Todo mundo conhece alguém autossuficiente. Aquelas pessoas que “se acham” superiores e não estão nem aí para o resto do mundo, vivendo numa espécie de bolha. É gente que adora parecer indiferente às coisas cotidianas que afetam a nós, mortais comuns, como o sorriso de uma criança, a doçura de um cachorro ou a piedade despertada diante de um morador de rua.
Nesta época de pandemia, nota-se que muita gente mudou de comportamento. Quase sempre isso se deve a experiências dolorosas consigo mesmo ou que envolveram familiares e amigos próximos. Costumo fazer uma analogia em relação às tragédias que a vida nos reserva com a figura de um espelho, um objeto trivial que todos possuem em casa, no carro, na bolsa ou mesmo usando o aparelho celular.
A dor se assemelha à imagem refletida de nós mesmos, sem retoques ou truques do tipo fotoshop. É praticamente impossível passar diante de um espelho sem reparar na própria imagem. Mesmo que de soslaio, “com o rabo do olho”, todos caem na tentação de conferir o visual. É um irresistível vício de todos nós.
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Quando vou ao shopping, costumo observar o comportamento dos frequentadores. Além de ser um aficionado por gente, faço desse hábito um laboratório para tecer reflexões que trago aqui, através de minhas mal traçadas linhas, dando pitacos sobre a vida alheia. Tipo uma mesa de bar virtual.
As vitrines das inúmeras e coloridas lojas – principalmente nesta época do ano – servem à visualização da própria imagem. Revisitam o consagrado mito de Narciso, personagem da mitologia grega. É um forte símbolo de vaidade, muito citado na psicologia, filosofia, letras de música, artes plásticas e literatura. Além de ter uma beleza estonteante que despertava a atenção de homens e mulheres, Narciso era arrogante e orgulhoso.
Ao invés de se apaixonar por outras pessoas que o admiravam, ele ficou apaixonado por sua própria imagem ao vê-la refletida num lago. A morte de Narciso é controversa e permite várias versões. Alguns contam que ele morreu de desgosto por não conseguir possuir a própria imagem que admirava nas águas. Outra explicação diz que ele afogou-se ao tentar tocar a própria imagem no lago que a refletia.
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Assim como é impossível mentir ao travesseiro no final do dia, diante do espelho vislumbramos a nossa imagem como ela é: verdadeira, sem maquilagem, truques, mentiras, desculpas e subterfúgios para fugir à verdade.
Espelho e travesseiro, objetos simples do nosso cotidiano, servem para mostrar nossas fraquezas que o dia a dia por vezes omite. Noutras, “esquecemos” porque nos convêm. Gostando ou não do que o espelho mostra, lá estamos nós, com defeitos, virtudes, temores, planos que, em resumo, são balanços diários que fazemos sem nos dar conta.
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