Categories: Geral

ENTREVISTA: professor de Administração fala sobre desafios das empresas com a pandemia

Em projeções do possível cenário futuro na indústria e no comércio, analistas avaliam que as marcas terão como horizonte um antes e um depois do coronavírus (novos a.C e d.C.). A pandemia da Covid-19 tende a fixar parâmetros novos (e bem mais rigorosos) para a realização de negócios, na oferta de produtos e na prestação de serviços, exigindo flexibilidade e muita capacidade de diálogo. O professor de Administração Alexandre Antinarelli, vinculado à Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), que há mais de duas décadas atua como gestor em empresas, concorda com esse prognóstico.

Em seu entender, o consumidor, a partir de agora, estará muito mais atento, crítico, exigente e criterioso em relação ao que uma empresa sugere ou divulga que faz, em suas ações de marketing e publicidade, e acerca daquilo que ela efetivamente pratica na elaboração de seus produtos, na gestão de seus colaboradores ou na prestação de seus serviços. “Não será mais possível tentar ‘vender’ que se faz uma coisa e na verdade não agir com responsabilidade”, refere. “É mais do que certo que a partir de agora os consumidores não admitirão discrepâncias na forma como uma empresa procede em relação a colaboradores, à qualidade de produto e a aspectos sociais ou ambientais”.

Em outras palavras: o ambiente empresarial e do comércio, que já era competitivo, exigirá ainda mais comprometimento do empresário ou do investidor com seus públicos. E os cuidados e a atenção à saúde tendem a ser incorporados em definitivo. “Em um cenário cada vez mais desafiador, e preocupado com o impacto social e ambiental do que é produzido e colocado no mercado, se não houver capacidade rápida de adequação e responsabilidade, e se a marca, o produto ou o serviço não forem convincentes para o consumidor, ele tende a não adquirir”, frisa.

Publicidade

LEIA TAMBÉM: Os empregos e os planos que a pandemia já levou embora em Santa Cruz

E, diante disso, a confiabilidade da informação no marketing, a boa comunicação do que se faz e de como se faz, a credibilidade do que é anunciado e praticado, podem se constituir em premissas básicas para o êxito das empresas no mercado.

ENTREVISTA
Alexandre Antinarelli
Professor de Administração da Unisc, mestre em Administração e coordenador de Compras na Mercur

Publicidade

Pela sua experiência, qual ou quais são os grandes desafios de um administrador a partir da pandemia?
Com certeza são inúmeros os desafios. Mas o meu ponto de partida para contribuir nesta questão está em primeiramente alinharmos os papéis do administrador em uma empresa, que certamente vão além de realizar as funções e ter as competências essenciais para a coordenação dos processos e dos colaboradores envolvidos. Também remetem ao seu compromisso de contribuir com o desenvolvimento da sociedade da qual a empresa está a serviço.

Nesse sentido, se juntarmos estes dois amplos eixos da administração – a coordenação da empresa, em concomitância com o desenvolvimento da sociedade –, compreendo que os grandes desafios neste momento de pandemia mundial residem na necessidade de a empresa estabelecer cenários que possam auxiliá-la a ter uma mínima visibilidade do(s) seu(s) mercado(s) de atuação, para que então consiga redimensionar seus processos/operações, buscando otimizar seus recursos físicos, financeiros e humanos, gerando o menor impacto possível aos seus colaboradores e à sociedade.

Os desafios são diferentes de acordo com o tipo de empresa? Qual seria a melhor atitude a tomar, dentro de uma realidade como a local e a regional?
Certamente os desafios tendem a ser diferentes para cada administrador, em relação ao contexto empresarial em que ele está inserido. Porém, considerando a minha vivência em empresas de pequeno, médio e grande porte, pude perceber ao longo destes anos um fator que, se bem alicerçado na empresa, pode se tornar uma ajuda de grandiosa valia: cultura organizacional.

Publicidade

LEIA TAMBÉM: Governo sanciona lei que cria programa de apoio às microempresas

Afinal, e indubitavelmente, todos nós reconhecemos que quanto mais forte for a cultura organizacional da empresa, mais fluido tornar-se-á o processo de engajamento de seus colaboradores com o propósito e os desafios da empresa, tornando-se um poderoso componente – ainda mais em momentos como este que estamos todos vivenciando – que conduzirá os colaboradores à atitude de participar, contribuir e legitimar as decisões que a empresa precisará tomar.

Qual o senhor entende que sejam os procedimentos mais indicados a um empresário, dentro das regras estabelecidas na realidade de Santa Cruz?
Conforme busquei mencionar na questão anterior, tenho o entendimento de que neste momento o sentido de administrar em prol da legitimação do propósito da empresa torna-se ainda mais relevante para o empresário perseverar na perpetuação do negócio, seja uma nova empresa ou uma que já existe há vários anos, ou até mesmo décadas.

Publicidade

Dessa forma, tanto para uma empresa de Santa Cruz quanto para empresas de outras localidades, compreendo que possam existir procedimentos comuns, pois os efeitos desta pandemia atingem a todos, e não apenas enquanto seres “consumidores”, mas também enquanto seres que trabalham, convivem em família e se relacionam com diversos outros grupos sociais.

Portanto, quando compreendemos mais profundamente sobre os impactos desta pandemia, não apenas através das lentes que apontam os efeitos nos indicadores de desempenho da empresa (clássicos KPIs), como também sobre os impactos decorrentes das transformações do nosso comportamento social, sou conduzido à reflexão de que, se por um lado é fundamental construirmos cenários que nos possibilitem fazer, não necessariamente as melhores – pois destas nunca teremos certeza – mas certamente as escolhas mais apropriadas para este momento; por outro lado, torna-se ainda mais evidente a importância de mantermos o diálogo com todas as pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o nosso negócio (stakeholders internos e externos), no intuito de que esta atitude de estar próximo e a serviço das partes interessadas nos possibilite enxergar a situação a partir de outras perspectivas, contribuindo para o aprimoramento da sensibilidade social e buscando assegurar que a gestão da empresa possa compreender os anseios das partes interessadas e, se não for possível ajudar, pelo menos evitar prejudicar.

LEIA TAMBÉM: Copom reduz Selic para 3% ao ano para conter impacto de pandemia

Publicidade

Enfim, como diz o próprio título do livro da escritora Margaret J. Wheatley, é “Conversando que a gente se entende”; portanto, se necessário fosse elencar um primeiro, frente a tantos procedimentos que são importantes, certamente seria o de conversar com todas as partes que interagem com o negócio, desde colaboradores e acionistas até clientes, consumidores, fornecedores e, se possível ainda, a(s) comunidade(s) nas quais o negócio está inserido.

E quanto a comunicar-se, quais as estratégias para chegar melhor, mais rápido e com mais confiança ao consumidor?
Primeiramente, creio ser importante construirmos um entendimento comum sobre o significado de “comunicação”, ainda mais em ambientes empresariais. Sugiro esta reflexão, pois é comum quando pensamos em processos de comunicação corporativa pensarmos exclusivamente nos canais de comunicação (online e offline) como o “elemento-chave” deste processo. De fato, canais de comunicação são um dos elementos-chave deste processo. Todavia, para uma comunicação empresarial consistente, torna-se importante também considerar outros dois elementos chaves, que são o “conteúdo estratégico” e a “informação estratégica”.

E como estes elementos se complementam?
Veja bem, a identificação e a definição dos canais de comunicação que a empresa irá utilizar serão os meios que vão permitir que ela acesse seus públicos-alvo, sejam estes externos ou internos. Porém, para que o processo de comunicação ocorra, não basta somente a aproximação com os públicos, mas também a construção de engajamento para que o resultado desta aproximação seja a legítima interação social, ou, em outras palavras, seja o diálogo e o compartilhamento de informações entre estes dois ou mais atores: empresa e seus públicos.

Dessa forma, é neste momento que entram em cena os outros dois elementos chave que fomentam, retroalimentam e legitimam este diálogo, pois enquanto o “conteúdo estratégico” busca transmitir informações que sejam de interesse da empresa, mas que tenham valor e significado para os seus públicos; a “informação estratégica” advém da capacidade da empresa de dar voz aos seus públicos e assim, garantir que o seu conteúdo informativo leve em consideração os anseios e necessidades dos seus públicos.

Em síntese, a eficácia da comunicação da empresa com os seus públicos não se dá apenas pelos meios que ela utiliza para comunicar-se, mas, principalmente, pelo conteúdo de valor que ela constrói através das interações com as pessoas (internas e externas), possibilitando, assim, trocas que gerem acolhimento e confiabilidade nas relações, fortaleçam o posicionamento da empresa e a percepção dos clientes e dos consumidores.

O que um empresário jamais deveria fazer, num momento como o atual?
No início da minha trajetória profissional, conheci uma pessoa em uma empresa em que eu trabalhava, em Porto Alegre, que me ensinou algo que carrego comigo até hoje: “evite expressar-se trazendo uma abordagem negativa em seu discurso”.

LEIA TAMBÉM: Lojistas avaliam adaptação às regras de prevenção da Covid-19

Anos depois, enquanto cursava o mestrado na Unisc, voltei a ter contato com um tipo de abordagem teórica que, de certa forma, complementava perfeitamente este ensinamento: “Investigação Apreciativa”. Mas por quê? Porque esta metodologia nos demonstra justamente o forte potencial de uma “abordagem positiva”, tanto nos relacionamentos de nível pessoal quanto social e empresarial. Neste sentido, sinto-me mais à vontade a partir desta abordagem em compartilhar sugestões que possam contribuir para as tomadas de decisões das pessoas, pois somente elas são realmente conhecedoras de seus ambientes e de suas realidades.

Assim, e conforme já venho comentando nas questões anteriores, neste momento de isolamento social e brusca, mas necessária, interrupção das atividades de inúmeras empresas e instituições, torna-se fundamental que possamos dar mais atenção aos pontos positivos e que estes possam tornar-se aprendizagens que possibilitem gerar valor e transformações significativas.

Evidentemente que a atenção aos cuidados básicos, tanto com a saúde dos colaboradores da empresa quanto também com a saúde financeira da mesma, são premissas fundamentais neste momento para qualquer empresário. Todavia, tenho a compreensão de que o esforço na intensificação do diálogo com os públicos da empresa de forma que ela possa fortalecer a sua cultura e propósito de atuação, bem como acompanhar as transformações no comportamento das pessoas, podem qualificar a comunicação e proporcionar que as empresas entreguem valor superior aos seus clientes e consumidores, pois conseguirão antever as reais e atuais necessidades destes públicos.

O senhor entende que o consumidor, ou a população em geral, tende a ser mais crítico e criterioso a partir deste momento?
Sim! Tenho uma inclinação a pensar que este contexto de pandemia que estamos todos vivendo e as aprendizagens decorrentes do nosso isolamento social tenderão a transformar o comportamento social e impactar nas lógicas de escolha que as pessoas fazem para atender suas necessidades. Pelo que tenho percebido, como este momento tem afetado todas as classes sociais, ele tem propiciado que todos, de uma forma geral, reflitam sobre seus hábitos de consumo e sobre a percepção do que realmente necessitamos.

LEIA TAMBÉM: Quais são as tendências do mercado de trabalho após a Covid-19

Concomitante a isso, como estamos todos mais sensíveis aos riscos, sejam estes em relação a saúde, redução do poder aquisitivo, ameaça do desemprego ou outros, todos estes fatores tendem a gerar um certo grau de imprevisibilidade que transforma nosso comportamento e nos leva a consumir menos por impulso e mais motivados por nossas reais necessidades.

Desta forma, estas transformações levam-me a crer que as empresas que poderão ser mais impactadas tendem a ser aquelas que tenham um conhecimento mais restrito sobre as necessidades do público-alvo que elas se propuseram servir e, de certa forma, por trás desta restrição, podem estar também ocultas outras vulnerabilidades da empresa, que podem circundar desde a legitimação do seu propósito de atuação, perpassando pela cultura organizacional, e findando na comunicação com os seus stakeholders.

Trajetória

Antinarelli reflete a partir de sua atuação junto a empresas que se tornaram referência em suas áreas. A essa experiência agregou a formação, com mestrado em Administração pela Unisc, até ter ingressado, ele próprio, ainda com a bagagem de gestor no mundo dos negócios, no quadro de docentes da instituição.

Nascido em Teresópolis (RJ), de pai carioca (seu José Pires, hoje radicado nos Estados Unidos) e de mãe colombiana (Amanda, fixada em Porto Alegre), Alexandre define-se como um nômade. Cresceu na terra natal, ao lado da irmã Andréa, dois anos mais nova que ele. Depois, os pais fixaram-se no Rio, e de lá foram morar por um tempo em Bogotá, capital da terra natal de sua mãe, Pamplona, na Colômbia.

De volta ao Brasil, vieram morar em Porto Alegre. Até que, por volta dos seus 17 anos, se mudaram para os Estados Unidos. De lá, retornou à capital gaúcha com a sua mãe, enquanto a irmã seguiu nos EUA com o pai. E foi em Porto Alegre, aos 20, que Alexandre teve a primeira experiência profissional significativa, em 1988: passou a atuar na Indústria Brasileira de Formulários (IBF), por oito anos.

LEIA TAMBÉM: Emprego: especialista explica medidas enfrentadas durante a pandemia

Depois, transferiu-se para a Calçados Beira Rio, em Novo Hamburgo, em 1996. Lá conheceu sua esposa, a santa-cruzense Paula Cristina Batista Antinarelli, que o convenceu a se mudarem para a terra natal dela – aqui, nasceram os filhos do casal, João Paulo, 20, e Maria Luiza, que completou 11 anos na última quinta-feira). Isso aconteceu em 1998, quando ingressou na Mercur, onde permanece, 22 anos depois, desde 2019 na condição de coordenador de Compras (foi coordenador Comercial até 2018).

Logo na sequência, em 2001, começou a frequentar o curso de Administração na Unisc, concluído em 2008. E em 2012 ingressou no mestrado, que concluiu em 2013, começando em simultâneo a lecionar na instituição (hoje responde pelas disciplinas de Marketing e Administração de Vendas, no curso de Administração).

Compartilha, assim, conhecimentos adquiridos como gestor nas três empresas junto às quais atuou. A sua chegada à Mercur coincidiu com uma guinada importante verificada nessa tradicional empresa santa-cruzense, que, por volta de 1997, decidiu diversificar seus negócios e área de atuação para o segmento da saúde, sendo esta a área a que Alexandre se dedicou, sempre com o olhar voltado para os processos de marketing, comercial e vendas. É com essa bagagem que concedeu entrevista à Gazeta do Sul, refletindo sobre o momento atual e os desafios para as empresas. As perguntas e as respostas foram enviadas por e-mail. Antinarelli também será um dos painelistas da primeira edição de 2020 do Projeto Gerir, na próxima terça-feira, 26, a ser transmitida em plataforma digital.

LEIA MAIS: ACOMPANHE A COBERTURA COMPLETA SOBRE O CORONAVÍRUS

TI

Share
Published by
TI

This website uses cookies.