Após os ataques do prefeito de Santa Cruz do Sul, Telmo Kirst, ao promotor de Defesa Comunitária, Érico Barin, o subprocurador-geral para assuntos institucionais do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), Marcelo Dornelles, procurou a Gazeta nesta quinta-feira, 19, para falar, em nome do MP, sobre o caso.
Depois da divulgação de que a Promotoria abriu um inquérito para apurar o uso de documentos falsos por uma empresa vencedora de licitações em Santa Cruz e outros três municípios da região e que a atuação da prefeitura no caso também era investigada, Telmo Kirst concedeu entrevista criticando o promotor Barin, acusando-o de perseguição e de ser “midiático”. O prefeito pretende fazer uma denúncia contra o promotor à Corregedoria do Ministério Público.
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Barin também se pronunciou. Ele defendeu a investigação do caso, classificou como “apelativa” a acusação de perseguição e disse que suas ações ganham visibilidade por terem como foco assuntos de interesse público e também pela imprensa atuante existente no município.
A entrevista foi ao ar na Rádio Gazeta 107.9 FM e você confere a íntegra abaixo.
Rádio Gazeta – Vamos falar agora com o subprocurador geral para assuntos institucionais do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Marcelo Dornelles.
Marcelo Dornelles – Foi tão grave a entrevista do senhor prefeito, que nós decidimos pedir um espaço para conversar também com vocês. Primeiro, porque acho que isso não contribui em nada, esse tipo de ataque pessoal. O Ministério Público está fazendo o trabalho dele, local, com transparência, com objetividade, com demonstração de fatos concretos e provas destes fatos. Então, acho que fica muito ruim, é ruim para o cidadão de Santa Cruz esse tipo de postura pública, até porque, desde que nós assumimos aqui – e já faz muitos anos –, nós temos tentado melhorar a relação com os prefeitos, temos relação maravilhosa com a Famurs, temos buscado isso, e situações como essa não contribuem em nada.
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A própria fala – e eu tive acesso à manifestação do prefeito e também do promotor – do promotor em que ele explica, passo a passo, o que fez e a forma como ele fala, claramente, demonstra que ele não é midiático, que ele é uma pessoa absolutamente ponderada e que esse excesso do senhor prefeito não contribui em nada.
Rádio Gazeta – O prefeito de Santa Cruz, Telmo Kirst, levantou a possibilidade de fazer uma denúncia à Corregedoria do Ministério Público contra o promotor Érico Barin. Como o senhor recebe essa possibilidade?
Marcelo Dornelles – Isso faz parte. Inclusive, nossa postura não é de acobertar nenhum tipo de situação. Acontece que, de fato, pelo que nós observamos, não há nada a ser apurado em termos de corregedoria, o promotor agiu de forma correta, no estrito cumprimento do seu dever legal, sem qualquer tipo de exagero. Mas tudo o que chega, aqui, ao conhecimento da corregedoria vai ser apurado. Isso faz parte. Agora, por outro lado, a fala veemente do senhor prefeito também vai ser apurada porque ela, no mínimo, tem situações de crime contra a honra, no mínimo tem injúria, no mínimo tem difamação, e isso vai ser apurado também e não é algo que contribui em nada.
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Mas se, por acaso, tiver qualquer tipo de desvio de qualquer promotor de Justiça em qualquer circunstância, ele é apurado e nós temos sempre o maior interesse de que as coisas sejam feitas dentro da maior correção, o que parece ser longe do caso concreto. Muito longe. Eu já tive acesso, inclusive, antes de conversar com vocês, a algumas peças dos inquéritos, principalmente esse que está sendo discutido pontualmente, da licitação, dos documentos falsos, então isso tudo existe. Então, se tem um documento declaradamente falso que foi utilizado em uma licitação, o Ministério Público é obrigado a apurar isso.
Não quer dizer que isso seja responsabilidade do prefeito ou de nenhum servidor, mas, até que isso aconteça, o Ministério Público é obrigado a apurar isso. Então isso não deveria causar surpresa e nem constrangimento, mas, eventualmente, tudo o que chegar ao conhecimento das corregedorias, que é um órgão autônomo aqui da nossa instituição, vai ser apurado.
Rádio Gazeta – O promotor ressaltou a trajetória dele no Ministério Público, disse que é muito respeitado. O senhor confirma essas informações?
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Marcelo Dornelles – Antes de conversar com vocês, eu puxei a ficha funcional do doutor Érico e, veja só: ele foi promotor de Justiça na comarca de Jaguari, Sobradinho, Antônio Prado, São Borja, Cruz Alta, Ijuí e agora em Santa Cruz do Sul. É uma carreira de mais de 20 anos e não tem nenhuma punição, nenhuma investigação, nenhum reparo. Ao contrário, na ficha funcional dele só tem atuações elogiosas, até porque ele é reconhecido, aqui, pela instituição exatamente como colocado: é uma pessoa ponderada, uma pessoa séria, que faz o trabalho dele na medida correta, então, efetivamente, o que ele disse na entrevista nós confirmamos totalmente.
Rádio Gazeta – A investigação iniciada vai seguir?
Marcelo Dornelles – Isso é óbvio. Uma vez instaurado o inquérito civil, seja pelo doutor Érico ou por quem for, ele tem que ser levado até o final. Tem outra questão: esses inquéritos civis têm um controle interno do Ministério Público muito forte, porque todos eles são submetidos ao Conselho Superior do Ministério Público, são 11 procuradores de Justiça, sendo um o corregedor-geral e outro o procurador-geral. Então, todos esses atos são muito fiscalizados pelo Ministério Público. Por óbvio que essa investigação continua, até porque, pelo que eu já vi aqui, tem, claramente, documentos falsos utilizados. Não quer dizer que isso seja responsabilidade de alguém da prefeitura, mas isso foi utilizado na licitação e não há como o Ministério Público ignorar isso.
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Rádio Gazeta – Algo mais a acrescentar?
Marcelo Dornelles – Eu agradeço muito o espaço que vocês concederam e nós interferimos de ofício aqui de Porto Alegre porque o ideal era que as coisas melhorassem. Ninguém precisa ser amigo, mas as relações institucionais, as relações profissionais, as relações republicanas têm que ser de uma forma equilibrada. Me parece que a atuação vem sendo feita de uma forma equilibrada. Publicidade tem a ver com transparência, ou seja, o Ministério Público não pode omitir coisas que não tenham sigilo legal.
Então o ideal era que essas coisas fossem superadas. Talvez tenha alguns momentos maiores de tensão, mas que no futuro, para o bem da comunidade de Santa Cruz, que é o que interessa, o melhor é que as coisas fossem, a partir de agora, um pouco mais pensadas e ponderadas e do lado profissional de cada um, ou seja, trabalhando, respondendo, todos dentro da sua atividade profissional.
Rádio Gazeta – É comum esse tipo de situação entre prefeitos e o Ministério Público?
Marcelo Dornelles – O que é comum, porque o Ministério Público tem o trabalho constitucional de fiscalização dos atos de gestor público, tem o trabalho de defesa do patrimônio público, é normal termos inquéritos, termos investigações, termos relações com as prefeituras, isso é do cotidiano. Situações como essa, de uma exasperação tão elevada, pública, por parte do gestor municipal, não. Por isso até que nos surpreendeu bastante, até porque o senhor prefeito é uma pessoa experiente. Então nós, efetivamente, ficamos preocupados, porque não é cotidiano, não. O cotidiano é ter relações normais, às vezes um pouco mais tensionadas, mas não chegar a esse ponto.
Ouça a íntegra da entrevista do subprocurador-geral para assuntos institucionais do MP, Marcelo Dornelles:
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A Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul também emitiu nota, nesta quinta-feira, 19, em defesa do promotor Érico Barin:
NOTA PÚBLICA
A Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, entidade que congrega Procuradores e Promotores de Justiça, ativos e inativos do Estado, vem a público repudiar as declarações ofensivas proferidas pelo Prefeito Municipal de Santa Cruz do Sul, Telmo Kirst, em recente entrevista, pondo em dúvida a imparcialidade da atuação do Promotor de Justiça, Érico Fernando Barin, titular de 2ª Promotoria de Justiça Especializada de Santa Cruz do Sul.
A Associação reafirma à comunidade de Santa Cruz do Sul a total confiança na atuação técnica, imparcial e altiva do colega, que desenvolve suas atribuições na estrita observância dos preceitos legais, com absoluta imparcialidade e isenção, sempre buscando a solução mais adequada aos conflitos que se apresentam.
Críticas ofensivas, desprovidas de qualquer fundamento, não espelham a conduta responsável e respeitosa que os agentes que exercem parte da soberania do Estado devem primar.
Finalmente, a Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul considera que o episódio é fato isolado, que em nada macula a credibilidade que o promotor de Justiça detém das autoridades e da comunidade local, fruto do competente e dedicado trabalho que desenvolve na Comarca.
Porto Alegre, 19 de dezembro de 2019.
Martha Silva Beltrame,
presidente da AMP/RS.
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