Ainda que o voto seja obrigatório no Brasil, o número de pessoas que deixam de ir às urnas aumenta a cada eleição. No último dia 2, nada menos do que 32,7 milhões de cidadãos aptos a votar não compareceram. Embora seja reflexo do descrédito da política junto à população, a abstenção crescente gera, na visão de analistas, riscos ao princípio da representatividade democrática.
Pela Constituição, o alistamento eleitoral e o voto só são facultativos para pessoas com idades entre 16 e 18 anos, acima de 70 anos e analfabetos. No primeiro turno, o índice de abstenção chegou a 20,9%. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que esse percentual vem crescendo desde 2006 (veja quadro). Em algumas regiões, as ausências foram ainda maiores.
Os números indicam que uma parte significativa da população não enxerga o voto como um instrumento de transformação social. Nesse sentido, a omissão configura tanto um protesto quanto uma apatia. “Há uma sensação generalizada em uma parcela da opinião pública de que votar em um ou outro não faz diferença. A multa pelo não comparecimento também é muito pequena e essa informação já se disseminou na sociedade”, observa o cientista político Paulo Moura. Fatores como dificuldade de acesso aos locais de votação pelas populações mais vulneráveis e eleitores que trocam de domicílio mas não atualizam o título de eleitor também estão por trás da situação.
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Os analistas, porém, veem a tendência com preocupação. De acordo com Moura, em alguns países onde o voto não é obrigatório, a abstenção chega a ser superior a 40%, o que faz com que governantes sejam eleitos com baixa representatividade. Em alguns casos, isso levou a crises em pouco tempo. “O candidato se elege com votos de 30% da população. E aí, quando o eleitor percebe o erro, é tarde. Por isso é preciso escolher bem e ir votar”, completa Moura.
Para o professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcus Ianoni, na medida em que muitos eleitores deixam de votar, a democracia representativa perde legitimidade, já que os eleitos representarão contingentes cada vez menores de pessoas. “Essa atitude de não votar favorece as tendências de distanciamento entre representantes e representados”, observou. Na mesma linha, a cientista política Juliana Fratini vê a abstenção como uma recusa pelo cidadão ao exercício dos direitos políticos. “A democracia é um regime inacabado e que depende da pluralidade e integração de diferentes no processo político”, analisa.
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A Gazeta do Sul ouviu três pessoas que, embora desobrigadas pela lei eleitoral, fazem questão de votar.
Embora seja dispensado pela lei da obrigatoriedade do voto há quase duas décadas, Germano Kelber nem sequer cogita deixar de participar das eleições. Aos 87 anos e ainda ativo politicamente – é presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Santa Cruz (Apopesc) – o ex-piloto trata o comparecimento às urnas como um imperativo cívico. “Não só eu como minha esposa, que tem 85 anos. Votamos desde sempre e, enquanto tivermos condições de saúde, não vamos deixar de votar”, disse.
Para Kelber, que milita há mais de 35 anos pelos direitos dos aposentados, comparecer às urnas também é uma forma de dar voz a um público que precisa do poder público. Por conta disso, entende que, independentemente da idade, todos deveriam votar. “O voto é a nossa defesa. Se queremos um governo sadio e que se preocupe com a economia, precisamos votar.”
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Ex-moradora de Santa Cruz, a professora Ana Maria Piazera-Davison vive em Israel desde dezembro de 2007. Uma das primeiras providências que tomou ao chegar ao país foi procurar a Embaixada do Brasil em Tel Aviv, registrar-se como cidadã brasileira residente e fazer a transferência do título eleitoral para continuar a participar das eleições, ainda que só possa votar para presidente da República. Radicada em Raanana, a 20 quilômetros de Tel Aviv, Ana seguiu fazendo questão de ir votar, mesmo após 2015, quando obteve a cidadania israelense.
Embora viva a 10,5 mil quilômetros de distância, Ana segue atenta aos problemas do país de origem e vê o voto como uma forma de contribuir. Na sua avaliação, quem deixa voluntariamente de votar abre mão de participar do processo democrático, mas terá que enfrentar as consequências da omissão. “Eu vejo no exercício do voto um direito e mesmo um privilégio. Há muitos países onde não existem eleições livres. Vejo muita gente politicamente ignorante, confundindo política enquanto processo com política partidária, que é apenas um dos aspectos. Vejo pessoas resumindo política a um conceito raso e superficial, como ‘é tudo igual e de nada adianta querer mudar’”, diz.
Aos 16 anos, Heloísa Pereira Fortes encontrou, em 2022, a oportunidade de votar pela primeira vez. Ainda que o voto só seja obrigatório por lei a partir dos 18 anos, ela não quis aguardar para emitir o título. Para ela, que é estudante do 2º ano do Ensino Médio da Escola Ernesto Alves, o voto é uma forma de contribuir para a sociedade. “Ao votar, sei que fiz minha parte enquanto cidadã preocupada com o meu futuro e o futuro do nosso país.”
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Para decidir o primeiro voto de sua vida, Heloísa conta ter pesquisado sobre os candidatos e conversado com outras pessoas, até chegar à conclusão sobre quem se aproxima mais de seus ideais e do que acredita ser o melhor para a nação. Na sua avaliação, muitos jovens de sua faixa etária abrem mão de votar por não entenderem o quanto o resultado de uma eleição pode impactar nos rumos das suas vidas. “Se eu tenho a oportunidade e não o faço, estou deixando que outras pessoas escolham por mim. Por isso eu diria que repensem”, comentou.
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Segundo Paulo Moura, negar a importância do voto é equivocado porque o futuro da sociedade é definido por políticos eleitos. “A política é essencialmente a arte de redistribuir o orçamento público. Quando a pessoa se abstém, está entregando para os outros a decisão sobre o destino do orçamento e uma série de outras decisões que podem não ser percebidas mas afetam as nossas vidas”, explicou.
Outra ideia corrente que afasta muitos eleitores das urnas é a de que um voto não tem relevância em um universo de mais de 150 milhões de eleitores. Conforme Moura, no entanto, o comparecimento faz, sim, diferença, ainda mais em eleições altamente competitivas, como é o caso da disputa presidencial deste ano. “As pessoas tendem a votar conforme os grupos sociais aos quais pertencem. Então o voto individual se soma ao de outras pessoas e assim se produzem as maiorias que vencem as eleições”, comentou.
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O combate à escalada da abstenção passa, segundo Juliana Fratini, por um esclarecimento maior da população por meio da educação formal e informal. “Campanhas populares e midiáticas leves que envolvam e nas quais os cidadãos possam se identificar e se sentirem integrados ao processo político”, ressaltou. Conforme Marcus Ianoni, esse estímulo deve partir também dos partidos e dos tribunais eleitorais. Outro passo fundamental é os políticos com mandato darem bons exemplos. “Depende de que os representantes escolhidos atuem no sentido de mostrar aos seus eleitores que estão na luta para atender as suas demandas em relação às decisões políticas”, disse.
Nesta semana, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, fez um apelo contra a abstenção no segundo turno. Segundo ele, o fato de as 27 capitais do Brasil e várias outras cidades, incluindo Santa Cruz, terem confirmado gratuidade no transporte público no domingo deve estimular o comparecimento às urnas. No primeiro turno, somente 12 capitais tiveram passe livre. “Vamos diminuir essa abstenção e o transporte público gratuito ajudará. Quanto mais transporte público e quanto mais eleitores comparecerem, mais democracia”, disse Moraes, ao encerrar a última sessão plenária do TSE antes da votação de domingo.
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