Em entrevista à Gazeta do Sul na última sexta-feira, 19, um dia após o Estado anunciar a decisão de transferir o controle acionário da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) à iniciativa privada, o diretor-presidente da empresa, Roberto Barbuti, reconheceu que municípios com contratos em vigência, como Santa Cruz, têm o direito de não aceitar o novo modelo e partir para outros caminhos. Alegou, no entanto, que rompimentos podem levar a impasses judiciais e se disse convicto de que a desestatização vai qualificar o atendimento prestado.
O governo alega que a privatização é a única forma de garantir que a Corsan consiga cumprir as metas do novo Marco Legal do Saneamento, que exigirão da empresa triplicar o nível de investimento para conseguir universalizar o acesso à água potável e esgoto tratado até 2033. A ideia é fazer uma oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês), a partir da qual o Estado passaria a deter apenas cerca de um terço do capital da empresa (hoje detém 99,9%), mas para isso será preciso o aval da Assembleia Legislativa. Na entrevista, Barbuti afirmou que, além de uma injeção grande de recursos, a companhia estará, a partir da desestatização, livre de obrigações impostas a empresas públicas e que tornam os investimentos mais lentos, como a realização de licitações. Também afastou o risco de a água ficar mais cara para os consumidores, sob o argumento de que a empresa, mesmo com outra natureza jurídica, permanecerá sujeita à regulação que existe hoje. “As regras são as mesmas”, salientou.
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Questionado especificamente sobre Santa Cruz, onde o contrato de 40 anos encontra-se na fase inicial, ele garantiu que, se a empresa permanecer, todas as obras previstas serão entregues e, inclusive, outras melhorias poderão ser incluídas.
O que forma a convicção de que transferir o controle da companhia à iniciativa privada é o melhor caminho e vai garantir uma qualificação do atendimento prestado?
A empresa não está sendo vendida para um terceiro. Não há um grupo que está assumindo a companhia em uma data X, tirando o Estado e tocando a companhia da forma como acha mais adequado. O que estamos fazendo é o fortalecimento da Corsan através de uma oferta de ações, um IPO. E nesse processo, haverá uma diminuição da posição de controle do Estado. O Estado deixa de ser acionista controlador e passa a ter alguma coisa ao redor de 30%. Vai continuar a ser o maior acionista da empresa, mas ela terá vários outros acionistas. Vamos ter uma empresa capitalizada, com uma injeção grande de recursos e fora das amarras que temos hoje, como uma sociedade de economista mista. Por exemplo, para todas as obras que estamos executando hoje em Santa Cruz do Sul, temos que fazer licitação. Aí a licitação é embargada, o contrato vai para o TCE, vai para a Justiça. Com esse processo, vamos ter uma agilidade muito maior e poderemos contratar empresas de alto nível.
Críticos da privatização costumam citar exemplos de lugares pelo mundo que transferiram a gestão do saneamento à iniciativa privada e depois voltaram atrás, como a cidade de Paris. Como o senhor responde?
Tem muita falácia. Paris fez investimento em água e saneamento no século 19, há quase 200 anos, com uma proporção pesadíssima na época. Então, essa questão está resolvida nesses municípios há muito tempo. Por exemplo, nós temos um contrato com Santa Cruz, que prevê entregas, vamos investir um caminhão de dinheiro, e no final desse contrato tudo estará montado. Quando estiver tudo montado, eventualmente pode haver interesse de reestatizar. Esse serviço é uma concessão, os bens são reversíveis. Então, existem muita história mal contada sobre esses exemplos. O ponto é: temos hoje na Corsan a necessidade pesadíssima de investimento e temos que viabilizá-lo dentro do prazo da lei, que é 2033. Não adianta comparar com situações que resolveram a questão do saneamento há mais de cem anos.
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Em Santa Cruz, temos um contrato de 40 anos que foi assinado em 2014. Ou seja, estamos apenas no início do contrato. O que exatamente mudaria a partir da desestatização?
Já estamos em tratativas com a Prefeitura para ajustar alguns pontos do contrato e queremos fazer isso com a maior velocidade possível. Vamos lembrar que nosso negócio é regulado, e Santa Cruz inclusive possui uma agência própria. Então, há todo um regramento que envolve esse contrato. O novo Marco Legal do Saneamento estipula que os contratos permanecem nos prazos em que foram negociados. E existe um prazo para aditivar esses contratos para que as cláusulas estejam totalmente aderentes ao que exige a nova lei. Tem coisas que o Marco Legal prevê, mas nossa conversa com a Prefeitura já está além. Por exemplo, a questão da redução de perdas de água. Santa Cruz tem um índice de perdas que exige uma redução relevante, e a Prefeitura e o regulador têm a mesma visão. Já estamos trabalhando nisso e vamos entregar. Com o controle da companhia diluído, vamos conseguir acelerar as coisas, ter um grau de conforto muito maior nas entregas.
Mas, então, todos os investimentos previstos no contrato de 2014 vão ser entregues, só o que pode mudar são os prazos?
O que nos comprometemos a entregar, vamos entregar. E, na realidade, estamos discutindo algumas entregas adicionais. Então, na realidade, a população só vai ser beneficiada. Não tem risco algum de um impacto negativo na qualidade do serviço.
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A principal preocupação da população é com a possibilidade de a água ficar mais cara a partir desse processo. Esse risco existe?
Não existe, porque a tarifa é estipulada por um regulador e há regras de cálculo tarifário. Nada disso muda, independentemente de o serviço ser prestado por uma empresa de controle estatal ou não. As regras são as mesmas. E vamos trabalhar para que, com uma eficiência muito maior, haja até espaço para modicidade tarifária. A nossa linha é: queremos entregar mais sem aumento de tarifa.
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A Corsan tem mais de cinco mil funcionários. O que acontecerá com esses servidores a partir da mudança de natureza da empresa?
Como eu mencionei, esse não é um processo em que o governo sai e no dia seguinte entra um novo grupo, esse grupo traz as pessoas de confiança dele e manda as que estão na Corsan embora. O nosso modelo é totalmente diferente e prevê que a Corsan continuará com seu quadro funcional integral. O que vai acontecer é que, dentro de uma maior flexibilidade, trabalharemos muito a questão da meritocracia. Queremos preservar todos os funcionários que fazem a diferença e agregam valor para a companhia. O quadro todo permanece, mas vamos trabalhar em uma linha de meritocracia, visando ao melhor serviço para o cliente.
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Vocês consideram a possibilidade de haver casos de municípios que não aceitem esse novo modelo e optem por romper os contratos com a companhia?
Trabalhamos com a premissa da manutenção dos contratos, aditivando-os para ajustá-los ao novo Marco Legal. Entendemos que os municípios têm esse direito (de romper os contratos), está respaldado pela legislação do setor, mas queremos acima de tudo ter um bom diálogo. Estamos totalmente abertos para ajustar pontos que precisam ser ajustados. Rompimentos contratuais, contrariamente ao que diz a legislação, são situações que geram uma repercussão prejudicial ao consumidor. Vai se travar uma disputa, isso vai demorar anos e, nesse caminho, acho que ninguém se beneficia. Estamos bem conscientes do que estamos fazendo, o nosso plano é muito bem calçado. Mais do que nunca, a Corsan quer ser parceira dos municípios, através de um serviço de excelência.
A Corsan adota hoje a política do subsídio cruzado – municípios superavitários repassam parte de seus lucros para municípios deficitários. Com a desestatização, isso se mantém?
Entendemos que se mantém, mas provavelmente haverá um regime de transição. É uma transição que vai demorar um tempo, porque o subsídio cruzado é o que permite ao conjunto dos municípios atingir as metas de universalização. É fundamental para o Estado que tenhamos uma companhia forte e com capacidade de execução de um plano de R$ 10 bilhões de investimentos. E esse plano está, sim, baseado no subsídio cruzado. Em algum momento para frente, isso pode mudar, mas é necessário que haja um regime de transição muito bem pensado.
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