao pico da literatura brasileira. Em outras colunas, já abordei temas de sua obra, mas ela é inesgotável, dela vertem pulsações sem fim e quem a lê fica impregnado para sempre. Mesmo decorrido tanto tempo de suas publicações, elas permanecem vivas, como se produzidas para cada circunstância do tempo presente. Por essa razão, é um clássico, daqueles que atravessam irretocáveis o tempo e o espaço.

Machado sucede a uma série de autores importantes para a literatura brasileira, uma vez que a consolidam como tal. É o caso de Alencar, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay, Manuel Antônio de Almeida (com seu hilariante Memórias de um sargento de milícias), os quais exibem bastante o Brasil da paisagem, dos tipos (o gaúcho, o sertanejo, o caipira), dos amores românticos, das exterioridades.

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Machado vai muito além. A paisagem exterior menos lhe interessa, preferindo mergulhar na profundeza do ser humano, mexendo no seu lado miserável, nos grandes fracassos e tristezas em que a alma navega ou se acha mergulhada. Traz à tona atitudes e sentimentos interesseiros, que tantas vezes flertam com a indignidade. Em vários de seus contos, encontram-se cenas até mínimas, mas a repercussão dos temas enfocados marca como ferro em brasa a sensibilidade de qualquer leitor. Para exemplificar, cito os contos “Pai contra mãe”, “O caso da vara” e “Conto de escola”.

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Falo de um autor que foi mestre na crônica, no teatro, na crítica, na poesia, no conto e no romance, gênero em que se sobressaem Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias póstumas de Brás Cubas. Este último é construído com capítulos curtos em que seu narrador, o próprio Brás Cubas, se apresenta um defunto relembrando as grandes peripécias da vida. “Não sou um autor defunto, mas um defunto autor”, adverte.

Nessa obra, o capítulo 21 – O almocreve – me marcou para não mais esquecer. Brás Cubas montava um jumento que começou a corcovear até derrubá-lo, ficando ele preso ao estribo. Quando a besta começava a disparar, foi contida por um almocreve que por acaso ali se encontrava. Almocreve era alguém que conduzia bestas, lidava com esses animais. Enfim, salvou a vida de Brás Cubas.

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Agradecido, o desastrado resolveu recompensar seu salvador. Lembrou que tinha cinco moedas de ouro no alforje. Daria três como gratificação. Então, começou a negociar com sua consciência: duas ou até uma seria suficiente. Com certeza, o pobre-diabo nunca tivera tanto. Mais um pouco, baixou a doação para uma moeda de prata e foi o que lhe deu. Vendo a imensa alegria do almocreve, arrependeu-se; poderia ter dado uma moeda de cobre e ele igualmente teria ficado contente. Afinal, estava ali por acaso e não fizera mais do que, por obrigação ou instinto, qualquer pessoa faria.

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Quando, diante de um acontecimento infeliz, um impulso de generosidade nos assalta, sejamos ágeis em atender. Quanto mais esperamos, a conta, a doação vai minguando, vamos reavaliando, até desaparecer. O episódio narrado parece trivial, mas não passa incólume por nossa vida. A tentação da mesquinhez, do egoísmo, da avareza não perde tempo para atacar. E a nossa capacidade de resistir é frágil, qualquer desculpa mínima nos planta a tranquilidade na alma e esquecemos até de contribuir com uma pequena moeda de cobre.

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