O episódio na Serra Gaúcha resultou em enorme perplexidade e indignação social. Porém, a rigor, não há nada de novo. Não só no Brasil, mas em todos os lugares, são frequentes as denúncias dessa natureza. Nos últimos anos, a estatística tem se revelado assustadora. Possivelmente, cresceram as denúncias face à tecnologia e à facilidade de meios de registro e divulgação digitais.
Essa elevada incidência guarda relação direta com o crescimento da oferta de mão de obra barata e/ou dessassistida, decorrente de intensas migrações (internas) e imigrações (externas). Em alguns lugares, tal mão de obra disponível também decorre de intervalos produtivos sazonais e inconveniências climáticas, quanto à origem do trabalhador. Ou, simplesmente, efeito colateral do desemprego.
Em qualquer circunstância indutora dessa disponibildiade de mão de obra e a ocorrência de contratação precária, ou, atual e negativamente, tida como escravidão moderna (modern slavery), importa registrar a grave omissão e a culpa (e dolo, se for o caso) do contratante principal. Das empresas, em especial.
Já há farta legislação nacional acerca da obrigação solidária do contratante relativamente a obrigações trabalhistas e previdenciárias, em especial. Assim como há legislação penal que enseja hipóteses de culpa e dolo em contratações e tratamentos precários e desumanos.
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Face à repercussão do escândalo e a propósito do tema (escravidão moderna), fiz uma rápida entrevista com o amigo e engenheiro Aidir Parizzi Júnior, talentoso e prestigiado colunista da Gazeta do Sul, além de autor de Mar incógnito e Embarque imediato, seus dois livros com preciosos relatos de viagens.
Porém, é entrevistado nem tanto por seus frequentes textos, mas, especialmente, por sua experiência internacional em relações empresariais. Mais precisamente, sobre as cautelas necessárias em contratações terceirizadas de materiais e serviços. Em modo sucinto, transcrevo as suas principais respostas. Com a palavra, Aidir Parizzi:
“Minha experiência e atuação talvez sejam úteis para esclarecer questões relativas ao uso de trabalho similar à escravidão. Sou responsável pelas operações e por toda a cadeia de suprimentos de 18 fábricas em 13 países. Isso envolve mais de 5 mil fornecedores de material direto, indireto e serviços, incluindo mão de obra.
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Para cada um desses fornecedores, realizamos uma auditoria que compreende, além de aspectos de qualidade e tecnologia, dezenas de políticas de conformidade (compliance), algumas governamentais, que diferem para cada país, e outras por compromisso ético da corporação.
Alguns exemplos detalhadamente vistoriados por uma equipe global de 8 pessoas: uso de trabalho infantil, elementos metálicos (ouro, prata, níquel, cobalto etc.) oriundos de regiões de conflito, escravidão moderna, tráfico humano, corrupção estatal e privada etc. E há vários outros procedimentos que fazem parte da diligência prévia (due dilligence), incluindo aspectos ambientais.
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Ao contratar um prestador de serviços ou mão de obra terceirizada, recai sobre o contratante, tanto quanto sobre o contratado, qualquer responsabilidade relativa a conformidade, implicando atenção e vigilância permanentes.
De modo que alguma observação e constatação negativas, relativamente a esses pré-requisitos adotados, pode determinar o cancelamento de uma compra de material ou prestação de serviço. Há poucos meses, por exemplo, cancelamos uma compra internacional de painéis solares por suspeita de uso de trabalho forçado!
Em síntese, pode-se afirmar que uma empresa jamais pode aceitar desconhecimento ou culpar um terceiro no que se refere à mão de obra usada para produção de seus produtos e serviços, em qualquer nível da cadeia de produção. É uma questão de legislação, mas, acima de tudo, uma questão ética.
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Lamentavelmente, o ocorrido na Serra Gaúcha virou notícia internacional, o que certamente afetará negativamente seu prestígio e as vendas dos vinhos brasileiros no exterior. Resta esperar que as punições cabíveis sirvam de lição a todos os envolvidos, e que o assunto gere uma legislação mais efetiva em todas as áreas da indústria e agricultura brasileiras.”
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