ENTREVISTA: ‘O eleitor tem mais medo do que sonhos’, diz pesquisadora

O retorno de Luís Inácio Lula da Silva (PT) à arena política levou analistas a apostarem as fichas em uma eleição presidencial inevitavelmente polarizada em 2022, com o ex-presidente de um lado e Jair Bolsonaro (sem partido) de outro, sem espaço para uma candidatura alternativa. Para a cientista política e social Elis Radmann, no entanto, a polarização não é uma certeza e o cenário pode mudar, embalado por uma terceira via competitiva e pela rejeição aos dois protagonistas da disputa.

Fundadora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO), Elis acredita que parte significativa do apoio a Lula e Bolsonaro evidenciado nos levantamentos de intenção de voto que os colocam na dianteira da disputa envolve votos de negação – ou seja, de eleitores que só pretendem votar em um deles para evitar a vitória do outro.

Diante desse ambiente, a ascensão de outro nome, na visão da pesquisadora, é crível, desde que capte a expectativa de um eleitorado que anseia por uma saída às crises sanitária, econômica e educacional geradas pela pandemia. “O eleitor que pode migrar para a terceira via é um eleitor que não sabe o que quer, ele sabe o que não quer”, observou Elis em entrevista exclusiva à Gazeta do Sul. Confira.

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ENTREVISTA – Elis Radmann, Cientista política e social

Por que não é possível afirmar, com certeza, que a eleição de 2022 será polarizada entre Lula e Bolsonaro?
Podemos observar vários indicadores: intenção de voto na série de pesquisas divulgadas, os indicadores de gestão de seus governos, mas principalmente os argumentos que sustentam a preferência em cada um desses nomes. Bolsonaro e Lula têm o mesmo desenho eleitoral, cada um tem três grupos de eleitores: os ideológicos, os que têm preferência propositiva ou pessoal e os que o fazem por rejeição – “vota no menos ruim para tentar derrotar o mais pior”. Não é um voto por escolha, trata-se de um voto de negação. Voto em um para negar a chance do outro ganhar.

O que embasa a preferência e a rejeição a Bolsonaro?
Na percepção dos eleitores, Bolsonaro é visto como um candidato que defende a moralidade, os valores cristãos e da família. É o candidato da segurança pública, que tem o apoio do Exército. Naturalmente, é o candidato da antipolítica, “que luta contra as coisas erradas que os políticos fazem e é perseguido por isso”. Bolsonaro também agrada aos eleitores que defendem o liberalismo econômico e confiam em Paulo Guedes. As críticas a Bolsonaro podem ser analisadas sob o aspecto da oposição política, aqueles que são ideologicamente contrários ao que o candidato defende ou representa, e os que não simpatizam com a sua postura ou comportamento como chefe da nação. Essa é a base de sua rejeição. Com a pandemia, ampliaram-se as vertentes de desconstituição em relação à sua capacidade de gerir a pandemia, criando um novo grupo de detratores.

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E em relação a Lula?
A preferência por Lula está associada, principalmente, por seus feitos. É o candidato que trouxe a “mobilidade social”, “fez as pessoas crescerem” com a “nova classe média” e os seus programas sociais: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Minha Casa Melhor, Prouni, Pronatec, etc. Para esses eleitores, Lula trouxe desenvolvimento econômico, social e cultural para o país. Também é o candidato das minorias, dos excluídos e daqueles que defendem os direitos humanos. As críticas a Lula também têm o desenho ideológico, o grupo com ideais contrários atua em sua permanente desconstituição. Outro grupo são os decepcionados com a sua conduta moral, acreditavam que o PT era a representação da ética e não perdoam os escândalos do Mensalão e Lava Jato.

Se Lula e Bolsonaro, de fato, polarizarem a disputa, pode-se dizer que a rejeição será mais decisiva do que a preferência?
Atualmente, um “precisa” do outro para ser competitivo, é uma relação de tese e antítese. Bolsonaro motiva a liderança de Lula nas pesquisas de opinião e vice-versa. E esse fenômeno irá se manter até a efetivação das campanhas eleitorais (salvo se houver um fato ou escândalo político que não esteja no radar). Poderá mudar, caso apareça uma terceira via competitiva, que mostre capacidade de liderança, proposição e bom senso.

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Se tanto Lula quanto Bolsonaro possuem rejeições elevadas, por que parece tão difícil uma terceira via se criar?
O eleitor tem mais medo e preocupação do que certezas e sonhos. O eleitor que pode migrar para a terceira via é um eleitor que não sabe o que quer, ele sabe o que não quer. Ou seja, essa terceira via terá que aparecer, sem margem de erro, mostrar a que veio.

O que a população espera, diferente do que Lula e Bolsonaro oferecem?
O eleitor espera por bom senso, capacidade de diálogo e negociação. A população está muito cansada, para não dizer exausta, a pandemia tem exigido muito de todos nós. Mas não basta ser um bom negociador, é necessário mostrar que tem capacidade de gestão e que sabe o caminho, que tem soluções para o país. Além das pautas reformistas, o eleitor está preocupado com três grandes temas (pensando na saída da pandemia): retomada econômica, gestão da saúde, em especial das sequelas da pandemia, e retomada da educação (com avaliação dos déficits causados pela pandemia).

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Nesse sentido, o melhor cenário tanto para Lula quanto para Bolsonaro é enfrentar um ao outro?
As chances de ambos tendem a ser menores se enfrentarem algum outro nome? Sim, para tanto eles precisam se manter ativos na agenda do debate. Quanto mais um “cutucar” o outro, maior é o espaço midiático que recebem e maior será a indignação dos eleitores que votam pela negação de um desses candidatos. Esse movimento mantém o eleitor da negação declarando intenção de voto em um deles, com o sonho de derrotar o outro.

Além das já citadas, quais serão outras pautas principais da eleição do ano que vem?
As reformas se manterão, pois são vitais para o Brasil. Elas não são a pauta central do eleitor, mas são o caminho para chegar onde o eleitor quer: um país que funcione melhor e que esteja a serviço da população. O grande foco será na economia. A pandemia precarizou a vida da população e acabou com a “nova classe média”. Nesse debate, devem entrar os programas sociais como paliativos de sobrevivência econômica.

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