E os épicos bíblicos voltaram à moda. O sucesso esdrúxulo de Os Dez Mandamentos reacendeu o interesse pelas narrativas da Bíblia – se é que alguma vez elas deixaram de atrair o público. O ‘esdrúxulo’ explica-se porque a versão para cinema da novela da Record vendeu ingressos feito água, mas, quando o jornal O Estado de S.Paulo foi conferir as salas que teoricamente deveriam estar cheias, estavam vazias. Na sequência, Os Deuses do Egito teve salas lotadas – e o jornal O Estado de S.Paulo conferiu. O curioso é que, nesses casos, o público talvez tenha comprado gato por lebre e os ‘deuses’ do título não apenas eram pagãos como o relato movido pela luta do poder no antigo Egito e a participação dos deuses nas vidas, inclusive a afetiva e sexual, dos homens.
Temos agora mais dois épicos e esses, sim, bíblicos, por mais liberdades que tenham tomado diretores e roteiristas. Ressurreição estreou no mês passado. O Jovem Messias estreou no mesmo dia do esperado embate entre Batman e Superman, na fantasia de super-heróis de Zach Snyder. Ambos os filmes traçam um arco completo da experiência terrena do filho de Deus. Ressurreição, de Kevin Reynolds, é sobre a crucificação O Jovem Messias, de Cyrus Nowrasteh, com base no livro de Anne Rice – a autora de Entrevista com o Vampiro -, é sobre o menino Jesus, que descobre ser uma criança especial e busca respostas para as indagações que o consomem. E ambos, na verdade, são sobre os tribunos que, em diferentes momentos da vida de Cristo, a ele estiveram ligados.
A história de Ressurreição guarda algumas semelhanças com O Manto Sagrado, de Henry Koster, de 1953, que entrou para a história como filme que inaugurou o cinemascope. Na época, Hollywood estava acuada por uma nova mídia que surgia avassaladora – a televisão – e tanto o formato widescreen como os recursos empregados para contar uma história dos tempos de Cristo visavam mobilizar um público que já estava começando a se recusar a sair de casa. O Manto Sagrado é sobre a conversão do tribuno (Richard Burton) que comandou a crucificação de Cristo. Joseph Fiennes é agora o tribuno enviado pelo cônsul romano para orquestrar o rito da mesma crucificação.
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Há toda uma preocupação com o quadro da época. O cônsul está preocupado com a próxima visita do imperador romano à Judeia, os sacerdotes do templo alarmam-se com os rumores que anunciam, no terceiro dia após a morte, a ressurreição do santo homem que armaram para crucificar. Fiennes deve guardar o sepulcro e, quando o corpo desaparece, deve buscá-lo. Ele encontra o próprio Cristo – o homem que viu morrer na cruz. Segue-o com sua alma danada, como quem busca uma segunda chance. Talvez a segunda chance e a ressurreição do título sejam as que busca o próprio diretor Reynolds. Autor de um dos grandes filmes dos anos 1980 – o visceral A Fera da Guerra, com Steven Bauer e Jason Patric -, Reynolds ligou-se a Kevin Costner, a quem já dirigira em seu longa de estreia, Fandango. Realizaram Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões, um sucesso, e Waterworld – O Segredo das Águas, um fracasso monumental que fez com que Reynolds perdesse o rumo e o próprio Costner visse abalada sua condição de astro – O Mensageiro, que ele mesmo dirigiu, somente piorou as coisas depois.
Desde aquela época, e já se passaram mais de 20 anos, nos poucos projetos que tem conseguido concretizar, Reynolds busca sempre sua segunda chance na indústria. Competência não lhe falta, e isso fica claro mais uma vez no épico em cartaz. O Jovem Messias é outra coisa. De cara, o jovem Jesus é acusado de matar um garoto – pelo anjo caído, Lúcifer – e a priminha lhe diz – “Faça como fez com o pássaro”. Na praia, Ele encontrara um pássaro morto, o soprou e devolveu-lhe a vida, o que faz com o garoto. A descoberta desse poder O perturba e Ele vai aos pais, Maria e José, em busca de respostas – que eles não têm.
A família volta à Judeia e Jesus vai aos sábios do Templo, ainda buscando respostas. Continua operando milagres e, a essa altura, Herodes, o filho, já descobriu que um garoto – será o Rei dos Reis? – escapou da matança ordenada por seu pai. Herodes envia o centurião romano atrás do garoto, para matá-lo. De novo, algo se passa com o centurião, que já salvou o menino uma vez.
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É curioso, em relação ao Brasil atual, como ambos os filmes abordam um tema com o qual Ressurreição e O Jovem Messias não têm nada a ver, mas que está lá, em ambos – a voz das ruas. Pode ser que o espectador nem se dê conta, ou considere irrelevante. Afinal, são essas leituras, ou interpretações, que o cinema volta e meia propicia. Mera coincidência? A crucificação e a busca do cadáver em Ressurreição são coisas de terror. O relato que Maria faz, para o filho, do anjo que anunciou o nascimento dele, é belo. E nunca, nenhum outro filme, expressou o amor de Maria por José. O cinema é assim. Pode estar contando a história mais velha do mundo. E surpreender.