Finados sempre é tempo de reflexão, de olhar para dentro de nós mesmos, de visitar quem já partiu. Cemitérios são recantos de saudade, de eventuais lágrimas, são inapagáveis guardiões de tantas memórias felizes. Finados é tempo de nos lembrarmos de nossa pequenez, de nossa finitude. É tempo também de lembrar os esquecidos, já perdidos no tempo, aos quais nenhum parente mais, nenhum amigo leva uma flor ou dedica uma recolhida oração.
A estes últimos cabem versos do poema “A morte absoluta”, de Manuel Bandeira: “Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,/ Em nenhum coração, em nenhum pensamento./ Em nenhuma epiderme./ Morrer tão completamente/ Que um dia ao lerem teu nome num papel/ perguntem: “Quem foi?…”/ Morrer mais completamente ainda,/ – sem deixar sequer esse nome”. Amargo, porém real para tantos que já se despediram da vida.
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Entre os mortos estão amigos, conhecidos, parentes, celebridades, anônimos, próximos ou distantes. Machucam os que morrem inocentemente nas guerras cruéis e impiedosas, os que morrem nos desastres, os que morrem de fome, de sorrateiras doenças, os que morrem de tristeza ou de abandono.
Durante a última pandemia, tantas pessoas queridas se foram sem direito a um último e definitivo adeus de nossa parte. Percorrendo as vielas de um cemitério, deparamo-nos com jazigos suntuosos, com lápides simples, com mensagens de amor eterno e de saudade. Mas igualmente notamos o abandono, o esquecimento. Milhares de sepulturas revelam que não há mais ninguém por elas. Ancestrais sem descendentes ou esquecidos por estes já se tornaram nuvens que evaporaram para sempre no infinito.
Em cemitérios mínimos, tantas vezes semeados em algum campo ermo, onde repousam desde escravos, peões, até fazendeiros abonados, em pequenas propriedades rurais, onde repousam bravos imigrantes, enraizados para sempre em sua nova terra, reina a simplicidade de uma cruz de ferro ou de madeira, mas reina sobretudo a paz. Muitos já não terão parentes próximos, no entanto sua história é para sempre.
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Cemitérios são repositórios da história de uma família, de uma comunidade, contam ou ocultam a saga de tantas pessoas, muitas vezes só ali preservada para a posteridade. Inúmeras sepulturas nos surpreendem quando ali lemos quão jovens alguns morreram, nos trazem à memória centenas, milhares de pessoas que conhecíamos, que integravam o nosso círculo de amizades, eram nossos companheiros de trabalho, de lazer, fazendo-nos reconstruir passagens inesquecíveis de nossa própria vida.
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Que o dia, no entanto, não se revista apenas de amarga tristeza. Lembremos os tantos momentos venturosos que compartilhamos com entes queridos não mais presentes fisicamente em nosso dia. Recordemos os sonhos realizados juntos, as tarefas cotidianas cumpridas, os passeios, as risadas, os ranços, as festas, os defeitos e as virtudes que temperam nossa vida. Não convém navegar somente na amargura, o luto que invade nossa alma uma hora se despedirá e, ainda unidos, os que foram e os que aqui permanecem tocarão o barco até seu destino final. E, se houver clima, cantando uma suave canção e balbuciando uma silenciosa prece.
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Em tempos de cremação, mesmo com as cinzas lançadas ao mar, se foram amados os que partiram, continuarão vivos enquanto houver alguém que lhes dê a contrapartida do amor.
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