As mudanças anunciadas nesta semana pelo governo no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) podem deixar o programa mais sustentável e aumentar o acesso ao crédito, mas também podem ser insuficientes para garantir a continuidade do financiamento. Especialistas e representantes de entidades ouvidos pela Agência Brasil avaliaram os prós e contras das alterações propostas pelo governo.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, considera que as medidas anunciadas ainda são paliativas, pois não enfrentam frontalmente o principal problema do Fies, que é a falta de sustentabilidade orçamentária. “É um programa insustentável, que não entrega a qualidade da educação, simplesmente alimenta uma indústria de diplomas nos estabelecimentos privados”, diz.
Para ele, mesmo com as medidas anunciadas, o Fies continua sendo uma “bomba-relógio” em termos orçamentários. “O Brasil vai ter que enfrentar em algum momento a discussão sobre a permanência do Fies e decidir se despende R$ 24 bilhões por ano em empréstimos subsidiados ou se busca um projeto de mais longo prazo de regulação do ensino superior e expansão da rede pública de ensino superior”, afirma Daniel Cara.
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Já na avaliação do sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, as mudanças representam um avanço para deixar o Fies mais sustentável. “No sistema anterior, o governo assumia o risco, e as pessoas não pagavam, e ficava por isso mesmo. Então, na verdade não era um sistema de crédito, era um subsídio”, diz. Ele acha que as universidades têm que dividir a responsabilidade da manutenção do Fies com o governo. “Se as universidades são corresponsáveis elas vão cuidar mais para que as pessoas completem o curso e tenham uma boa formação, porque se não ela vai ter um prejuízo”, completa.
Após as alterações no Fies, o risco do financiamento, que atualmente é apenas do governo, será compartilhado com as universidades privadas. Os estudantes vão começar a pagar o empréstimo assim que tiverem renda formal, após deixar a faculdade, e o dinheiro será descontado diretamente do salário do empregado.
Para o professor Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), as mudanças anunciadas pelo governo restringem a oferta de crédito ao Fies. “As mudanças criam restrições, porque forçam o pagamento em prazos diferenciados. Você tem que apostar que essas pessoas um dia vão pagar, é uma aposta social.” Ele também considera que o governo deve acompanhar melhor a qualidade do ensino oferecido pelas instituições privadas. “Essa é uma medida complementar absolutamente necessária, para você não estar oferecendo um produto para essa pessoa que não corresponda às expectativas, é um produto pelo qual ele pagou que ‘não serve para quase nada’. E isso os estudantes não têm como controlar.”
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Com as mudanças, a partir do ano que vem o Fies terá três tipos de financiamento: um com recursos públicos e outros dois com recursos de fundos regionais e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A previsão do governo é que sejam abertos 310 mil novos empréstimos no ano que vem, sendo que 100 mil serão ofertadas para estudantes com renda familiar per capita de até três salários mínimos a juro zero, incidindo a correção monetária.
Universidades
O diretor executivo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), Rodrigo Capelato, acredita que a criação de novas modalidades do Fies deverá aumentar o potencial de crescimento de novas vagas, com a disponibilização de mais crédito para os estudantes. Ele reconhece que o aumento da participação das instituições particulares no risco do financiamento, anunciado pelo governo, é importante para manter a sustentabilidade do programa.
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“Aumentar a participação das instituições nesse risco faz sentido para deixar o programa sustentável no longo prazo, não queremos que o programa morra. Mas isso precisa ser bem estudado, de forma que premie aquelas que façam mais gestão de inadimplência do que as outras que não façam”, diz o diretor da Semesp. Segundo o Ministério da Fazenda, a contribuição das universidades vai aumentar de 6,5% para 13% do valor do financiamento e vai variar de acordo com a inadimplência registrada pela instituição.
Já o diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, avalia que as mudanças foram menores do que o esperado. “Não houve as mudanças que a sociedade estava aguardando. Eles ficaram muito presos na parte financeira e esqueceram o lado social. O Fies como uma política pública de financiamento deveria ter a preocupação do governo com o acesso à educação para o desenvolvimento do país.”
Nessa sexta-feira, 7, durante o anúncio das mudanças no Fies, o ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmou que as modificações garantirão a continuidade do programa. Ele mostrou dados segundo os quais, em seu formato anterior, o programa acumulava uma inadimplência de 46,4%, cujo risco terá que ser absorvido inteiramente pelo Tesouro Nacional. “Agora as instituições de ensino superior privadas serão sócias também da inadimplência, elas terão que zelar por cada real emprestado, e, se por acaso a inadimplência aumentar, elas terão que aportar mais recursos no fundo garantidor”, destacou o ministro.
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No caso das modalidades que serão financiadas por fundos regionais e pelo BNDES, o risco da inadimplência do financiamento será dos bancos. Para Sólon Caldas, isso poderá dificultar o acesso dos estudantes, pois, quando o risco é do banco, o critério de acesso é mais restrito.
Bancos
Para o presidente executivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, as novas regras do Fies são bem-vindas, por abrirem novas oportunidades de financiamento trazendo também aos estudantes e à sociedade mais informação e transparência sobre o Fundo de Financiamento Estudantil. “Merece igualmente apoio a preocupação do governo em pautar a reformulação do Fies pelos princípios da responsabilidade fiscal e da previsibilidade para os beneficiados pelo programa”, diz Portugal, em nota.
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As novas regras do Fies vão valer apenas para contratos firmados a partir do ano que vem. Neste semestre, o MEC vai oferecer 75 mil novas vagas de contratos de financiamento, ainda com as regras atuais.
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