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Essas maquininhas

Era um sábado qualquer, pouco depois da meia-noite, e eu encarava um dilema antes de deitar para dormir: desligar ou não o celular?

De um lado, me atraía a ideia de ter um sono tranquilo, sem ser interrompido com o WhatsApp avisando que alguma criatura resolveu compartilhar um vídeo engraçadinho às quatro da manhã, ou que algum amigo acordou cedo e queria dar bom dia. Mas é claro que venceu o medo: e se algo realmente importante acontecesse? Por via das dúvidas, o bichinho ficou ligado.

Quando os telefones móveis se tornaram extensões do corpo humano, eu estava entrando na adolescência. Por isso, tenho vagas lembranças de como era o mundo sem eles. Lembro do dia em que meu pai comprou o primeiro aparelho – lá por 1998, creio. Era um tijolo, com botões duros e antena. Quando tocava, quase nunca, nós corríamos para atender, eu e meus irmãos.

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Não lembro do meu primeiro aparelho. Mas lembro que, quando todos já tinham os seus na minha escola, uma de nossas diversões era dar “toques”. Ligar e deixar chamar apenas uma vez. Sei lá para quê. Depois viraram moda aquelas mensagens de texto com combinações de caracteres que formavam desenhos fofos (ou pornográficos). E aí alguém descobriu que as ligações só eram cobradas após cinco segundos de conversa. Se isso é real, nem sei, mas criamos o hábito de conversar por meio de frases curtíssimas para não gastar o saldo. Sim, pois naquele tempo comprávamos cartões nas bancas e raspávamos com a ponta da chave para ler um código que servia para creditar o valor. 

Pois bem. Mesmo sendo filho da geração digital, me assombro com a dependência que criamos dessas maquininhas. Outro dia fui assistir a uma peça em Porto Alegre e, tão logo apagaram as luzes do teatro, enfiei no bolso o celular silenciado, decidido a me desconectar de tudo. Passou uma meia hora e o dito cujo vibrou. Me contive. Minutos depois, vibrou de novo. Resisti. Mas dali a pouco começou uma sequência e, é claro, pensamentos mil passaram a correr pela minha cabeça. E se fosse alguém querendo comunicar uma tragédia com um parente? Ou uma bomba no trabalho? E se o Temer tivesse renunciado, o Trump declarado guerra ou tivessem descoberto que Elvis, de fato, não morreu? Como conviveria com a culpa se deixasse passar? No fim, eram só uns memes da Suzana Vieira.

Fico pensando nesse mundo onde era possível se dedicar a algo por duas horas sem ouvir nenhum “plim” ou sentir algo tremendo na perna. Dizem que lá era socialmente aceito demorar mais do que alguns minutos para responder a uma mensagem, e não havia marcadores azuis para denunciar ao emissário se a mensagem já tinha sido lida. O mais curioso é que, nessa terra perdida, também havia emergências familiares, acontecimentos imprevistos, demandas urgentes. Como esses seres primatas lidavam com isso, não sei. Mas tenho inveja deles.

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Reza a lenda que até dava para dormir tranquilo, a noite toda.

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