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Amazonas

Entrevista: um casal no olho do furacão da pandemia, em Manaus

Foto: Arquivo Pessoal

Carolina Oliveira e Rafael Hoff moram na capital do Amazonas

A cidade de Manaus, no Estado do Amazonas, é, dentre as capitais, uma das que vive cenário mais dramático de incidência de casos de Covid-19 no Brasil, tanto em termos de disseminação do contágio quanto de mortes associadas à doença.

A situação já é de caos na área da saúde por conta das limitações no atendimento à população, em especial aos infectados. Com 2,5 milhões de habitantes (quase o dobro de Porto Alegre), isolada em meio à floresta amazônica, registra condições climáticas peculiares, com alta umidade e calor estafante, além das deficiências em saneamento básico.

E é em Manaus que residem, desde agosto de 2019, o professor de Jornalismo Rafael Hoff, 44, e a esposa, a publicitária Carolina Oliveira, que até aquele momento atuaram em Santa Cruz do Sul.

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Em entrevista aos jornalistas Maria Regina Eichenberg e Leandro Porto, no programa Rede Social, da Rádio Gazeta 107,9 FM, Hoff descreveu o cenário de descontrole da doença na cidade e confirmou que eles próprios permaneciam em quarentena em casa com claros sinais de estarem infectados por Covid-19, mas já praticamente recuperados.

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Hoff enfatizou que a realidade em Manaus é complicada em especial por conta do pouco acesso a informação junto à ampla maioria da população humilde ou que reside em áreas ribeirinhas, nessa capital praticamente isolada do restante do País.

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Para sair de lá, só há dois meios: de barco, enfrentando sete dias de viagem via Porto Velho, em Rondônia, ou Belém, no Pará; ou de avião, mas a redução nos horários de voos faz com que viagem ao Sul, por exemplo, hoje demande 35 horas em lugar das costumeiras oito horas.

Natural de Porto Alegre e tendo residido em diversas cidades antes de se fixar em Santa Cruz do Sul, em 2012, para lecionar junto ao Curso de Comunicação Social da Unisc, Hoff passou no concurso para a Universidade Federal do Amazonas (Unam), e decidiu transferir-se para a Amazônia. Em Santa Cruz ficou seu filho João Rafael, de 8 anos, residindo com a mãe.

A inquietação com a distância é ainda maior tendo em vista que os pais de Rafael, Enio e Ioli, moram em Pelotas. Já Carolina é de Pantano Grande e se fixara em Santa Cruz, a partir de onde, acompanhando Rafael, mudou-se para o Norte. Ela tem o filho João Neto, 11, na cidade natal. O casal estivera no Sul em janeiro e fevereiro, visitando familiares, e desde então a ansiedade só pode ser amenizada em contatos diários via mídias sociais.

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Rafael e Carolina residem no Bairro Aleixo, a nove quilômetros da sede da Unam. Já no período de quarentena, Carolina teve de sair de casa para atender a compromisso profissional, ao lado de uma colega, e nessa ocasião, ao retornar para casa, começou a apresentar indicativos de que poderia estar infectada pelo coronavírus.

Souberam que no caso da colega os testes deram positivo, o que só reforçava a conclusão de igualmente estarem infectados. A partir do momento em que os sintomas também se manifestaram em Rafael, decidiram isolar-se em casa e medicar-se. Conforme Rafael, o quadro incluía tosse, dores de garganta, sensibilidade na pele e diarreia.

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“Os dados na cidade são alarmantes. E a tendência é de a disseminação ser muito maior do que se divulga. Nós, por exemplo, optamos por nem procurar a rede de saúde, sobrecarregada, e assim nem fazemos parte dos números oficiais. Muita gente terá feito o mesmo”, referiu.

Hoff menciona que o clima de Manaus é um ponto à parte no caso da Covid-19. “Aqui só existem duas estações: a da chuva e a de seca. Agora é a da chuva, que segue em maio. A temperatura fica entre 32, 34, 36 até 40 graus. Com umidade de 94%. É como se a gente respirasse água”, ressaltou.

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ENTREVISTA*
Rafael Hoff – Professor universitário em Manaus (AM)

Gazeta do Sul – Como está a situação em Manaus? O senhor e a esposa tiveram contato com a Covid-19?

Rafael Hoff – Sim, estamos em home office, eu desde o dia 16 de março, ela [Carolina] uma semana depois, ali pelo dia 20, por conta de uma determinação do governo para fechamento dos serviços não essenciais. Ela trabalha numa agência de publicidade e eu trabalho na Ufam, a universidade federal, e as duas organizações decidiram por suspender as atividades. Então a gente está de home office. Mas como trabalha com publicidade, e buscando manter relação com os clientes, ela acabou saindo para fazer uma visitação. A gente evitava ao máximo essas saídas. Quando faltava alguma coisa, da farmácia ou do supermercado, eu pedia pelos aplicativos que oferecem esses serviços. Mas ela necessitou fazer uma visita a um cliente, e foi acompanhada de outra pessoa da mesma agência, no caso a proprietária. Quando retornaram, dias depois a proprietária disse: ‘olha, eu estou com os sintomas.’ Passados mais alguns dias, nós começamos a sentir os sintomas; primeiro ela, e cerca de dois dias depois eu passei a sentir os sintomas também, e a gente percebeu então que poderia estar com o vírus.

Desde então vocês permaneceram direto em casa?
Sim, mantivemos essa restrição de permanecer em casa, até porque a orientação do Ministério da Saúde e todas as orientações que a gente via pela mídia era de que só se procurasse os postos de saúde em caso grave, gravíssimo, de falta de ar. Não foi nosso caso. Nossos sintomas foram diarreia, ardência na pele, alguma tosse, ela sentiu um pouco de febre, eu também senti umas febrículas, coisa de 38 graus, não muito mais do que isso, e essa indisposição geral. Mas a gente manteve a hidratação, procuramos controlar. Eu tenho sinusite, que ficou atacada durante esse processo, com muita secreção e pigarro. Continuo tratando a sinusite, mas os efeitos da Covid, os sintomas gerais que a gente sentiu, já amenizaram.

Muita gente segue em quarentena?
O que a gente tem acompanhado por conta dos perfis de informativos aqui de Manaus e de comentários em mídias sociais é de que existe um abrandamento. O pessoal meio que cansou de ficar em casa; estava bem tensa a coisa, e deram uma afrouxada. Mas a gente percebeu que nos últimos dias voltaram a se recolher. As ruas estão mais vazias, e acho que isso é realmente devido à situação assustadora que se tem vivido em Manaus. Porque realmente o cemitério está fazendo vala comum, enterrando de cinco em cinco pessoas, e tem corpos esperando na fila, tanto dentro dos carros das funerárias na frente do cemitério quanto dentro dos contêineres frigoríficos colocados nos hospitais que atendem pessoas contaminadas com a Covid-19. Porque não se tem estrutura em Manaus capaz de suportar isso. Primeiro porque a cidade e o interior dependem da rede hospitalar daqui da capital para atender às pessoas contaminadas com o vírus, e segundo porque não se imaginava que o volume de pessoas contaminadas e precisando de atendimento de urgência e emergência subisse da noite para o dia e nesse volume que a gente encontrou nos últimos tempos.

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Conhecidos de vocês também foram atingidos?
Sim. A realidade aqui é bem crítica e assustadora, e agora ela passa daquela situação de números que aparecem na TV, no rádio ou no jornal para gente conhecida. Agora ela tem CPF, nome e sobrenome, o meu primo, o tio, o amigo. Eu, por exemplo, tive a triste notícia de que a esposa de um colega, professor de Comunicação aqui da Ufam, faleceu de Covid-19 há duas semanas.

Vocês tiveram oportunidade de fazer teste uma vez que tiveram os sintomas?
Foi opção nossa não procurar o sistema de saúde para fazer o teste. Porque a gente já tinha a informação de que não havia teste para todo mundo e as pessoas estavam procurando em massa o sistema hospitalar aqui da capital. Por conta disso, seria uma exposição. Caso a gente não estivesse contaminado ainda, seria nos expor ao risco, e se estivéssemos contaminados estaríamos levando o vírus para passear na cidade. Essa colega da minha esposa entrou na rede privada, conseguiu, teve acesso e atestou positivamente. Como tínhamos os mesmos sintomas, e acompanhando pela mídia soubemos que a orientação era ficar em casa até que seja necessário realmente atendimento de urgência e emergência para não lotar os hospitais, a gente ficou em casa. O que nos leva a imaginar também, como reflexo dessa nossa atitude, que muita gente está contaminada e ou não apresenta sintomas ou até apresentou os sintomas e, como nós, preferiu ficar em casa. Mas tem os sintomas. Então, tem muito mais gente contaminada do que os números que são apresentados pela mídia. Se essas pessoas piorarem, o caos no sistema de saúde vai ser ainda maior.

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A subnotificação tende a ser grande então?
Sem dúvida. Eu e minha esposa optamos por ficar em casa, mesmo diante dos sintomas. Percebemos que havia grande probabilidade de que estivéssemos contaminados com o coronavírus. Mas optamos por ficar em casa, a gente tem essa opção. Continuamos com nossas atividades, com aquilo que é possível em um tempo de exceção como esse, e nos preservamos ao máximo. Fico imaginando quem não tem acesso a tanta informação ou quem não tem a opção de ficar em casa, porque se não sair para trabalhar, não come, por incrível que pareça. A gente pensa assim: ah, mas tem uma ajuda do governo, está sendo dada para a pessoa, basta se cadastrar no aplicativo. Mas quem mora na rua não tem celular para ter aplicativo; esses não recebem ajuda, e esses podem estar contaminados. E continuam na rua, até porque não se tem muita notícia de internação nos hospitais dessa população indigente, população de rua, atendida pelo sistema público de saúde. No caso de Santa Cruz do Sul, eu morei aí, sei que essa não é uma realidade tão gritante, mas numa cidade como Manaus, de 2,5 milhões de habitantes, a situação de rua aqui é muito mais evidente.

E há notícias sobre a situação no interior?
Aqui se tem não só o pessoal que mora na rua; tem ainda o pessoal da periferia. E, elevando à enésima potência todas as questões de falta de informação, de falta de testes, temos a situação do interior. Aqui existem cidades nas quais só se chega com 12 horas de barco, rio acima. Essas pessoas talvez não venham para o hospital em Manaus porque não tenham condições de vir. Talvez não estejam diagnosticadas e nem façam parte das estatísticas porque os testes não chegam lá. Mas são pessoas com CPF, nome e sobrenome. E que, de uma maneira ou de outra, pois a gente não conhece ainda a realidade desse vírus, podem carregar ele por algum tempo. É por isso que a pandemia é assustadora. Porque a gente não tem noção de quanto tempo isso vai durar, quanto tempo esse vírus vai ficar por aí circulando, contaminando pessoas e levando ao agravamento dessa síndrome respiratória.

*Trechos da entrevista concedida ao vivo aos jornalistas Maria Regina Eichenberg e Leandro Porto no programa Rede Social, da Rádio Gazeta 107,9 FM.

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